Numa altura em que a promoção de hábitos alimentares saudáveis se assume como prioridade para a saúde pública, surge o Prato em T, uma iniciativa inovadora que alia ciência, educação e design. Este projeto resulta de uma colaboração entre a NOVA Medical School, a Fundação Casa Hermes e a Costa Nova, unindo três entidades com perfis distintos, mas com um objetivo comum: transformar conhecimento científico em práticas alimentares acessíveis e intuitivas para todos. Através do Prato em T, a ciência da alimentação é traduzida em ações concretas, facilitando escolhas equilibradas no dia a dia e promovendo a literacia alimentar de forma prática e visual. O projeto contempla diferentes públicos, desde crianças a adultos, e ambiciona ser uma ferramenta educativa de referência, capaz de influenciar hábitos quotidianos, inspirar políticas de saúde e criar impacto social duradouro.
Por Sandra M. Pinto
Em entrevista exclusiva à Marketeer, Conceição Calhau, Professora Catedrática da NOVA Medical School, explica como surgiu a parceria, quais os desafios enfrentados e as aprendizagens desta colaboração multidisciplinar que une academia, sociedade e design, sempre com o objetivo de melhorar a saúde alimentar dos portugueses.
Como surgiu a parceria entre a NOVA Medical School, a Fundação Casa Hermes e a Costa Nova?
A parceria nasceu de uma ambição comum: ações que facilitem a promoção da saúde. A NOVA Medical School, fiel à sua missão de levar à sociedade o conhecimento produzido na academia, tem desenvolvido múltiplos projetos focados na literacia em saúde e, sobretudo, na capacitação para estilos de vida mais saudáveis. Aqui temos o conhecimento, a ciência que nasce nesta escola médica e deve ser devolvida à sociedade. Entre os fatores modificáveis que previnem doenças crónicas, a alimentação ocupa um lugar central — e em Portugal faltavam ferramentas de literacia alimentar que fossem de interpretação fácil, de uso simples, intuitivas, acessíveis e verdadeiramente úteis no quotidiano.
A Fundação Casa Hermes, dedicada à educação para a saúde e à valorização da história da medicina, identificou de imediato o potencial social, educativo e cultural desta iniciativa, reconhecendo o seu alinhamento natural com a missão da instituição. Já a Costa Nova, com a sua forte identidade no design cerâmico e na criação de momentos significativos à mesa, trouxe o saber-fazer, a estética e a materialidade necessárias para transformar a ideia num objeto real, elegante e com potencial impacto.
Assim, três entidades com perfis distintos encontraram um propósito comum: criar um instrumento acessível, cientificamente rigoroso e esteticamente elegante que ajudasse, de forma simples e direta, as pessoas a comerem melhor.
Quais foram os principais desafios de coordenar três entidades com perfis tão distintos num projeto único?
O maior desafio foi transformar linguagens e práticas muito diferentes — académica, cultural e industrial — num processo fluido e produtivo. A área científica exigia rigor – com grande detalhe nos alimentos que surgiam no decalque, no tamanho correto, na mensagem que tinha de ser transmitida; a Fundação trazia uma visão educativa; e a Costa Nova precisava de garantir viabilidade técnica, estética e de produção. Harmonizar tempos, expectativas e abordagens foi exigente, mas também o que deu riqueza ao projeto. O resultado final demonstra que, quando diferentes mundos se alinham numa missão comum, a diversidade torna-se força e não obstáculo.
De que forma a “colaboração imprevisível” entre ciência, social e design acrescenta valor à literacia alimentar?
Não consideramos imprevisível, talvez sim, menos comum, infelizmente. Mas, sem dúvida acrescenta valor porque aproxima o conhecimento das pessoas de uma forma intuitiva e prática. A ciência dá credibilidade, a dimensão social garante relevância e impacto social, o design traduz conceitos complexos numa experiência simples, agradável e de identidade à mesa, com elegância. Esta conjugação cria uma ponte entre teoria e prática: não se trata de ensinar apenas o que comer, mas de integrar esse conhecimento numa cultura de mesa que valoriza equilíbrio, prazer, elegância, identidade e saúde. É uma colaboração que transforma recomendações em objetos tangíveis e em comportamentos concretos.
Quais são os objetivos concretos do Prato em T em termos de literacia alimentar?
O objetivo é ajudar a população a fazer escolhas alimentares equilibradas de forma autónoma. Compreender o que deve ser priorizado diariamente na alimentação. Importa a qualidade do que comemos e a hora a que comemos. A quantidade acaba por estar representada ainda que de forma indireta, e na verdade para a saúde importam as rotinas, portanto os hábitos, importa que ingredientes através dos alimentos conseguimos ingerir de modo a que o nosso metabolismo (como funciona a máquina, o organismo) tenha tudo para funcionar. O prato funciona como uma ferramenta visual que traduz recomendações científicas para o dia a dia. Em linha com a Dieta Mediterrânica que, em Portugal, sabemos que a adesão é baixa, com um baixo consumo de hortícolas e de leguminosas, este prato pretende ajudar a trazer de volta hábitos de consumo que sabemos muito relacionados com a saúde. Pretende-se ainda promover diversidade nutricional, reforçar a relação entre alimentação, saúde e prevenção da doença e transformar hábitos, sem complexidade.
Como esperam que esta iniciativa influencie o comportamento alimentar diário dos portugueses?
Espera-se que o Prato em T funcione como um guia simples e permanente, incorporado na rotina. Não é um conteúdo teórico nem uma recomendação abstrata: é um elemento que estará na mesa, que orienta escolhas e que se torna um reminder visual constante. Ao facilitar decisões intuitivas — metade do prato em hortícolas, por exemplo — a iniciativa pretende criar hábitos mais saudáveis, aumentar a literacia alimentar e contribuir para prevenir doenças associadas à alimentação inadequada, que sabemos ser um dos principais fatores de risco que em Portugal condiciona a saúde.
Existem planos para medir o impacto real do Prato em T nas escolhas alimentares das famílias?
Embora ainda em fase de reflexão e definição dos próximos passos, o projeto ambiciona, no futuro, avaliar o impacto do Prato em T através de abordagens pedagógicas e observacionais que possam envolver escolas, famílias ou instituições de saúde. Neste momento, a equipa encontra-se a analisar diferentes caminhos possíveis. Uma das possibilidades em estudo é integrar o Prato em T em iniciativas educativas já existentes na NOVA Medical School — como a Summer Medical School: lifestyle — e desenvolver, de forma faseada, um protocolo que permita, no futuro, avaliar o impacto desta ferramenta de educação alimentar. Mas sim, será fundamental monitorizar o conhecimento e uso deste elemento e dos comportamentos alimentares que, esperamos nós, sejam depois de rotina, na presença ou não deste prato.
O projeto pretende atingir algum grupo específico ou a população em geral?
O projeto pretende alcançar a população em geral, mas oferece respostas adaptadas a diferentes públicos. Há uma versão pensada para adultos — famílias, profissionais de saúde e instituições — e uma versão especialmente criada para crianças, ajustada ao contexto escolar e ao processo de aprendizagem. A visão é inclusiva: promover saúde em todas as idades, desde a infância, onde se moldam hábitos para a vida, até à idade adulta, onde as escolhas se consolidam. Como a mensagem é em imagem, atinge todos com mais ou menos literacia.
Embora o Prato em T esteja disponível para aquisição por qualquer pessoa, a ambição da equipa vai além da utilização doméstica. O objetivo é que entidades públicas e privadas reconheçam o valor desta ferramenta e a integrem no quotidiano de adultos e crianças: em refeitórios escolares, cantinas de empresas, lares, instituições de saúde e outros contextos alimentares. A sua presença nestes espaços permitiria reforçar continuamente mensagens de literacia alimentar através de um objeto simples, visual e acessível.
Numa altura em que Portugal enfrenta números preocupantes de obesidade infantil, é essencial encontrar estratégias eficazes e sustentáveis de educação alimentar. O Prato em T pode vir a ser uma dessas estratégias. Embora ainda seja apenas uma aspiração, seria desejável que, no futuro, pudesse inspirar políticas públicas que promovam a utilização de ferramentas educativas deste tipo nos refeitórios escolares, contribuindo para melhorar hábitos alimentares desde cedo e para proteger a saúde das gerações futuras.
Por que se optou pela estrutura “metade hortícolas, um quarto cereais e um quarto proteína”?
A estrutura “metade hortícolas, um quarto cereais e um quarto proteína” foi escolhida porque representa, de forma simples e intuitiva, o modelo alimentar mais estudado e mais associado à longevidade, ao equilíbrio nutricional e à prevenção de doenças crónicas: a Dieta Mediterrânica. Esta proporção traduz décadas de evidência científica e reflete aquilo que a literatura recomenda para uma refeição equilibrada em termos de densidade nutricional, controlo energético e qualidade dos alimentos.
A predominância de hortícolas — ocupando metade do prato — reforça a necessidade de aumentar o consumo destes alimentos na alimentação dos portugueses, que continua abaixo do recomendado. Os hortícolas fornecem fibra, vitaminas, minerais e compostos antioxidantes com um papel determinante na regulação da glicemia, na proteção cardiovascular, no equilíbrio da microbiota e na prevenção de várias patologias inflamatórias e metabólicas.
O quarto dedicado aos cereais, tubérculos e leguminosas aporta hidratos de carbono complexos, energia de libertação lenta e fibras essenciais para a saciedade e para a função intestinal. Os cereais integrais e as leguminosas são particularmente valorizados pela evidência científica pela sua capacidade de reduzir o risco de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e obesidade.
O quarto reservado às fontes de proteína — carne, pescado e ovos — enfatiza um consumo equilibrado, privilegiando alimentos com elevado valor biológico, mas em quantidades adequadas. Esta proporção ajuda a evitar excessos comuns na alimentação ocidental, sem comprometer necessidades de construção e reparação tecidular, saúde imunitária ou manutenção da massa muscular.
Assim, o Prato em T não tem ‘apenas’ um componente estético, mas é a tradução visual de princípios nutricionais sólidos, validados por evidência científica e adaptados à realidade do dia a dia. A sua força está na simplicidade com que ajuda qualquer pessoa — independentemente da literacia em saúde — a compor refeições equilibradas de forma prática, imediata e consistente. O prato em T já existe noutros países.
Como é que o design do prato ajuda a simplificar recomendações nutricionais complexas?
O design faz aquilo que as palavras muitas vezes não conseguem: sintetiza. O “T”, divide o prato em áreas intuitivas, eliminando cálculos, porções difíceis de interpretar ou listas extensas. Cada secção evoca visualmente um grupo alimentar e a sua proporção ideal, permitindo que, ao servir a refeição, a própria composição do prato funcione como guia imediato. O design transforma conhecimento científico em ação prática. Claramente que, se irei ocupar metade do prato com os hortícolas, que devem estar cozinhados e não optar propriamente pela salada, terei menos espaço disponível no prato para outros elementos, pelo que vou condicionar o aumento do consumo de alimentos menos frequentes no dia-a-dia dos portugueses. Ficarão todos mais saciados, terão uma densidade nutricional maior e certamente um menor impacto na glicemia.
Existem planos de adaptação ou expansão do conceito para outras faixas etárias ou contextos (escolas, hospitais)?
Sim. O projeto já contempla uma versão especificamente criada para crianças e outra para adultos, mas a visão é claramente mais abrangente. A equipa acredita que o Prato em T tem potencial para ser utilizado em múltiplos contextos — escolas, cantinas, hospitais, centros comunitários, lares e outros espaços educativos — onde a alimentação desempenha um papel essencial na saúde individual e coletiva.
As duas peças agora lançadas — a versão para adultos e a versão infantil — esperamos que seja apenas o início. São recursos que esperamos que ajudem a modificar hábitos alimentares à mesa, influenciando escolhas quotidianas e promovendo autonomia alimentar. A médio prazo, está em cima da mesa a possibilidade de desenvolver uma coleção mais robusta da marca NUTRIR, integrando outras peças igualmente úteis na educação alimentar e que reforcem esta missão de transformar conhecimento em prática, e prática em saúde. O futuro dirá.
Que papel tem o Prato em T como ferramenta educativa para crianças e adultos?
O Prato em T assume um papel educativo relevante tanto para crianças como para adultos, apoiado em princípios validados pela ciência.
Para as crianças, funciona como uma ferramenta visual, concreta e lúdica — características que são essenciais para promover aprendizagem significativa e com impacto ao longo do tempo. Estudos mostram que crianças respondem melhor a estímulos visuais do que a explicações abstratas, e que materiais tangíveis aumentam a probabilidade de internalização de comportamentos saudáveis. Ao apresentar proporções claras e simples, o Prato em T ajuda-as a reconhecer grupos de alimentos, a identificar quantidades adequadas e a desenvolver autonomia nas decisões alimentares desde cedo, um período crítico para a formação de hábitos que tendem a persistir ao longo da vida.
Para os adultos, o prato funciona como uma estratégia de nudging — uma abordagem comportamental amplamente estudada que utiliza pistas visuais para facilitar escolhas mais saudáveis, sem imposição ou complexidade.
O Prato em T traduz recomendações nutricionais baseadas na Dieta Mediterrânica em ações práticas, ajudando a corrigir hábitos, reforçar conhecimentos e reduzir a distância entre saber o que é saudável e realmente praticá-lo.
Em ambos os casos, o valor pedagógico do Prato em T reside no seu carácter não moralista e não prescritivo. Ferramentas que integram a saúde no quotidiano, de forma amigável e intuitiva, promovem maior adesão, autonomia e responsabilidade individual. O Prato em T educa pela prática diária, pelo exemplo e pela experiência repetida — mecanismos reconhecidos como fundamentais para consolidar mudanças sustentáveis no comportamento alimentar.
De que forma as entidades envolvidas veem a continuidade do projeto a longo prazo?
As três entidades envolvidas encaram o Prato em T não como um projeto isolado, mas como o ponto de partida para uma estratégia que poderá vir a ser mais ampla de promoção da literacia em saúde. A visão a longo prazo é que esta ferramenta se torne uma referência nacional na área da educação alimentar, contribuindo para transformar comportamentos e apoiar políticas que valorizem escolhas conscientes.
A colaboração entre a NOVA Medical School, a Fundação Casa Hermes e a Costa Nova cria uma base sólida para esta continuidade: alia conhecimento científico, missão social e excelência no design. A ambição conjunta é que o Prato em T cresça com o tempo, inspirando novos recursos, novos parceiros e novas oportunidades para melhorar a saúde das comunidades.
Há planos de parcerias futuras para expandir ou promover a literacia alimentar em Portugal?
Sim. O projeto Prato em T abre portas a futuras colaborações com múltiplos parceiros: escolas, autarquias, profissionais de saúde, programas governamentais e instituições culturais. A sua natureza multidisciplinar facilita alianças que cruzam educação, ciência, design e comunidade, permitindo multiplicar o impacto da literacia alimentar em diferentes contextos.
Tanto a NOVA Medical School como a Fundação Casa Hermes têm na sua missão a criação de valor para a sociedade e a promoção de impacto social. A Costa Nova, com o seu forte compromisso de responsabilidade social corporativa, acrescenta experiência na materialização de conceitos em objetos que unem estética e função. A convergência destes três eixos garante que o Prato em T não é apenas uma ferramenta educativa isolada, mas um ponto de partida para futuras colaborações, projetos e iniciativas que promovam saúde, prevenção de doenças e melhoria do bem-estar coletivo em Portugal.
A longo prazo, a ambição é que o Prato em T funcione como um catalisador de inovação social e educativa, inspirando novos projetos de promoção da saúde e consolidando parcerias estratégicas capazes de gerar impacto na sociedade.
Que aprendizagens este projeto trouxe que podem inspirar futuras iniciativas de colaboração multidisciplinar?
A lição mais significativa é que a união de diferentes entidades, setores e competências – academia, empresarial e social, pode gerar resultados extraordinários, capazes de criar valor social concreto, inspirar mudanças comportamentais e consolidar práticas de literacia em saúde que perdurem na comunidade.
Foto Conceição Calhau: Contraponto














