Marcelo Lourenço: «10 coisas que aprendi no Festival de Cannes em 2015»

1) Que este é o ano das mulheres. Com a temática da igualdade de géneros com força total no Festival e mote do recém criado “Glass Lion”, o festival celebrou, premiou e ovacionou grandes campanhas focadas no “empowerment” feminino como as belíssimas “I Will What I Want” e “This Girl Can”.

https://www.youtube.com/watch?v=aN7lt0CYwHg

2) Faça o que eu digo, não faça o que eu faço: enquanto no palco se premiava o fim dos estereótipos femininos, as pessoas faziam fila para ouvir a mulher que é o exacto oposto disso tudo: Kim Kardashian. Casada com um dos maiores mitras do planeta (Kanye West, blagh) ela que ensina milhões de raparigas no mundo inteiro que o tamanho do seu sucesso depende do tamanho do seu derriére. Foi uma das palestras mais concorridas (e fotografadas) do Festival. Achei irónico.

3) O Festival celebrou novamente a media mais poderosa que existe: as pessoas. Na era do “share”, uma campanha tem que acertar naquele ponto exacto no coração da malta para se tornar viral. Às vezes acerta no nosso lado mais colorido como no excelente “Proud Whopper” ou no lado mais idiota do ser humano como no genial “Nazis against Nazis”.

Proud Whopper:

https://www.youtube.com/watch?v=qBkAAortU_g

Nazis:

4) Por falar em viral, várias palestras e palestrantes decretaram o fim do viral que cresce de maneira orgânica, partilhado pelas consumidores sem a ajuda de um grande investimento de media. Em outras palavras (e cifras) se quer algo apareça e cresça na internet é preciso investir para potenciar a cena, como se fazia no bom e velho tempo da TV.

5) Aí vem o “Ice Bucket Challenge” e contradiz tudo isso: criada por três famílias de portadores de ALS, uma terrível doença degenerativa, a campanha foi postada nas redes sociais e, com zero investimento, conquistou o mundo, a adesão de milhares de celebridades arrecadando mais de 200 milhões de dólares. Não há “Data Science” no mundo que consiga explicar ou prever o sucesso de uma campanha assim.

6) Por falar em balde de água fria, também não entendi porque o Grand Prix de Titanium foi para algo que pode ser resumido como “Agora já pode pedir a sua pizza usando um emoji em formato de pizza”. Assista e, se descobrir porque isto é genial, não se esqueça de me contar.

7) Impossível não mencionar o Grand Prix de Film, feito para comemorar os 100 anos da máquina fotográfica Leica. Se existe um momento em que a publicidade pode ser considerada arte é nos maravilhosos dois minutos deste spot.

8) Continuo a concordar com Sir John Hegarty: a tecnologia nunca vai substituir uma boa ideia. Mas tenho que admitir que nenhuma das grandes campanhas abaixo existiria sem a tecnologia. “Unskippaple Ads”. Finalmente alguém encontrou uma maneira de usar aquele maldito botão do “skip ad” do Youtube para fazer algo engraçadíssimo. Assista ao filme do cão e faça skip se for capaz.

“The Other Side”: carregue na tecla “R” do seu computador enquanto vê o filme e veja duas histórias completamente diferentes: um pai a levar as filhas para casa ou a fugir depois de assaltar um banco.

 

“Hologram”. O governo proibiu os espanhóis de protestarem em praça pública. A solução: criar um holograma que faria o primeiro protesto virtual da história. Foi a campanha mais premiada do festival com um total de, salvo engano, 19 leões.

9) E, claro, o que seria de Cannes sem uma bela polêmica – depois de ser mega ultra premiada, descobriu-se que a campanha “Lucky Iron Fish” foi inscrita por uma agência que não era a responsável pela ideia. Que por acaso é genial: criar um peixe de ferro que quando colocado na comida aumenta o consumo de ferro pela população do Camboja. É mesmo uma daqueles ideias que dá vontade de roubar (o que, neste caso, foi exatamente o que alguns tipos fizeram).

9) Falou em polêmica, falou em Amir Kassaei, worldwide creative chief da DDB. Amir este ano aproveitou para levar o Grand Prix na categoria “Cuspir no prato que se come”, fazendo uma palestra em Cannes para falar mal … de Cannes. Tenho as minhas dúvidas que o discurso sobre a irrelevância dos prêmios do Festival seria o mesmo se a DDB fosse eleita network do ano. Prefiro concentrar-me no que esta profissão tem de melhor como no
“#LikeAGirl”, Grand Prix de PR e uma das coisas mais bonitas que já vi na minha carreira. Se isso não convence o senhor Kassaei de que esta a profissão vive um momento du caraças, então acho que ele deveria se dedicar a pesca.

10) Por último, a prestação Portuguesa em Cannes. Pois é, não foi o nosso melhor ano (e admito que também não ajudei muito nisso). Mas como diria Winston Churchill, herói de guerra, primeiro ministro e um dos maiores copys da história, o sucesso é a capacidade de ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo.

Então não percamos o entusiasmo: Cannes 2016 começa agora.

Texto de Marcelo Lourenço, director criativo da Fuel

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