Comunicar em tempo de pandemia «é uma montanha-russa». Como passar a mensagem certa?

«Nunca houve uma fórmula eficaz e a própria vacina veio mostrar isso, não há uma única solução eficaz.» As palavras são de Marlene Gaspar, directora da área Consumer Engagement e Digital na LLYC, que marcou presença na 16.ª Conferência Marketeer para deixar claro que, em termos de comunicação, na há fórmulas mágicas, embora seja possível detectar algumas tendências e caminhos mais acertados.

Participante numa Marketeer Talk sob o mote “Como comunicar e chegar ao consumidor num mundo a duas cores?”, Marlene Gaspar sublinha que as certezas que existiam pré-pandemia caíram por terra e que, além disso, aquilo que resulta com uma marca pode não resultar com outra. É preciso ter em consideração muitas variáveis.

No caso concreto da actual crise sanitária, o consumidor mostrou ser capaz de se adaptar e mudar consoante a evolução do novo coronavírus. Neste contexto, as próprias marcas tiveram também de mostrar flexibilidade e optar pelo test and learn, que passou a ser o status quo, na opinião da responsável da LLYC.

«Acho que o grande segredo é tentar antecipar», sublinha ainda Marlene Gaspar. Mas é possível fazer esse exercício de antecipação? Sim, embora difícil. O digital poderá ser uma ferramenta muito útil através da escuta activa e da monitorização de alguns sinais, mas, atenção, não será a resposta milagrosa para todos os problemas. Até porque o consumidor é, cada vez mais, omnicanal e, embora seja tolerante nos primeiros meses e esteja disposto a esperar pela necessária adaptação dos negócios, não será assim para sempre.

A aceleração digital tem mesmo de acontecer, alerta a responsável, sublinhando ainda que será necessário saber tirar partido dos dados que vão sendo recolhidos. Sem competências para trabalhar a informação, de pouco servirá a sua recolha.

«A pandemia veio mostrar-nos como somos capazes de nos reinventar, mesmo quando achamos que não somos muito criativos ou flexíveis», frisa ainda Marlene Gaspar.

E é também de flexibilidade e criatividade que se fala quando se olha para a revolução pela qual passaram os restaurantes e os hotéis. Segundo Joel Pires, director Comercial e de Marketing do Grupo Olivier Restaurantes, tem sido «um desafio enorme» traduzir a experiência Olivier no take-away, uma vez que ninguém estava preparado – nem parceiros, nem clientes. A palavra mais importante deixou de ser experiência para passar a ser segurança.

Presente na mesma mesa redonda, moderada por Maria João Vieira Pinto, directora de redacção da Marketeer, Joel Pires refere que a necessidade de mudança passou pelo próprio serviço mas também pela comunicação. A ideia era (e é) garantir que os clientes continuam ligados à marca, que continuam a consumir os seus produtos, mesmo que isso signifique fazê-lo a partir do conforto de casa.

Com os restaurantes a reabrir, alterou-se também a forma como recebem os clientes, apostando até na gravação de um vídeo onde é explicada a forma como as recomendações da Direcção-Geral de Saúde (DGS) são implementadas. «Somos agentes de saúde pública e temos de demonstrar aos nossos clientes que a experiência é segura» e isso passa, por exemplo, pela oferta de autotestes aos clientes: no último fim-de-semana, com a entrada em vigor da obrigação de apresentar um teste negativo ou certificado Covid para entrar num restaurante (esplanadas ficam excluídas desta regra), o Grupo Olivier decidiu oferecer autotestes aos seus clientes, assumindo essa despesa adicional.

Atitude positiva

A par da restauração, a hotelaria é outro dos sectores mais afectados pela pandemia de Covid-19. Pedro Ribeiro, director Comercial Dom Pedro Hotel & Golf Collection, conta que a estratégia deste grupo passou por comunicar de forma constante e consistente, tanto junto dos canais de distribuição como do consumidor final.

No entanto, este trabalho nem sempre é fácil e há áreas de negócio mais impactadas do que outras. No caso do Dom Pedro, o golfe tem apresentado maiores dificuldades e, por maior que seja o investimento em comunicação, é difícil apontar a uma retoma quando as regras estão sempre a mudar.

«Nós mantemos uma atitude positiva, mantemos as equipas no terreno em termos de comunicação e vendas, com comunicação regular, mas realmente tem sido muito difícil devido a esta alteração constante para se poder viajar, por exemplo. É uma montanha-russa», comenta Pedro Ribeiro.

A agravar esta situação está a inexistência de eventos presenciais onde o grupo possa promover a sua oferta. Embora o digital seja uma alternativa de peso, ainda «faz muita falta essa presença em eventos para captar clientes».

João Lobo, director de Marketing do Grupo Renascença Multimédia, concorda que há alguns aspectos em que o digital não é suficiente. Depois de, numa primeira fase, todas as equipas das rádios do grupo terem ido para casa por uma questão de segurança, implementou-se depois um novo modelo que permite aos profissionais estarem nos estúdios sem colocar em causa a sua saúde.

«As pessoas precisam de estar juntas», garante o responsável, sublinhando que o novo desafio é dar resposta a esta necessidade ao mesmo tempo que se protege a saúde de todos os presentes. Tudo isto para garantir também que o propósito do Grupo Renascença Multimédia não se perde pelo caminho: continuar a ajudar as pessoas que estão a ouvir a perceber o que é que se passa no mundo e, sempre que possível, criar momentos de descontracção.

João Lobo lembra ainda que a comunicação, neste mundo tão rápido, tem de mudar todos os dias, já que a realidade de hoje não é a mesma de ontem. No caso da Renascença e da RFM, por exemplo, a evolução é constante e propositada, é pensada e estudada com base em informação, talento e propósito. «É isto que nos permite fazer um caminho com os pés firmes.»

Segurança ou confiança?

Joel Pires, do Grupo Olivier, considera que segurança passou a ser a keyword na comunicação dos restaurantes e que até os conteúdos desenvolvidos pelos embaixadores parceiros estão a ser repensados nesse sentido. A ideia é que estas figuras conhecidas partilhem com as suas comunidades a segurança associada à experiência de encomendar ou visitar um restaurante do grupo – incluindo a realização do autoteste.

Já Marlene Gaspar aponta a outro conceito. De acordo com a directora da área Consumer Engagement e Digital na LLYC, o consumidor do primeiro confinamento não é o mesmo do segundo: o primeiro não queria ir ao escritório, por exemplo, quando o segundo já pede para ir pelo menos alguns dias.

Estamos perante o tal terreno híbrido que serve de ponto de partida para toda a 16.ª Conferência Marketeer. «Este conceito híbrido é uma opção» e a parte presencial é muito importante para a cultura da empresa, sublinha a responsável, acrescentando que «o ser humano é muito adaptável e as marcas têm de o ser» também.

Marlene Gaspar indica que, além da segurança, é a confiança que é muito importante neste momento. Os consumidores já conhecem as regras, o plano de vacinação está a avançar e todos querem ir a restaurantes ou hotéis onde confiam no serviço prestado e no cumprimento das regras. «É preciso trabalhar para a confiança.»

João Lobo acrescenta que «é possível, com respeito, conseguir alguma actividade presencial», tal como acontece com as emissões diárias das rádios do Grupo Renascença. As pessoas sabem o que se passa e lembram-se do que se passou, o que irá resultar potencialmente em novos hábitos, mas está na altura de pensar uma comunicação que projecta o futuro e alguma normalidade.

«As marcas têm de saber que o mundo, mais do que híbrido, pode ser muito dinâmico e temos de saber seguir esse dinamismo», afirma ainda.

Já Pedro Ribeiro, dos hotéis Dom Pedro, mantém a importância da segurança na comunicação das marcas, especialmente no ramo da hotelaria. Na sua perspectiva, Portugal passou de muito medo em visitar um hotel para novas medidas que podem ser contraproducentes tendo em conta a segurança que as pessoas já tinham conquistado.

Ainda assim, a última nota é de optimismo: «Estamos com previsões muito positivas para Setembro e Outubro para os mercados internacionais». Grande parte deste «estrangulamento» está a ser ultrapassado, garante.

Texto de Filipa Almeida

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