Democratização da saúde

O declínio do Serviço Nacional de Saúde (SNS), as mais-valias dos seguros de saúde e redução dos preços destes têm levado ao aumento do número de clientes que escolhe estar assegurado, no que diz respeito a cuidados médicos. Mas o SNS não pode alocar todas as responsabilidades para as seguradoras, sob pena de, quem não tiver um seguro, não terá acesso à saúde.

Texto de Rafael Paiva Reis

Fotos de NC Produções

Há cada vez mais portugueses a olhar para um seguro de saúde como um investimento inteligente, uma forma de ter um acesso mais facilitado e célere a exames, consultas e cuidados médicos, não só para si como para os seus também. Porque a prevenção continua a ser o melhor remédio.

Segundo os dados da Associação Portuguesa de Seguradores, referentes ao passado mês de Março, cerca de 25% da população portuguesa tem um seguro de saúde. Em números, são perto de 2,4 milhões de euros, face aos menos de dois milhões que se registavam em 2014. Este aumento do número de seguros de saúde em Portugal foi o grande destaque do pequeno-almoço de debate da Marketeer, no Hotel Dom Pedro, e os responsáveis presentes asseguram que o declínio do Serviço Nacional de Saúde (SNS), juntamente com um acesso mais facilitado a estes produtos, são o dínamo desta evolução. À conversa estiveram Alexandra Catalão (Ageas), António Carlos Carvalho (Lusitania), Cristina Brandão (Tranquilidade), Ester Leotte (AdvanceCare), Isabel Figueiredo (Eurovida/Popular Seguros), Rodrigo Esteves (Liberty), Sandra Santos (Via Directa) e Susana Fava (CA Vida).

De acordo com os responsáveis, os cidadãos começam a ver as mais-valias dos seguros de saúde, especialmente devido ao que assistem no Sistema Nacional de Saúde. Desde meses à espera para obter uma consulta à ausência de especialidades, um seguro de saúde é visto cada vez mais como um bom investimento. «Começámos a democratizar o acesso à saúde, a fazer ver aos clientes de que as condições do Serviço Nacional de Saúde são deficitárias e que os seguros de saúde permitem aceder a cuidados de saúde de forma mais célere», vincam.

Uma das tendências do mercado reside na procura por seguros oncológicos. Apesar de ainda não haver um número considerável de portugueses a aderir a este tipo de produtos, o facto de o número de casos de cancro ser mais elevado na sociedade faz com que os consumidores comecem a estar mais atentos a esta temática. «Mas, de um modo geral, os portugueses ainda não estão preocupados com as doenças oncológicas, pois acreditam que, se tiverem essa infelicidade, o Estado estará lá para os ajudar nessa eventualidade», afirmam os responsáveis presentes.

Assistindo-se a uma massificação do acesso aos seguros de saúde, os responsáveis destacam o papel fundamental das seguradoras no sistema de saúde em Portugal, assumindo-se como os principais clientes e financiadores do Estado. No entanto, os presentes no pequeno-almoço de debate alertam para a importância do papel do SNS, sob o risco de se condicionar o acesso a cuidados de saúde. «Se o SNS deixar de suportar determinados custos, aumentará a procura por seguros de saúde. E, do lado das seguradoras, levará a uma reorganização da oferta, que irá cobrir muito mais do que aquilo que o Estado providencia. E levará a um aumento dos preços, como é óbvio», explicam.

Responsabilidade aumenta

Assistindo-se a uma delegação de responsabilidades do SNS para as seguradoras, pois o Estado tem cada vez mais dificuldades em lidar com os pacientes, as seguradoras começam a desempenhar um papel cada vez mais relevante na sociedade. «Ora se aumentam as responsabilidades de um seguro de saúde, o preço terá de aumentar igualmente », explicam os responsáveis.

Os mesmos afirmam que o Estado tem de perceber que um indivíduo que tenha um seguro de saúde não vai resolver todos os seus problemas com esse produto. Nos casos de oncologia, por exemplo, vai continuar a recorrer ao SNS, utilizando o seu seguro de saúde para acções mais rotineiras.

Apesar de ainda existir algum equilíbrio entre o SNS e as seguradoras (que têm vindo a beneficiar desta oportunidade), o desinvestimento do Estado coloca uma cada vez maior responsabilidade sobre o sector privado, que poderá vir a ter consequências graves no futuro. «O Estado tem de agir, de assumir mais responsabilidade e reforçar a Saúde. Caso contrário, tornar-nos-emos iguais aos Estados Unidos da América, onde um indivíduo que não tenha seguro de saúde não tem acesso a cuidados médicos. É um tema preocupante. Se os seguros forem um bem necessário para o acesso à saúde e se o preço destes vier a aumentar, os cidadãos portugueses com baixos vencimentos não terão acesso aos mesmos. E, por consequência, não terão acesso a cuidados de saúde», afirmam os responsáveis.

Caso esta situação se agrave, as prioridades dos portugueses terão de ser revistas. Como os presentes no pequeno-almoço referem, existem muitos portugueses que compram smartphones topos de gama, mas não estão dispostos a investir num seguro de saúde. «A questão reside neste factor: fazer com que os portugueses vejam o seguro como um investimento e não uma obrigação. E a maioria ainda não vê relevância num seguro.»

Seguros de vida com pouca procura

O seguro de saúde ganhou uma dinâmica enorme, mas o seguro de Vida continua sem despertar o mesmo interesse. Este continua a ser visto como um produto obrigatório aquando de um empréstimo à habitação, não sendo visto como um investimento. Mas estes seguros já não são utilizados apenas em casos de morte, havendo produtos em que o cliente pode utilizar o capital da forma que entender.

Ainda assim, verifica-se um ligeiro aumento da sua notoriedade, pois as pessoas sentem que não querem ser uma fonte de preocupações para a família, assegurando, assim, que terão acesso a cuidados em caso de doença. «A questão da invalidez é preocupante e as pessoas não têm a noção de que os subsídios do Estado não asseguram os cuidados necessários se as pessoas estiverem nestas condições. Não é fácil comunicar aos clientes que existe a possibilidade de, um dia, tornarem-se numa grande responsabilidade para a família, caso venham a ser declarados inválidos e necessitem de cuidados redobrados. É por isso que acreditamos que o seguro Vida vai começar a ganhar uma maior relevância. Talvez não cresça com a mesma rapidez, nem atinja o mesmo patamar que o de saúde, mas assiste-se a uma maior consciencialização por parte dos clientes», afirmam os responsáveis presentes.

No entanto, verifica-se que um grande número de portugueses com poder de compra, que investem bastante na sua família, mas, perante a possibilidade de investirem num seguro de vida, prescindem deste produto. «Tendo a capacidade de o pagar, acaba por ser uma irresponsabilidade, pois se algo lhes acontecer, a família, para além da perda do ente querido, será prejudicada», explicam.

Produtos mais rentáveis

São, precisamente, produtos como os seguros de Vida que fazem a diferença no negócio das seguradoras e agentes mediadores, pois estes seguros complementares são os mais rentáveis e asseguram a sustentabilidade do negócio.

O seguro da maioria das pessoas é o automóvel, não lhe sendo reconhecido grande valor, pois apenas é tido como obrigatório. Além disso, a maioria dos automobilistas olha apenas para o preço quando escolhe o seu seguro contra terceiros. Já no caso dos seguros de Vida, não só aportam mais valor para o cliente como permitem uma maior fidelização com o mesmo. «O processo de venda de produtos complementares é completamente diferente de um seguro automóvel, por exemplo. E o de renovação também. No caso dos seguros automóveis, os clientes mudam de seguradora se puderem poupar três euros. Já nos produtos de Vida e Vida Risco, os clientes preocupam-se mais com a seguradora, a sua oferta e o valor qualitativo, tornando assim mais fácil o processo de renovação», concluem os presentes no pequeno-almoço de debate do sector segurador.

Artigo publicado na edição n.º 265 de Agosto de 2018.

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