João Neto: «A única maneira de desenvolver algo que funcione é experimentando»
Empreendedor em Inteligência Artificial. Foi desta forma que João Neto, CEO da Digital Logic, um fundo de investimento especializado no sector tecnológico, se apresentou no palco da 20.ª Conferência Marketeer, onde revelou alguns casos práticos de como a Inteligência Artificial (IA) está a revolucionar sectores como o retalho ou a saúde em Portugal.
De acordo com o empreendedor, formado em Engenharia, o desenvolvimento tecnológico a que temos assistido nos últimos tempos, em particular na área da IA, deve-se sobretudo ao facto de plataformas como a OpenAI estarem abertas e disponíveis para os programadores de todo o mundo. «Todo o know-how necessário para desenvolver a IA e redes neuronais está totalmente disponível. É a cultura de open source mais forte que alguma vez vi. Claro que há produtos fechados, mas todas as técnicas necessárias para desenvolver software estão disponíveis. O avanço recente do OpenAI representa uma evolução astronómica», salientou o keynote speaker da conferência, que decorreu no Sagres Campo Pequeno, em Lisboa. Nesse sentido, acrescentou, quem conseguir potenciar e testar estas ferramentas o mais rápido possível terá vantagens competitivas no mercado: «É importante entender os conceitos teóricos e as bases para trabalhar este sistema, mas é um sistema extremamente experimental. A única maneira de desenvolver algo que funcione é experimentando.»
E é essa mesma cultura de experimentação que, garante, tem estado na base da actividade da Digital Logic, que desde a sua fundação, em 2014, tem contribuído para o crescimento de empresas de software como a Cloudware ou o KuantoKusta. Agora, com o advento da IA e do machine learning, o fundo portuense tem-se posicionado cada vez mais neste mercado, contribuindo para o desenvolvimento de empresas que exploram estas novas tecnologias e que «não existiriam sem a IA». São os casos da Priceware e da Cardiolife.
A Priceware é uma plataforma de price intelligence, ou um comparador de preços, que permite aos retalhistas online terem uma ferramenta de análise que monitoriza preços (quase) em tempo real (neste caso, de hora a hora). A plataforma é baseada numa rede neuronal, semelhante à que está na base do ChatGPT, que foi afinada para «aprender como funciona a dinâmica de escrever nomes de produtos em Portugal», uma vez que a recolha de preços obriga a “ler” o que os retalhistas escrevem na descrição de cada produto. Com base neste modelo linguístico, que vai aprendendo à medida que mais informação é analisada, a plataforma consegue fazer o match entre os produtos disponíveis no mercado e os respectivos preços.
No total, a plataforma desenvolvida pela Priceware está a processar cerca de mil milhões de preços por dia. «Com a particularidade que não se cansa e é um milhão de vezes mais rápida do que o ser humano», frisa o responsável. Além da comparação, esta ferramenta permite também fazer previsão de preços (por exemplo, perceber como é que um concorrente se vai comportar no futuro próximo) e a expectativa é que novas aplicações venham a surgir com o tempo e a experiência. «Todos este domínio está em evolução permanente. Estamos longe de saber o que vai ser possível fazer com as redes neuronais», sublinhou João Neto.
Quanto à Cardiolife, é também uma plataforma baseada em redes neuronais, mas neste caso com o intuito de ler os resultados de electrocardiogramas (ECG) e obter diagnósticos médicos. A tecnologia desenvolvida pela empresa permite fazer uma interpretação automática dos electrocardiogramas, com um grau de precisão «superior a 99%», o que liberta os médicos e electrofisiologistas para outras tarefas.
«A cardiologia é um domínio extremamente complexo. O principal problema é o facto de haver cada vez mais exames de longa duração, o que significa que aquilo que já era uma sobrecarga, pela falta de médicos, passa a ser um problema ainda maior. Há exames de longa duração que são impossíveis para um médico monitorizar», frisou o CEO da Digital Logic. A tecnologia da Cardiolife pretende contribuir para resolver este problema, sendo que a decisão final sobre o diagnóstico é sempre do médico.
Neste momento, a tecnologia portuguesa está a ser testada junto de um painel de electrofisiologistas, mas o objectivo passa por certificar a tecnologia em toda a Europa e nos EUA. «Como antecipávamos, os médicos têm estado extremamente interessados neste projecto, porque não só lhes melhora a prática, como lhes permite interagir mais com os clientes», salienta João Neto. No futuro, a plataforma deverá evoluir no sentido da prevenção de doenças a partir da leitura dos ECG’s (por exemplo, saber o padrão de um determinado sinal para evitar que certas patologias venham a afectar o paciente no futuro).
Em jeito de conclusão, João Neto deixou no palco da 20.ª Conferência Marketeer um conselho para todas as empresas de software: apesar de a IA «requerer um esforço de preparação», ela é necessária e tem de ser encarada de uma forma holística para o negócio. «Para uma empresa de software, este é o futuro. Quem não o fizer, vai ficar pelo caminho», rematou.
Texto de Daniel Almeida