(I)literacia alimentar

Por Rita Leite, Business Development Director no Havas Group

Embora não haja consenso relativamente à definição deste conceito, a associação portuguesa de nutrição fala na capacidade de transformar o domínio da informação nutricional e alimentar em escolhas práticas do dia-a-dia quer na selecção, como na confecção dos alimentos.

É possível ilustrar a falta de literacia alimentar com exemplos muito comuns do nosso dia-a-dia, basta vermos o carrinho de supermercado da pessoa atrás de nós na fila de pagamento, ou as opções de almoço da cantina da escola das crianças, ou até mesmo da empresa onde trabalhamos.

Houve uma evolução positiva nos últimos anos? Sim. É suficiente face ao risco de saúde que estamos a enfrentar? Nem de perto.

Olhemos a (falta de) literacia alimentar à luz de três players: os consumidores, as marcas e as instituições.

Os consumidores são bombardeados diariamente com informação sobre a indústria alimentar. Desde a campanha de marketing dos iogurtes da marca XPTO que afirmam ser os melhores nutritivamente para as crianças, ao post da nutricionista/influenciadora que recomenda beber uma colher de sopa de vinagre à refeição para reduzir o impacto da mesma nos níveis de glicemia, o consumidor torna-se praticamente “licenciado” em nutrição sem qualquer proactividade.

Mediante esta overdose de informação, seria expectável que os números de obesidade em Portugal estivessem a reduzir. De acordo com a Federação Mundial da Obesidade, 28,7% dos adultos portugueses são obesos e estima-se que este valor passe a 39% em 2035. Não estamos a falar de excesso de peso. Estamos a falar de obesidade.

Esta evolução conduz-nos ao segundo player: as marcas.

Mais do que uma oportunidade, na minha opinião, existe uma obrigação das marcas apoiarem mais, e melhor, o consumidor nesta jornada de literacia.

É passível de compreender que a alteração das fórmulas base dos produtos para as versões “menos” (menos açucares, menos sal, menos gorduras) possa ter algum impacto a curto/médio prazo no sucesso dos mesmos. Versões menos palatáveis serão menos viciantes e menos desejadas pelos consumidores, o que poderá ser um risco para as vendas das marcas.

Por outro lado, o paladar é educável e há uma urgência de educar o paladar português para uma versão mais natural e mais aproximada da antiga dieta mediterrânea. Será que ao assistirmos ao aumento dos números da obesidade e, consequentemente, das várias doenças associadas, não vamos ter cada vez mais um consumidor que está disposto a abdicar de algum “sabor” em troca de mais saúde?

É uma análise a longo prazo que deverá estar em discussão em muitas grandes marcas internacionais. Se existe uma expectativa do consumidor em que as marcas tenham um papel activo na resolução de problemas globais, a obesidade não pode ficar de fora.

Não caberá às marcas acabar com linhas de produto para forçar o consumidor a fazer escolhas mais conscientes, mas poderá haver espaço para que as marcas invistam uma fatia maior dos seus orçamentos de marketing a comunicar as versões mais saudáveis, ou até mesmo a assegurarem as melhores posições do ponto de venda para os mesmos.

Existirá sempre espaço para todas as marcas, assim como existe espaço numa dieta saudável para excepções e pequenos pecados, mas se o marketing consciente está de volta às estratégias de comunicação, as marcas deverão perceber onde podem ter um impacto positivo na literacia alimentar dos seus consumidores.

Por último, mas não menos importante: as instituições.

As regras à publicidade para crianças e os limites impostos quer nos produtos comunicados, quer nos meios onde são promovidos, já foram um passo importante neste caminho. Contudo, reconhecendo a dificuldade em criar regras que não sejam demasiado limitativas, mas que tenham de facto algum impacto, acredito existir espaço para uma abordagem mais positiva.

Desenvolver incentivos financeiros para empresas que estejam comprometidas com esta missão, reduzindo o teor de açúcar dos seus produtos, taxar os produtos mais saudáveis a uma taxa inferior, criar fóruns lectivos com as grandes marcas nacionais por forma a produzir manuais com boas práticas e escolhas saudáveis, são apenas alguns exemplos.

Num cenário ideal, as instituições e as marcas fariam este caminho de mãos dadas. As pequenas instituições como as escolas ou as câmaras/juntas de freguesia, representam um canal de comunicação muito poderoso para as marcas. Este poderá ser um espaço onde, em conjunto, a literacia alimentar pode ser trabalhada de uma forma próxima do consumidor, mais adaptada à realidade do seu dia-a-dia.

Os snacks dados às crianças nos intervalos das aulas serão a versão mais nutritiva existente? A vending machine da universidade terá opções saudáveis para as noitadas de estudo? Estes são apenas alguns exemplos de oportunidades para um olhar conjunto.

Múltiplos pequenos passos, resultarão numa jornada de alimentação mais consciente.

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