Fomos ao Kabuki e agora vivemos um drama gigante
O grupo espanhol Kabuki abriu o seu primeiro projecto internacional, em Lisboa, e quisemos ser dos primeiros a experimentar o segredo que guardam as galerias do Four Seasons Hotel Ritz Lisbon. Com a sua discreta entrada, não é facilmente visível pelos mais distraídos, mas garantimos que não se arrependerá de celebrar a fusão da gastronomia japonesa e mediterrânea. A cozinha está a cargo do chef espanhol Andrés Pereda, que veio do Kabuki Komori em Valência, onde liderou a cozinha durante 10 anos. E para os que já conhecem a marca dos espaços em Espanha (onde já existe há duas décadas), deixamos já o spoiler de que, sim, também encontrarão o nigiri de ovo estrelado. Mas já lá vamos.
Recebidos com grande simpatia, mas sem excesso de formalismo, éramos os primeiros a chegar de um pequeno grupo que se juntaria para conhecer o espaço e fomos encaminhados para o bar Kikubari.
Não chegámos a experimentar, mas, enquanto esperávamos que nos indicassem a mesa do almoço, deu para ter noção de que neste bar são vários os cocktails disponíveis. O bar está a cargo do barman Guilherme Godinho e as bebidas podem ser acompanhados por alguns snacks como ostras, caviar, pickles caseiros e o prego Kabuki. Aqui pode-se degustar um almoço rápido com menus de 25 e de 30 euros. Poderá encontrar o espaço aberto desde o almoço até à noite e não faltam na lista de bebidas sakes e uma ampla carta de champanhes que conta com 150 referências, atestando a grande importância que o Kabuki dá às bebidas que disponibiliza aos seus clientes.
Antes de nos dirigirmos ao restaurante, espreitámos o Kabuki Experience, no piso superior, um espaço que funciona apenas ao almoço e que tem um menu fixo que roda todos os dias da semana (há um dia para as gyosas, outro para o atum…). Está pensado também para poder ser usado em eventos privados e tem capacidade para 30 pessoas.
Mas era na sala principal do Kabuki que decorreria a nossa refeição dos deuses. Aí são apresentados menus de degustação e opções à carta, impressionando a sala, logo à chegada, com os seus 72 lugares bem espaçados. Salta à vista o mural feito pela designer Carlota Pereiro com os cinco elementos: ar, fogo, terra, água e éter. Na sua frente, a barra de sushi permite uma maior proximidade com a confecção do menu, numa viagem gastronómica pela sua cozinha. Mas não foi aí que ficámos. Ocupámos uma mesa bem no centro da sala que nos permitia ter uma visão geral do que se passava para lá da barra de sushi e, ao mesmo tempo, desfrutar tranquilamente da companhia de quem connosco almoçou.
Começámos com uma selecção de aperitivos servidos numa Bento Box. Aí encontrámos um croquete de atum com maionese caseira, beringela frita (que garantimos que se soubéssemos fazê-la assim fazia parte da ementa regular lá de casa), mexilhão, uma gyosa de porco (muito gulosa. Posso repetir?) e uma tempura de ostra (deliciosa fazendo lembrar o sabor da mesma ao natural).
Seguir-se-ia a selecção de usuzukuris. O “Pa amb tomaquet” com o corte fino de barriga de atum com pão e tomate que com as suas influências mediterrâneas nos pareceu surpreendentemente familiar. O Ponzo com o corte fino de peixe branco com molho ponzu que conferia um sabor muito genuíno ao lírio. Já o Bilbaína, com o corte fino de peixe branco com azeite, alho e sichimi, permite ter contacto com a verdade do peixe ao qual o alho confere uma graça especial. Em qualquer dos três, era claramente o Mediterrâneo a dar à costa.
Era chegado o momento de deixar brilhar os nigiris que, como nos explicaram, são diferentes de muitos dos que se encontram em outros espaços por terem bolas de arroz entre 8 e 11 gramas, sendo o arroz proveniente do Japão. Resultado: quando se coloca o nigiri na boca, este desfaz-se. Aqui o chefe de sala deixa duas dicas: ao colocar o nigiri na boca fazê-lo com o peixe virado para a língua (sim, de “cabeça para baixo”!) e usar os dedos para levar estas peças à boca. Obedientemente, fizemo-lo. Começámos com nigiri de bolota com lírio que, de tão divinal, até parecia derreter-se. Seguir-se ia o nigiri de atum com mostarda Dijon e aqui, talvez pela intensidade da mostarda, acabámos por perder o rasto ao peixe. O de vieira fumada com foie gras seria o senhor que se seguiria, conseguindo a vieira (felizmente) sobrepor-se ao foie (que não apreciamos particularmente) e surpreendendo os comensais. O receio apresentar-se-ia sob a forma de nigiri de enguia, mas avançámos corajosamente e, apesar de estranho e grande, revelou-se bastante gostoso. Deixando os peixes, chegariam duas belas surpresas: o nigiri de bife tártaro com arroz em tempura de manteiga clarificada, que com a sua base em tempura conquistou um lugar nos mais surpreendentes da refeição, e a coqueluche da marca Kabuki, o nigiri de ovo de codorniz com trufa – criado há 20 anos em Espanha. Maravilhoso e só a cerimónia nos fez travar a língua antes de sair um “podemos repetir, por favor?”.
A refeição não terminaria, no entanto, sem a sobremesa, um mochi de chocolate, feito com farinha de arroz, avelãs e chocolate. Interessante numa consistência como marshmallow, mas muito mais interessante na boca e muito saboroso, casando bem com a fruta que o acompanhava.
Todo o menu de degustação é acompanhado de perto por Filipe Wang, o head sommelier do Kabuki Lisboa (com experiência no mundo do fine-dining nomeadamente no Alma), garantindo que as propostas vínicas exaltavam as criações gastronómicas. Com 350 referências, entre champanhe, vinhos da Borgonha, riesling, sake e jerez, procura que as harmonizações respeitam e destaquem a qualidade do produto. Há ainda uma extensa selecção de chás premium sempre prontos a servir ao cliente (24 referências entre tisanas e chás).
Depois de tudo isto, a questão que se nos coloca e o drama existencial das nossas vidas é: como é que, agora, vamos encarar qualquer outro restaurante de gastronomia japonesa?
Texto de Maria João Lima