Dormir onde? Num cafuão!

Pois, confesso que também não conhecia o nome. São pequenas casas em madeira que em tempos abrigaram cereais. No Senhora da Rosa, em São Miguel, Açores, dois foram transformados em quartos, que são muito mais que isso. Venha lá saber porquê.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

Quando me disseram que ia dormir num cafuão, nem percebi bem. Mas assim que cheguei à Senhora da Rosa e me abriram a porta do mesmo, achei, por instantes, que tinha aterrado noutra geografia sem dar por isso. Sabem quando nada se espera e o melhor acontece? Cafuão é o nome que pelos Açores se dá a pequenas casas em madeira onde se armazenavam ou secavam as espigas de milho. Pois Joana Damião pegou nos dois que havia na quinta de família, que se estende por três hectares e 200 anos de história, onde agora abriu o seu Senhora da Rosa, e transformou-os em quartos que nos acolhem e afinam os sentidos. Onde a madeira das paredes se encaixa na perfeição no verde das bananeiras que ladeiam a varanda e o terraço com banheira ao ar livre.

De resto, se há coisa que por ali se trabalha é mesmo isso, todos os sentidos, as experiências, as sensações, a memória em diferentes doses.

Joana tem uma vida ligada ao turismo. A Senhora da Rosa, que abriu em Abril passado, já foi estalagem dos pais, até ter fechado em 2011 e ter ficado na posse da banca. Ela, Joana, foi fazendo carreira em espaços como o Carlton Penha Longa ou o Pine Cliffs Resort. Até que a vida se encarregou de a voltar a levar ao local onde tudo começou e sempre foi feliz. Em 2017, avança com as negociações de compra – «estava tudo vandalizado», recorda –, em 2020 atira-se para uma candidatura de apoio a fundo perdido, pelo meio debate-se com a pandemia e o adiamento inevitável do sonho – «com muitas noites sem dormir» –, até abrir portas, a 16 de Abril, de uma obra que acompanhou dia-a-dia, todos os dias.

Na ideia sempre teve o cruzamento da tradição com a natureza, a vontade de trazer para dentro de portas as cores e imagens da quinta. Chamou o arquitecto Paulo Vieitas e, para a decoração de interiores, a própria mãe, Lili Damião, que cruzou móveis antigos com contemporâneos e recuperou peças de outros tempos, como uma série de latas que animam uma das paredes do lobby e que já foram da família. Tudo isto combinou com um saber receber de afectos, uma cozinha de sabores – o chef João Alves veio do Penha Longa – e um spa que é muito mais… que um simples spa.

O resultado sabe a mimo!

Um dia por ali

O meu dia começou cedo com uma aula de Pilates, em máquinas, que nos alonga e restitui energia e pose. É uma hora, numa das salas do Musgo – o spa, que é peça incontornável deste hotel, pelo ambiente, os tratamentos e, acima de tudo, a equipa – em que me volto a lembrar que há alguns músculos que tinha esquecido em mim (e, sim, eu treino quase todos os dias). No final, corpo e mente alinhados, que o pequeno-almoço já espera, a dois passos dali, na sala do restaurante Magma. Não sou de comer muito de manhã, mas se há coisa a que nas ilhas não se pode dizer que não é à fruta. Se tiver alguma dúvida, experimente e depois diga-me. Naquela manhã, a dose foi reforçada, que havia caminhada a seguir. Oito quilómetros pelo trilho das Pedras Brancas, no meio de uma imensidão gritante de verde, em descidas e uma enormidade de subidas. Ainda bem que o pequeno-almoço tinha sido redobrado, se bem que o cansaço foi aliviado com um piquenique na praia que soube pela vida.

Regresso ao hotel com calma, que fim de tarde é feito de terapia de flutuação com taças tibetanas no tanque aquecido da estufa de ananases – verdadeiro teste às emoções e sentidos –, seguido de uma massagem inesquecível por Joana Vale, que desde há uns meses regressou a Portugal e na Senhora da Rosa tem ajudado a constituir equipa e desenhar oferta.

Confesso que se depois me tivessem dito que podia ir dormir até ao dia seguinte, não me tinha feito de rogada. Mas teria perdido nova experiência.

Banho tomado, noite temperada e jantar marcado no Magma. Antes ainda, tempo para subir ao rooftop Mirante – com uma vista magnífica de verdes e azuis – e experimentar alguns cocktails de autor. Por aqui, há petiscos de partilha, vinho a copo e música com bom gosto, pelo que vale a pena ir até lá, mesmo que não se esteja hospedado.

Até ter chegado a hora de jantar. João Alves, como disse, é o chef que está a acompanhar Joana Damião nesta aventura e que decidiu manter algumas referências da carta que era sucesso nos tempos da estalagem, mas com os seus jeitos e a sua técnica. Ali, diz que se serve cozinha do Atlântico com raízes açorianas, sendo que os produtos são maioritariamente locais – aliás, muitos dos legumes chegam da horta do hotel. Eu só sei que comi e comi e comi… divinamente, entre as originais amuse-bouches até às lapas, que não estavam previstas, mas que nos chegaram à mesa em poucos minutos depois de uma partilha de vontade.

No total, Joana Damião investiu seis milhões de euros neste seu hotel Senhora da Rosa, sendo mais de três a fundo perdido. E, para isso, contou também com o irmão Miguel e com José Pedro Sousa, os restantes nomes de uma sociedade que já faz parte deste novo movimento em São Miguel, onde o bem-cuidar e receber se funde com a sustentabilidade e o bom gosto.

Este artigo foi publicado na edição de Novembro de 2021 (n.º 304) da Marketeer.

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