Qual o caminho para as empresas portuguesas?

Reunidos num pequeno-almoço debate, no Hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa, os especialistas de diversas empresas 100% portuguesas foram convidados a debater o sucesso das organizações, a internacionalização, o papel da transformação digital, o impacto da Inteligência Artificial e a concorrência com as grandes multinacionais. A moderação da conversa esteve a cargo de Ricardo Florêncio, director e CEO da Multipublicações, e contou com a presença de profissionais da Airfree, Capital MC, Eupago, GBSO, Grupo Germano de Sousa, Media Gate, Nova SBE, Planta Livre e POLO.

Nesse sentido, Marta Correia, responsável de Marketing da POLO, aceitou o repto lançado por José Germano de Sousa, médico e administrador do Grupo Germano de Sousa, para falar sobre a forma como a empresa de produtos ópticos se mantém competitiva. «Diferenciamo-nos através da inovação, da preocupação com os nossos clientes e das parcerias com as universidades portuguesas para desenvolver novos produtos e tecnologias», explica.

Outro aspecto diferenciador na visão da responsável é o sentimento de ser uma empresa criada em território nacional. «Temos este sentimento de portugalidade e de ter uma relação familiar com este mercado. Os nossos colaboradores conhecem os clientes pelo nome, e esse é um factor que nos distingue», acrescenta.

Mas e quando os clientes ainda não conhecem a empresa? Rui Silva, director comercial da Eupago, esclarece, entre algumas gargalhadas, a função da organização. «Não pagamos, mas fazemos com que os pagamentos aconteçam», começa por referir. Quando alguém abre um comércio online, necessita de ter meios de pagamento para receber o dinheiro. É neste campo que a Eupago actua e ajuda as empresas a receberem dinheiro através de meios de pagamento, como referências de multibanco ou MB Way.

Apesar de ser uma empresa digital, o director comercial da Eupago explica que também apostam na proximidade. «Temos de apostar no contacto, apesar de o mercado nos ter dito, a determinada altura, para apostar na digitalização através de bots e sistemas de atendimento automático», acrescenta.

Já no sector das plantas, Armindo Gonçalves acentua a mais-valia de ser uma marca 100% portuguesa. No que respeita à concorrência, alega que é muito «mais feroz» a nível internacional. Dentro de portas, explica que teve a visão de criar uma empresa para impedir as importações.

A meio da conversa, José Germano de Sousa brincou com a situação e questionou Armindo Gonçalves sobre a palmeira que tinha sido roubada há uns anos de um jardim público. A resposta foi surpreendente: «Essa palmeira já tinha sido minha», revelou o fundador da empresa de produção e comércio de plantas ornamentais.

Por outro lado, a Media Gate compete com vários players no mercado. Sobre a forma como a empresa sobrevive num mercado tão competitivo como a compra e venda do espaço publicitário, Pedro Loureiro, fundador da mesma, afirma que «a independência e a capacidade de decisão são factores diferenciadores».

No que respeita ao peso das empresas portuguesas no portefólio de clientes da Media Gate, o cenário é paradoxal. «As nossas empresas clientes são basicamente as grandes multinacionais. Não temos nenhum grande cliente ou anunciante português, mas temos a ambição de trabalhar com eles no futuro», sublinha.

Na saúde, José Germano de Sousa salienta que a sobrevivência do Grupo passa «pela inovação e excelência». Já sobre o mercado, aponta para dentro de portas. «Somos o laboratório de Portugal e estamos aqui para os portugueses. Somos o único laboratório português, não há mais nenhum», reforça. Para o futuro, explica que a empresa quer ser «um espaço de grande confiança, excelência e com um serviço muito diferenciado», recusando, por completo, um caminho ligado a fundos ou capitais de risco.

Rita Palma, fundadora da Soft & Co, considera que o sucesso da marca própria da GBSO no sector de cosméticos deve ser visto como uma motivação para as empresas portuguesas. «Provámos que a produção nacional nesta área é do melhor que se faz no mundo. O sucesso da nossa empresa só prova que tudo é possível em Portugal, mesmo neste mercado competitivo», considera.

INTERNACIONALIZAÇÃO

No que respeita à internacionalização, Armindo Gonçalves admite que esta é uma ambição da Planta Livre. «Queremos crescer e dar suporte a vários viveiros na Europa. Gosto da produção local e, só em Lisboa, vendemos três milhões de plantas, cerca de 30% da nossa produção total», revela.

Em sentido oposto, a Airfree tem estado voltada para a exportação desde a sua fundação com os números a chegarem aos 90% em vendas. «Um dos principais pontos para a expansão além-fronteiras são os produtos diferenciados que a nossa marca oferece, a partir de uma tecnologia patenteada, a TSS, que por esterilização do ar destrói fungos, pólens e mofos, entre outros alérgenos, em aparelhos silenciosos», explica Carlos Matias, CEO da Airfree.

No que à Capital MC diz respeito, Paulo Cardoso brinca com a origem da empresa e revela: «Começámos por ser especializados na produção gráfica e agora somos pedreiros com bom gosto». A empresa começou no mercado da produção gráfica em África e na América do Sul, mas mudou o seu modelo de negócio e orientou a sua abordagem para a manutenção geral e higienizações. «O mercado exigiu-nos uma mudança. Passaram a pedir-nos uma equipa multitasking, capaz de realizar várias atividades no mesmo local», sustenta.

Por outro lado, a Nova SBE começou o processo de internacionalização há seis anos, apesar de a Universidade Nova de Lisboa já ter cinco décadas de história. «Sentimos que tínhamos a oportunidade de colocar Portugal no mapa internacional do ponto de vista da educação. Há seis anos, o mercado internacional representava 5%, hoje, já representa 60%», refere Pedro Brito, explicando, em seguida, que este número só não é superior devido às normas do Estado no que toca às licenciaturas.

O associate dean lembra, ainda, que a Nova SBE só alcançou sucesso internacional devido à sua rede de parceiros. «Somos uma fábrica de conhecimento. Segundo o Financial Times, estamos em primeiro lugar em Portugal e em 13.º a nível mundial no ranking das Business Schools», sintetiza.

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

No que à evolução tecnológica diz respeito, o Grupo Germano de Sousa defende que existem agora custos importantes neste novo mundo da cibersegurança. «Temos uma linha de orçamento que não tínhamos há cinco anos. Portugal tem de se adaptar a todos os níveis, no que respeita a este mundo novo», explica o José Germano de Sousa.

Paulo Cardoso, da Capital MC, também revela algumas preocupações sobre o tema. «Não digo que seja um mau investimento, mas começa a ter algum peso. São mais de 250 mil euros por ano para a quantidade de pessoas que temos a trabalhar connosco. Temos de ter formação, temos de ter certificações, mas custa bastante dinheiro e levam bastante tempo neste momento», complementa.

Sobre a mão-de-obra e as necessidades das empresas, Pedro Brito, da Nova SBE, considera que é necessário olhar, primeiro, para a origem do problema. «Desde a introdução do Euro, Portugal investiu em bens não-transacionáveis. Parte do tecido empresarial português são bens não-transacionáveis, pelo que não é possível fazer um price point que permita ter margens mais interessantes, pagar melhor e investir», explica.

Além disso, o associate dean da Nova SBE identifica um problema enraizado na cultura empresarial portuguesa: «Queremos ser os melhores sozinhos. Até podem ter a ideia milionária, mas guardam na gaveta até conseguirem fazer. Qual é o problema? Vem outro a nível internacional e coloca em prática. Isto é cultural», conta.

No que ao talento diz respeito, Armindo Gonçalves, da Planta Livre, refere que se trata de uma questão de qualificação. «Para as empresas serem grandes, têm de contratar pessoal qualificado. As empresas que trabalham no sector agrícola ou da construção civil não se interessam pelas qualificações, querem contratar, ponto final», afirma, explicando, em seguida, que «a qualificação é vista pelos empresários como um fardo».

No caso concreto da Media Gate, Pedro Loureiro explica que «é muito difícil segurar talento por razões geracionais» e porque concorrem com as grandes multinacionais. «A forma dos miúdos trabalharem é diferente, sobretudo na relação com a empresa, no compromisso e na ideia sobre o teletrabalho», complementa o responsável.

Já Pedro Brito diz que «as pessoas vão exigir outro tipo de comportamento por parte das lideranças», dando, em seguida, alguns exemplos de iniciativas de bem-estar. «Do ponto de vista de cultura, estas dinâmicas valem muito dinheiro. Quando as pessoas sentem que fazem parte da construção da empresa e que não foi algo imposto pela organização, isso tem um impacto brutal na retenção», constata.

Na mesma linha de raciocínio, Marta Cunha, directora de Maketing & Vendas do Grupo Germano de Sousa, defende que «existe um grande handicap das empresas portuguesas relativamente a este mindset da prevenção de talentos, empregabilidade, retorno e recompensa de trabalhar com amor». No caso da POLO, Marta Correia afirma que houve uma grande evolução na qualificação dos colaboradores em todas as áreas, enaltecendo, em seguida, a importância da empresa para a cidade de Vila Real.

Para Rui Silva, da Eupago, as empresas não vão ter outra hipótese a não ser seguir esse caminho. «Estamos com bastante atraso. Existe alguma resistência. Temos de andar para a frente e reconheço que em várias empresas que isso já acontece», refere. No caso específico da Eupago, considera que é difícil encontrar mão-de-obra e instituições de formação por se tratar de uma área de negócio muito recente.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Após o surgimento da IA, Pedro Brito afirma que a Nova SBE teve duas opções: «bloquear a sua utilização ou abraçar a tecnologia como uma ferramenta de apoio aos alunos». Escolheram a segunda e mudaram os critérios de avaliação. Antes, as teses valiam 80% e a defesa contava 20% para a nota final. Com a utilização massiva desta ferramenta, as percentagens foram alteradas e a defesa da tese passou a valer 80% da nota final.

Pedro Brito desvendou, ainda, que a Nova SBE criou uma rede de especialistas internacionais e de parcerias, com destaque para a Universidade de Harvard (EUA) que possui um Centro de Desenvolvimento, com um conhecimento elevado no mundo da IA. «Fizemos um business case e detectámos que as pessoas conseguem poupar 25 dias úteis, em média, por ano, com a utilização de IA generativa. O impacto? É fantástico», conclui.

Para Carlos Matias, esta ferramenta tecnológica é o futuro. «A IA vem potenciar os resultados ao serviço da saúde. As nossas aplicações já conseguem controlar a recente linha de híbridos, através de comandos de voz e controlo remoto. Os purificadores de ar Airfree serão cada vez mais uma excelente arma contra as doenças alérgicas», constata.

Na POLO, Marta Correia garante que não podem ficar para trás e deixa a porta aberta a parcerias futuras. «Temos o objetivo de nos juntar a parceiros e estamos a trabalhar na inovação e actualização tecnológica. Em Outubro, vamos ter novidades. Não posso revelar muito, mas a IA vai estar na base de uma parte significativa do nosso portefólio de lentes oftálmicas», desvenda.

Por fim, Rui Silva admite que ainda não têm um plano interno de formação e utilização para esta ferramenta na Eupago. No caso da Planta Livre, Armindo Gonçalves explica que esta tecnologia ainda só está a ser aplicada ao nível de processos e logística.


ENTREVISTA A LUIS SOMMER, ADMINISTRADOR DA POLO

Qual o sentimento de portugalidade e o posicionamento que a POLO tem no mercado?

O nosso posicionamento é ajudar na agregação do conjunto das empresas 100% portuguesas, que tem um valor intrínseco, e que nos pode ajudar muito neste caminho que todos temos de fazer, com inovação e resiliência.

Ao nível da internacionalização, a POLO já tem algo planeado para o futuro?

Estamos internacionalizados há 60 anos. Aliás, a POLO começou por ser uma empresa eminentemente exportadora. Na década de 1960, logo no início da sua fundação, produzia 300 mil lentes de vidro por mês e exportava entre 85 e 90% da produção. De momento assistem-nos novos desafios para a exportação, tendo como grande objectivo fortalecer e expandir as parcerias com empresas distribuidoras de lentes oftálmicas nos mercados europeu e africano.

E como encaram, actualmente, a Inteligência Artificial (IA) no vosso sector?

Neste campo vou ter de ser muito prudente, até as nossas novidades estarem cá fora, porque não queremos dar vantagem à concorrência, como deve compreender.

Esta ferramenta tem sido vista mais como uma oportunidade ou como um desafio no vosso caminho?

Sim, é uma oportunidade mas também é um desafio. Eu, pessoalmente, ainda coloco muitas reticências por causa da confidencialidade e do uso abusivo. Por exemplo, existe um programa de rádio em que colocam umas pessoas a falar com IA. Muitas das ouvintes não descobrem que é a verdadeira pessoa de carne e osso. E isso é algo que a mim assusta bastante. Acho que ainda não temos um regime regulatório que nos permita estar descansados e a tecnologia pode ser um pouco perigosa.

E ao nível da atracção e retenção de talento, qual é a principal dificuldade que detectam no mercado português?

Penso que não existe falta de talento em Portugal, mas sim falta de talento governativo e excesso de burocracia, e há muitos anos. Andamos num carrossel de loucuras e as empresas estão, constantemente, à procura de soluções para ultrapassar as barreiras burocráticas. Não significa que isso tenha acontecido apenas nos últimos oito anos, pois se calhar foi nos últimos trinta, tirando aquele período em que apareceram “um ou dois bombeiros” para colocarem as coisas em ordem. Preocupa-me isso e a iliteracia política dos portugueses que, muitas vezes, têm o retrato à sua frente e não o conseguem identificar. Estamos a fugir um pouco à questão económica, mas também isto está, de alguma forma, ligado à economia.

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