Do slide

Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel

A ideia original, para ser honesto, era chamar a esta crónica (ou peça, ou secção, ou o caraças – continuo sem saber), Do Powerpoint®. Mas a verdade é que tive medo que os senhores da Microsoft® lessem o título – aqui em baixo é mais seguro, ninguém lê até aqui – e ficassem aborrecidos e advogados e mais não sei quê.

Já agora, caso algum deles se distraia e tenha, porventura, lido o parágrafo anterior na sua totalidade, queria deixar claro que (o cronista esboça um sorriso e olha para a câmara) gosto bastante do Powerpoint® e uso sempre imenso quando preciso de… fazer… escrever… conceber?… o que quer que seja (?) que se faz no Powerpoint®. Estou a brincar, claro.

Odeio o Powerpoint®, ainda que não tenha nada contra ele e reconheça, de resto, que a minha vida seria muito mais infernal se ele não existisse – imaginem o que seria receber briefings cheios de imagens mal recortadas e printscreens retirados de um estudo duvidoso feito por uma consultora, igual(mente) feito nesse pesadelo que é o Word®.

… Viram o que eu fiz? Vá, também não foi terrível, escusam de revirar os olhos. Pronto, não brinco mais. Termino dizendo que gosto muito do Office® e o uso todos os dias e até tenho licenças pagas na agência e tudo.

Até porque, honra lhes seja feita, o meu aborrecimento de hoje nada tem que ver com o próprio Powerpoint® – e muito menos com o Word® ou com o Office® – mas antes com as apresentações em slides e, mais concretamente, com a preocupante (ainda que catártica – já lá chego) tendência para fazer anúncios de televisão a partir das ditas apresentações.

No outro dia, estava eu em casa a olhar para a televisão, algures entre o prime time e o meu jantar, quando vejo entrar no bloco publicitário uma apresentação em slides para uma qualquer cadeia de distribuição. Seis (slides) no total – a começar por um nome de concordância gramatical duvidosa, seguido de uma pá de porco, uma bicicleta para crianças, um sortido de produtos e, pièce de résistance, o logótipo da marca. Isto, um narrador e uma música, e estava feita a festa.

Honestamente, diria que só faltou aquele slide do “obrigado!” no fim (por acaso foi pena, teria tido muita graça). Era quase como se alguém tivesse resolvido filmar o ecrã enquanto passava os slides da esquerda para a direita.

“Isto não é normal”, disse para mim, enquanto praguejava com o mundo em geral e esta indústria em particular (a tal catarse de que falava), para mal da minha pressão arterial e delícia dos meus filhos, que adoram ouvir-me dizer palavrões. Mas hélas, era normal. Dois anúncios depois, outra apresentação, desta vez para um medicamento. Mais à frente, foi a vez de uma empresa de telecomunicações, seguida de uma de electrodomésticos, seguida de um banco, seguida de… sei lá eu. Slides atrás de slides, atrás de slides. Em prime time. E eu a praguejar, descarregando frustrações e outras pequenas psicoses mal resolvidas.

Na primeira agência (a sério) onde trabalhei (a sério), o presidente da mesma (que era, também, o seu director de estratégia) disse-me que os briefings só serviam na medida em que conseguissem produzir bom trabalho, e que de nada servia um briefing inteligentíssimo se depois, a partir dele, ninguém conseguisse criar nada, uma vez que não era possível colocar as páginas de um briefing, durante 30 segundos, na televisão.

Afinal era, João. Afinal, era.

Ora várias questões se levantam aqui – ainda que não tenha a certeza de que todas sejam igualmente relevantes. Isto acontece porque não há dinheiro? Porque não há tempo? Porque alguém fez contas e descobriu que afinal não vale a pena gastar tempo e dinheiro com ideias, uma vez que a pá de porco se vende sozinha? Ou porque alguém não fez contas e ainda não descobriu que, afinal, vale a pena gastar tempo e dinheiro com ideias, uma vez que a pá de porco não se vende sozinha?

Honestamente, não sei. Vai-se a ver e as ideias, os slides e as pás de porco sempre coexistiram no bloco publicitário, e eu é que tenho andando distraído.

Pelo sim, pelo não, vou aprender a usar o Powerpoint®.

Artigo publicado na edição n.º 338 de Setembro de 2024

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