Cristina Ferreira: «Só há liberdade de expressão até ao momento em que decidimos agredir alguém»
«É impossível ignorar [os comentários nas redes sociais], mesmo que não se queira ver. Como é que se digere? O que resta é fazer uma fuga para a frente, continuar a fazer o nosso trabalho. O mais difícil é não nos deixarmos contaminar por aquilo que acontece e por aquilo que se diz» nestas plataformas. Quem o afirma é Cristina Ferreira, directora de Entretenimento e Ficção da TVI, que foi uma das foi convidadas da mais recente TIP Talk da Marketeer, em conjunto com o comentador e cronista Luís Pedro Nunes.
“Reputação e Leviandade” foi o tema que deu o mote à conversa, que decorreu no Clube Ferroviário, em Lisboa. Durante cerca de uma hora, os dois convidados abordaram a forma como a leviandade (entendida como a “imprudência” ou “irresponsabilidade”) afecta a reputação de uma pessoa ou de um negócio nesta era digital.
Luís Pedro Nunes deu o pontapé de saída à conversa, reflectindo sobre a forma como as redes sociais empolaram o «pior do efeito de manada, do quão mau se pode ser em relação ao outro», referindo mesmo que há pessoas que se «transformam» nas redes sociais, criando uma persona diferente daquilo que são na vida real. Esta tendência faz com que as «marcas vivam com medo» de serem afectadas por crises reputacionais instantâneas e de «serem atiradas para o inferno woke».
O comentador (nos programas “Eixo do Mal” e “Irritações”) e director do “Inimigo Público” assumiu que recebe com regularidade comentários menos positivos e ameaças através das redes sociais, e que isso o chegou a afectar – ao ponto de decidir apagar a conta que tinha no Twitter –, mas que aprendeu a lidar com essas situações. Como? «Bloqueando. Bloquear os outros é a melhor solução. Aquilo que não vejo é o que não sofro», salientou.
Já Cristina Ferreira contou que entrou tardiamente nas redes sociais, em 2011, e que só o fez por aconselhamento da TVI e por motivos profissionais – na altura, apresentava o “Você na TV” com Manuel Luís Goucha. Tanto que o primeiro perfil que teve no Facebook denominava-se “Cristina Ferreira – TVI”. «Ao início foi engraçado porque os nossos seguidores, na altura, eram aqueles que apenas queriam dizer que gostavam de nós». Aos poucos, a base de seguidores foi crescendo e foram-se adensando também os primeiros comentários menos positivos, mais laterais em relação àquilo que era o seu trabalho. «Até que, hoje, andamos no limbo entre o “adoro” e o “odeio”. E nós temos de saber lidar com isso», refere.
A apresentadora de televisão e empresária revelou que um dos momentos mais difíceis, em que enfrentou mais críticas nas redes sociais, foi quando regressou à TVI (de onde tinha saído para ingressar na SIC), em 2020. Se quando saiu da estação de Queluz de Baixo o que registou foi o «espanto e a curiosidade» da maior parte das pessoas, porque tinha um programa de sucesso nas manhãs e muitas não perceberam porque estava a sair de um sítio onde estava bem, quando decidiu regressar foi quando sentiu maior animosidade. E os comentários sucederam-se, alguns deles com «palavras muito agressivas». «Houve ali uma barreira que foi quebrada e em que as pessoas deixaram de confiar em mim», recorda, lembrando que foi mais difícil de gerir porque, na altura, não estava diariamente na antena do canal, que foi, durante anos, o seu espaço directo e imediato de resposta a tudo o que aparecia sobre si no espaço mediático. Com o tempo, «recuperei algumas pessoas. Se perdi algumas para sempre? Perdi.»
A violência e discurso de ódio de que diz ter sido alvo repetidamente nas redes sociais, ao longo dos anos mas particularmente nesta fase, levou-a a publicar, em 2020, o livro “Pra Cima de Puta”, onde expõe inclusive alguns dos comentários que recebeu, precisamente para mostrar que «aquilo aconteceu a uma pessoa que tem um perfil aberto». Além disso, recentemente foi ouvida na Assembleia da República no seguimento da petição pública que lançou para combater a ciberviolência, que contou com mais de 50 mil assinaturas. Quer o livro quer a petição ajudaram à apresentação de alguns projectos-lei que estão neste momento a ser debatidos. E Cristina Ferreira não esconde que gostava que fosse tomada alguma acção para responsabilizar quem pratica a violência nas redes sociais. «O que me assusta é a “carneirada”, a forma como se vai atrás da opinião dos outros. Há algo que me tira do sério nestes debates, que é falarem na liberdade de expressão. Só há liberdade de expressão até ao momento em que decidimos agredir alguém», defende.
Apesar de tudo, Luís Pedro Nunes não se coibiu de dizer que tem dificuldade em acreditar que em Portugal se possa vir a punir as pessoas pelos comentários que são feitos nas redes sociais, como já acontece noutros países.
As cuecas invisíveis e o poder da irreverência
No testemunho que trouxe ao palco do Clube Ferroviário, a directora de Entretenimento e Ficção da TVI garantiu ainda que, com o tempo e a experiência, tem aprendido não apenas a gerir melhor o que deve ou não publicar nas redes sociais, mas também a transformar os comentários negativos em algo de positivo. E recordou uma notícia que foi publicada há alguns anos onde se escrevia que não tinha usado cuecas numa Gala da TVI. Como reagiu? Lançou a sua própria marca de cuecas, a Invisible, em que cada encomenda continha supostamente três cuecas, mas quando chegava ao cliente só havia duas peças. «A terceira cueca era a Invisible, que era a que eu (não) tinha usado na gala». As encomendas esgotaram numa hora.
«Se não tomarmos esta decisão de arriscar, não saímos do mesmo sítio. Fui aprendendo a abraçar esta irreverência», contou, apesar de assumir que essa postura pode “assustar” algumas marcas. «Quando se é desalinhado, corremos riscos. E nem toda a gente e nem todas as marcas estão preparadas para correr esses riscos.»
A propósito das marcas, Cristina Ferreira e Luís Pedro Nunes concordaram que estas são também responsáveis pelo fenómeno dos influenciadores e por «tornar figuras públicas pessoas que há 20 anos não o seriam, só porque têm 10 mil seguidores nas redes sociais» e que isso também encerra os seus perigos. «As marcas são completamente responsáveis pelos influenciadores. Criaram um monstro», frisou Luís Pedro Nunes. Já Cristina Ferreira, que conta com 1,9 milhões de seguidores no Facebook e cerca de 2 milhões de seguidores no Instagram, sublinhou que o mais importante é que as marcas saibam que objectivos querem cumprir e a quem, e como, se devem associar para atingir esses objectivos. Ao início, lembrou, nos primeiros contactos que teve para acções de marketing de influência, as marcas enviavam-lhe um script. «Algumas queriam que “despisse” a Cristina e passasse a ser uma modelo. Por vezes tenta-se anular completamente a personalidade da pessoa e isso não resulta», considerou.
Em jeito de conclusão da conversa, Luís Pedro Nunes lembrou que as redes sociais, como o Facebook, o Twitter ou o Instagram, «são fontes de informação única para grande parte da população. E isso leva ao efeito das câmaras de eco, em que as pessoas são inundadas de fake news ou ideias mais radicalizadas sem nunca terem acesso às noticias do que se diz do outro lado». Esta tendência leva a que haja cada vez mais posições extremadas, na política como na sociedade. «Há pessoas que só consomem aquilo que o algoritmo lhes dá. E isso já vai acontecendo em Portugal – temos cada vez mais uma realidade social e política que está a ficar “entrincheirada”.»
Texto de Daniel Almeida
Fotos de Filipe Pombo