“Freelancer do Dia CCP by Marketeer”: Tiago Bastos Nunes

É difícil sobressair por entre dezenas de curriculos. A partir de certa altura, os nomes confundem-se e aquele que poderia ser o par perfeito para um projecto na calha acaba por fugir. Partindo do directório lançado pelo Clube Criativos Portugal (CCP), a Marketeer propõe conhecer melhor alguns dos talentos freelancers nas áreas da criatividade e comunicação.

Tiago Bastos Nunes (escrita e realização) é o mais recente protagonista da rubrica “Freelancer do Dia CCP by Marketeer”, que apresentará, duas vezes por semana, exemplos de quem decidiu aventurar-se por conta própria.

Qual foi a melhor coisa que já fizeste?

Provavelmente a melhor coisa que já fiz foi o meu pior trabalho: uma curta-metragem de admissão para a escola de cinema, de uma qualidade que não lembra a ninguém. É de se entender que, surpreendentemente, nunca tinha pegado numa câmara, nunca tinha dirigido um set. De certa forma, achei brilhante fazer um filme em inglês sobre um futuro, lá para 2050, em que um homem de classe baixa desconfiava que o seu irmão havia sido substituído por um andróide para espiarem a sua família. Não tinha dinheiro, não tinha actores, não tinha nem uma produção em si. Cenografia, guarda-roupa, maquilhagem, foi tudo comprado ou emprestado no dia pela minha melhor amiga que andava desencontrada pelas lojas conforme eu lhe pedia favores entre chamadas. Foram dois dias de filmagem a ensinar sotaques muito específicos aos actores e a repetir takes como nunca fiz. Usei duas câmaras emprestadas com configurações e limitações diferentes, porque uma ficou sem bateria no final do dia, e montei como nunca pela madrugada: num programa gratuito que encontrei no Google onde me lembro dar um LUT de Game of Thrones porque achei “cinemático”.

Foi uma promissora experiência familiar que me ajudou mais do que eu pensava, porque senti naquele momento alguma coisa de muito forte, franca e genuína. Este tipo de sentimento retornou mais tarde, numa nova força não tão positiva, com outra curta onde consegui nomeação para os Prémios Sophia Estudante de 2019 e até outra com que ganhei o 40.º Fantasporto para a minha escola, ETIC. Para dizer que, no fim do dia, nem tudo tem a cor ou o cheiro das rosas quando se fazem filmes.

Qual é o projecto que queres fazer a seguir?

O mundo parou e nós parámos com ele. Sobre os ombros tenho pesando dois projectos muito diferentes, um deles com a Cucha Carvalheiro, actriz que admiro com tudo o que tenho, e o outro com o Barreiro, cidade de que sou natural. Um é uma pintura surrealista, o outro é um todo ele um exigente e custoso retrato político. Fora desafios que me propõem e que apanho para me manter activo, e até ideias passadas que ressurgem sob novas luzes, à semelhança de um documentário sobre um evento muito recente e mediático no futebol, de que não preciso de falar aqui, mas o qual infelizmente não pude concluir como queria no seu tempo de execução. Diversas frentes, diria o meu coordenador [Pedro Senna Nunes], que às vezes me impedem de viver fora do cinema – felizmente.

Finalizando as obras do dia, teria prazer de trabalhar em torno de um filme muitíssimo pessoal, mas tanto quanto muitíssimo exigente, ao qual não tão carinhosamente chamo de “A Fome”, como um estudo da minha infância. Também faria publicidade, dentro de um registo muito lynchiano, se me dessem a oportunidade. Mas fora do que já abracei, só trago à tona uma certeza para o futuro: não será um projecto a preto e branco, como me encho e preencho, sempre neste registo e talvez marasmo. Certo é que quando entramos na escola de cinema somos confrontados com diversos obstáculos que conseguimos solucionar de formas até elas práticas.

No meu caso, o significado do preto e branco não passa apenas como um recurso estilístico, mas todo um formato que me permite abrir as asas narrativas, e também ele integra e transmite a história. Isto, mas não só isto, permite-me fazer um filme que me custaria muito dinheiro por apenas 40 euros. Claro que não é apenas isto que me leva a esta escolha, mas porque sou insensível à cor, porque me habituei culturalmente ao preto e branco e porque me agrada às vezes explorar um mundo sem nuances, quando a história pede um abismo. O que me perturba, entre várias coisas que me perturbam, é o facto de que se destina o uso monocromático a museus e exibições experimentais que suportam outro tipo de arte mais intelectual, de que devo discordar. Em 52, fazia furor nas salas “Singin’ in the Rain” de Kelly e Donen, ele em cor, mas, em 1960, Alfred Hitchcock introduz-nos a uma das mais memoráveis experiências do cinema americano com “Psycho”, no seu misterioso preto e branco. Os dois filmes diferem em muito, mas a opção visual carregada para o produto final da obra-prima do Mestre do Suspense foi feita em conta do orçamento e das limitações de censura do seu tempo.

Hoje, imprimidas na nossa cultura, ninguém pergunta se resultaria fazer encher aquelas imagens de cor. Em 63, numa inversão, Hitchcock leva-nos com cor a “The Birds”, cor esta que Federico Fellini rejeita em “8 1⁄2”, a sua querida magnum opus. No fundo, esta rixa não está ímpar à muito discutida rivalidade da película com o digital que, no fundo, não tem outra cor que o verde do dinheiro.

Porque é que te devem contratar?

Podia listar as qualidades mais genéricas que nos propõem mostrar, mas eu edifico-me com base no que eu quero ver em quem trabalha comigo. Como prefiro a honestidade, mostro a bela e o senão de me empregarem.

Gosto de lutar por objectivos, pelo que procuro apoiar quem me rodeia a mostrar as suas melhores qualidades em vista a alcançar o patamar de metas que estipulo, e me estipulam. Pessoas que se recusam a aprender, se mostram anti-profissionais, preguiçosas e incapazes são-me facilmente indesejadas. Prefiro trabalhar sob pressão e deadlines, para que o meu foco esteja firme num lugar e não disperse entre outras frentes, mas isso não implica estar reduzido a um objectivo.

Não gosto de terminar o dia com trabalho meio acabado para concluir no dia seguinte: prefiro madrugar e, por isto, sou noctívago quando posso. Sinto a compulsiva necessidade de organizar as coisas em diversos compartimentos, gavetas, em forma de comunicar da melhor forma o que pretendo, e o que me pedem. Valorizo a comunicação e sobretudo a escuta de todos os participantes de um projecto, para que os seus inputs não passem em vão. Não gosto de rodeios e entretém-me resolver os mais intensos desafios com soluções criativas, aos quais dificilmente cedo. Sou realista, mas vivo num bairro dos sonhos.

Como vês a situação actual?

Difícil. Verdade seja dita, a pandemia veio para estabelecer um, temporário ou não, desafio à forma de pensar, transmitir e estimular terceiros.

Na rodagem de um projecto recente, pude experienciar a reconfiguração de uma produção de meses para que a equipa evitasse transportes públicos, deslocações excessivas e contacto físico. O que salvou este projecto teve muito a ver com o facto de rodar num décor interior com um elenco reduzido a uma brilhante actriz. Pela dificuldade, é de se lutar pelo apoio contínuo às artes, para que não morram na praia.

É de se dizer que a quarentena veio para reforçar o melhor, e o pior, de nós mesmos. É uma masterclass de competência criativa para combater o tédio e ao mesmo tempo um mecanismo para fabricar estupidez. É simultaneamente um momento de paz, mas também de tensão. São tempos de evocarmos de nós novos métodos e fórmulas para seguirmos em frente. Se concordo ou não com esta iludida liberdade, isso são outros quinhentos.

Desde quando és freelancer e porquê esta decisão?

Eu comecei como freelancer ainda durante os estudos. As pessoas viam os meus trabalhos, quer nas exibições públicas, quer nas plataformas digitais, e começaram a abordar-me para servir os seus projectos como director de fotografia, guionista ou até modelo de curtas-metragens, videoclipes, projectos fotográficos e vídeo-arte. Estes trabalhos tornaram-se frequentes quando concluí o meu primeiro ano de curso e comecei a fornecer materiais promocionais para estes projectos. Recentemente, sou mais solicitado para a produção destes instrumentos de promoção, de onde chega o meu principal rendimento, à parte dos meus planos na qualidade de realizador.

Porquê ser freelancer? Não é que eu tenha recebido ainda uma exacta proposta de trabalho mas este formato permite-me viajar pelas diferentes áreas de que tenho interesse. Sou noctívag e, por isto, os horários flexíveis possibilitam noitadas e um fluxo criativo que só tenho de madrugada. Ser freelancer, no fundo, é distorcer as próprias regras, é jogar pelas próprias, e isso agrada. No fundo, o que estimula o freelancing está na individualidade do criativo como entidade, não como parte dela. A necessidade de estabelecer uma marca pessoal deve ser mais forte do que desaparecer imediatamente por detrás da money peep.

Quais são as vantagens de desvantagens de ser freelancer?

Ser freelancer é motivador na medida em que determinamos o nosso próprio fluxo de trabalho, dentro de prazos acordados com o cliente. A margem criativa é superior, não é imposta dentro de formatos e padrões, sobretudo pela abordagem mais directa entre o consumidor e o artista. Existe uma proximidade e um acompanhamento muito sinceros em relação às grandes empresas, que resulta num produto final mais pessoal, orgânico.

Ao mesmo tempo, o acesso a materiais, softwares e apoios para a realização de projectos configuram uma compensação do compromisso a longo prazo com uma empresa. Estes maiores orçamentos e equipas facultam meios para atingir objectivos condizentes à sua grandeza. São, de certa forma, benesses que estão em falta no freelancing. Também é bom saber que não vamos ser despojados no final do mês do nosso apartamento inflaccionado pelas crises mundiais, porque temos um salário e podemos contar com ele.

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