Fomos ao Mattë comprovar que este japonês faz-nos felizes

Já me tinham falado dele, o tal restaurante japonês na zona de Santos, em Lisboa, de onde se sai sempre feliz. Alguns amigos tinham tido agenda e sorte de o ter experimentado e não só me garantiram “tens que ir”, como defenderem que é espaço a merecer estrela Michelin. Pronto, também tive sorte e agenda para ir ao Mattë. E também saí de lá feliz – ou muito feliz –, assim como confirmei que a ambição do chef Habner Gomes em ser estrelado é bem mais que merecida.

A zona de Santos é conhecida pelo movimento e, nos últimos tempos, pela abertura de um número cada vez maior de espaços de restauração, já referência na cidade. O Mattë está, por isso, bem enquadrado, sendo que assim que passa a porta de entrada como que entra num outro “nível”, de atenção e gosto, onde o barulho de fora não chega.

A sala tem como que várias salas, numa só, tendo em conta a arquitectura e concepção de espaços – nomeadamente de uma “gaiola” com mesa redonda para oito. Nós, chegámos pelas 20h e sentámo-nos ao balcão, por sugestão do chef e de Gustavo Neves, o investidor e mentor da ideia ousada de abrir um restaurante japonês fine dining em Lisboa.

Agradecemos desde logo, porque sempre gostei de comer ao balcão e de ir acompanhando os preparativos e azáfama na cozinha.

O chef começa por perguntar se há alergias ou intolerâncias. «Apenas não como carne», refiro. É pena, diz, porque também há um prato com Wagyu, enquanto sugere que nos entreguemos nas suas mãos para conhecer o menu omakase, uma proposta de degustação de 12 momentos numa viagem pelos sabores criados por Habner Gomes (125€ por pessoa sem bebidas), e que podem mudar literalmente todos os dias.

Perfeito. Vamos lá!

Para abertura de hostilidades, um carpaccio de lírio dos Açores com ponzu e óleo de sésamo picante. Um belo começo de um chef que não compara a sua cozinha a nenhuma outra, com um lírio muito suave, assim como o ponzu e o picante só a sobressair no final. Ah, sim, que a cozinha de Habner Gomes é de uma delicadeza e respeito profundos. Percebemos isso no primeiro prato; confirmamos o mesmo ao longo de toda a viagem que fizemos nas duas horas que se seguiram.

Chegaria, de seguida, a primeira surpresa da noite numa tempura ostra do Sado com maionese de limão. «Já tinham provado ostra em tempura?», pergunta o chef. Pois, a verdade é que eu – enorme amante da dita – nunca a tinha provado assim e, garanto, até comia mais. A ostra não só ganha consistência completamente diferente como se transforma num real prato de conforto.

Regressámos ao sashimi num sabor autêntico de um belo imperador – «dos peixes mais nobres que temos», sublinha o chef – com molho de ponzu. É só passar pelo molho e comer. Assim fizemos e assim continuamos numa viagem pela felicidade, até porque, como partilha Habner Gomes, ele que não quer de todo fazer japonês de fusão, o que gosta é de praticar «uma fusão que não agrida a culinária japonesa, usando o melhor que há fora de lá». Por isso não usa salmão – «que é um peixe muito contaminado» -, além de que as vieiras hokkaido são do Japão, o atum balfego chega de Espanha, e o lírio, claro, é dos Açores, procurando sempre respeitar as estações e mudar a carta de três em três meses.

Continuando, então, saiu um sashimi de atum ligeiramente – ali tudo é ligeiro, como disse, ou refinado e subtil – braseado com redução de daishi e ovo de codorniz. De aplauso, acredite, e a antecipar das maiores surpresas da noite: arroz de sushi temperado com vinagre vermelho, enguia braseada e chips de nori. Tinha dito que as ostras eram conforto? Esqueça. Este é de comer e pedir por mais ou querer levar para casa, com a acidez do vinagre a cortar a gordura da enguia. O chef diz para misturar tudo, que foi o que fizemos – que somos bem mandados -, apesar de eu ser daquela ala que prefere ver as enguias ao longe. Pois, preferia, ri-se o chef, depois de perceber a felicidade com que apreciámos o prato.

Por mim, já estaria bem. Só que havia mais. Muito mais, aliás.

Um fotomaki com toro braseado, ovas de salmão, atum, abacate e omeleta japonesa que é uma surpresa. E, depois, uma procissão de niguiris, numa cadência perfeita em tempo e sabor em que somos convidados a comer à mão – e obrigada chef por ter sugerido, que é mesmo assim que gosto!

Primeiro: de barriga de dourada com raspa de limão siciliano; segundo: imperador ligeiramente braseado; terceiro: barriga de lírio dos Açores ligeiramente braseada com quisami; quarto: enxaréu dos Acores com ovas de salmão selvagem e gengibre; quinto: de bonito com gengibre ralado, cebolinho e sésamo com ameixa japonesa; sexto: chu-toro; sétimo: de toro e caviar.

Que belo cortejo, com o primeiro a agarrar-nos desde logo e com o arroz num ponto de aplauso.

Quase a chegar ao fim, vem um bacalhau negro com molho de sésamo, que ainda agradecemos, claro. E antes do “grand finale”, uma gola de lírio que marina oito horas antes de passar no carvão japonês. Sabe o sabor do peixe grelhado no carvão em que as lascas se soltam e saltam? É isto, com um sabor ainda mais a mar que lhe virá da marinada.

Finalmente, o tal brioche de Wagyu com maionese japonesa – que passei, desculpem.

Ah, e ainda da criação do chef, a sobremesa em formato de petit gâteau de doce de leite com gelado de baunilha.

Pois, é uma cozinha autêntica, com toques de extravagância, mas que nos dá vontade de repetir ou não fosse o chef o Habner Gomes um apaixonado por gastronomia japonesa desde bem novo (apesar de nos confessar que a italiana está no topo).

Com experiência em alguns restaurantes de Portugal, Habner diz que a sua cozinha se constrói entre «uma matriz mais tradicional e rigorosa e outra, menos conservadora, mais pessoal e atrevida», onde surgem pratos com foie gras e caviar.

O espaço é sofisticado, mas, caso queira, sente-se à barra com apenas quatro lugares. Quanto à equipa, é jovem, mas com vasto currículo, sendo a sala dirigida por Angelo Dominguez, que trabalhou vários anos com Alain Ducasse, em Paris, e a garrafeira controlada por Fábio Carvalho, que passou também por alguns dos melhores restaurantes de Lisboa.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

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