Da media

TiagoViegas

A verdade é que a idade me anda a tirar certezas. Sim, eu sei, é suposto ficarmos mais ponderados e calmos à medida que os anos vão passando, e é por isso que as certezas que temos quando temos 25 deixam de o ser quando temos 35.

A gaita é que, dez anos depois dos meus 25, não estou nem mais calmo (perguntem a qualquer pessoa que tenha trabalhado comigo nos últimos dois meses), nem mais ponderado (não viram que consegui dizer uma quase-asneira ainda agora? Sim, eu sei que adoro; mas não revela ponderação porra nenhuma, admitamo-lo).

Não, a única coisa que tenho são menos certezas. E eu não sou homem de ter menos certezas. Quando muito, sou homem de andar de certeza em certeza, deixando para trás aquelas que alguém me provou estarem erradas. Mas agarro-me logo a outra certeza e aí vai disto.

Eu sei, as certezas dão azo a fazermos figura de cavalo (quando não de cavalgadura). Mas tenho a certeza (lá está) que também nos dão uma muito menor permeabilidade a compromissos – e não fazer compromissos é, para mim, condição necessária para se fazer bom trabalho, pelo que se tenho que fazer fi gura de energúmeno (gosto tanto desta palavra), então que assim seja. Compromissos é que não. Para isso há por aí amochados que cheguem. E sobrem, se querem a minha opinião.

Mas divago. Não só ainda não falei da media – como terá notado o leitor mais atento -, como ainda não parei de falar de mim – como terá notado o leitor menos acostumado (em jeito de disclaimer, sinto-me obrigado a dizer a estes últimos que costumo aproveitar estas linhas que me dão para falar do meu assunto preferido: eu. Ou, vá, aquilo que eu acho sobre isto ou aquilo – sou um publicitário e tenho um ego correspondente à profissão, que querem que vos diga, leitores menos acostumados?).

Portanto, encarrilemos. Dizia eu, a propósito da media, que isto da idade me anda a tirar certezas. Sempre achei que a criatividade é que era importante (foi assim que me explicaram), e que a media era uma coisa feita por gente assim um bocadinho esquisita, que normalmente aparecia aos 15 de cada vez (o pessoal das agências de meios, como os das relações públicas, andam sempre aos magotes, nunca percebi porquê) e que falava muito no fim da reunião, ainda que ninguém soubesse exactamente do quê e ainda menos pessoas quisessem saber. Eram, vá, desinteressantes, desnecessários e des… sei lá, des- uma coisa qualquer assim muita negativa (estou a ser exageradamente mau, bem sei; há montes de miúdas giras e tipos porreiros na media).

Até que um dia fiz uma campanha incrível que teve uma media relativa e vendeu relativamente (mal). E pouco depois fiz uma campanha que daria vergonha à própria mãe (tecnicamente, eu) mas cheia de GRPs e que esgotou o que havia para vender.

Ou seja, até que um dia comecei a perceber que, na verdade, a media faz muito mais diferença do que parece – e, o que é pior, não sei se daquilo que eu faço. Olhe-se, de resto, para os bacalhaus com asas (a expressão não é minha, era de um chefe de um amigo, e quer dizer o mesmo que boa merda, mas de uma forma menos alarve e muito mais enigmática) que ganham prémios de eficácia e comprovem-se as minhas palavras.

(Sim, claro que não estou a falar dos trabalhos da sua agência caso tenha uma, caro leitor; refiro-me, obviamente, aos dos outros.)

Veja-se o caso do Pingo Doce, por exemplo. A campanha, perdoem-me (ou não, vivo bem com isso), era uma cagada. Sim, uma cagada cheia de truques, mas uma cagada. E reparem que falo enquanto consumidor (acho eu) e não enquanto criativo. Era má, porra. Era chata, pirosa e mais uma data de outros defeitos. Até que entrou a media. Três ou quatro anos depois ainda sei a letra de cor. Raios parta a media. Ou parabéns à media. Ou parabéns a quem resolveu pagar aquela media toda, que vai dar ao mesmo.

Que é como quem diz, é aqui é que as minhas incertezas começam a chatear. Então mas isso quer dizer que a criatividade é secundária em relação à media? Que com dinheiro se vende qualquer coisa? Que o agrado de uma campanha ou ideia pode ser compensada com ainda mais dinheiro em media? Sei lá eu. Sim, acredito que com media igual, uma boa ideia vende mais que uma má ideia.

Sim, acredito – e ainda mais nos dias de hoje – que uma boa ideia que gere (muito) agrado pode ganhar uma vida própria nos meios digitais e compensar em certo ponto a falta de investimento em meios. Olhem para a Dove. Mas vá lá, quanto é que é a diferença entre uma boa e uma má ideia (com media equivalente) em número de kg de arroz que saem do linear? E quanto dura essa vida própria de uma boa ideia nas redes sociais? Quanto vende? Quanto vale? Quanto, quanto, quanto?

A malta mais velha está agora a achar que isto são dúvidas de puto novo, que só agora descobriu a pólvora e ainda tem muito que aprender. Que como de costume estou a extremar as coisas e a falar de mais sem pensar. Ou… será que não?

Sei lá eu. Raios. Odeio ter dúvidas. Ainda mais destas. Disso tenho eu a certeza.

Texto Tiago Viegas

Fotografia  Paulo Alexandrino

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