Opinião de Fellipe Leal. CloudCockpit Marketing Manager na Create IT
Nos últimos meses, muito se tem falado sobre a queda de tráfego orgânico. Há quem cite dados do HubSpot, que apontam quebras significativas; outros preferem destacar a explosão de utilizadores do ChatGPT, Claude, Gemini e outras ferramentas de inteligência artificial. Multiplicam-se também as análises que decretam o fim do SEO tal como o conhecemos.
Confesso que não partilho desta visão alarmista. Não quero pensar que estamos a “perder” visitantes porque ferramentas como o Google entregam respostas imediatas no preview. Parece-me simplista demais. Prefiro focar-me numa reflexão sobre o que realmente significa esta “perda” de tráfego. Será que estamos genuinamente a perder visitantes, ou será que o problema reside na forma como temos vindo a criar conteúdo?
Quero fugir da tendência em que nos colocam no papel de espectadores passivos de uma mudança inevitável. A questão é mais desconfortável: o problema pode estar menos nas ferramentas e mais em nós.
Vejo este momento como mais uma transformação na jornada de compra, não como o fim de alguma coisa, mas como o início de outra. É uma mutação.
Admito que também sou impactado por esta queda de tráfego e pelo aumento dos custos de mídia paga. No entanto, o diálogo interno que suscito é direto: se a minha audiência deixou de clicar no meu conteúdo porque encontrou tudo o que precisava numa resposta curta, talvez o problema não esteja na IA, mas na densidade do que estou a oferecer.
Vamos refletir sobre isto. Quando falamos em cliques zero, situações em que o utilizador obtém uma resposta completa sem visitar o website, quase sempre estamos perante consultas muito básicas:
“Qual é o melhor horário para postar no Instagram?”
“Como calcular o ROI?”
“O que é o CSP da Microsoft?”
Se analisarmos este cenário através do conceito de jornada “Messy Middle” do Google, percebemos que as pessoas transitam de forma não-linear entre dois polos: exploração (abrir o leque de opções) e avaliação (estreitar esse leque através de comparações e critérios de decisão).
O Messy Middle mostra-nos que a decisão de compra não acontece de forma linear, mas em idas e vindas, com o utilizador a consumir diferentes camadas de informação, desde as mais rápidas e superficiais até às mais profundas e comparativas.
O que acontece agora é que a IA está a apropriar-se dessa parte inicial do processo. O clique zero não elimina toda a jornada; captura apenas as respostas rápidas e genéricas que alimentam o início da exploração, aquelas que cabem em poucas frases.
Mas à medida que o utilizador avança no Messy Middle, especialmente em contextos B2B, o que define se prossegue connosco não é a resposta pronta da IA, mas a nossa capacidade de oferecer profundidade, clareza e autoridade.
Quando falamos da fase de exploração em B2B, alguém a tentar avaliar um software, entender os riscos de um investimento, comparar modelos de negócio, ou tomar decisões complexas, dificilmente essa pessoa se satisfará com uma resposta de duas linhas. Neste estágio, precisa de profundidade, contexto, narrativas e cenários reais.
É precisamente aqui que reside o ponto cego de muitas estratégias de conteúdo. Se a nossa estratégia pode ser resumida numa resposta curta num preview do Gemini, talvez não esteja a resolver as verdadeiras necessidades do utilizador.
Se a IA consegue “roubar” o nosso clique, isso pode significar que ficámos pelo superficial ou que dependíamos excessivamente desse tipo de tráfego. É hora de aprofundar. Quem fica pelo superficial não educa, não gera confiança e, muito menos, converte.
Por isso, eu prefiro ver esse movimento de outra forma:
Consultas rápidas (informação básica, perguntas simples) vão cada vez mais ficar dentro da camada de IA.
Exploração real (avaliação de fornecedores, análise de risco, ROI, cenários de decisão, estudos de caso) continuará a precisar de profundidade, autoridade e estrutura que só o conteúdo bem pensado consegue oferecer.
Se está a perder tráfego porque a IA respondeu numa linha ao que oferecia, talvez não seja altura de lamentar o clique zero. Talvez seja o momento de questionar se o seu conteúdo tinha realmente densidade suficiente para gerar valor além do óbvio.
No final, a competição não é contra o ChatGPT ou o Gemini. A competição é contra a nossa própria capacidade de criar algo que vá além do “preview” e que acompanhe o utilizador em várias etapas da jornada, especialmente dentro desse Messy Middle onde as decisões realmente acontecem.
A inteligência artificial pode ter mudado as regras do jogo, mas não mudou o fundamental: conteúdo superficial sempre foi dispensável. A diferença é que agora temos um espelho que nos mostra isso de forma mais evidente.














