Caso Bolt: a pose que virou marca
Por Mariana Hazt Lencina, advogada e consultora jurídica na Inventa
Não restam dúvidas sobre a influência que as marcas têm em decisões de consumo, como forma de referência de qualidade, acessibilidade ou de sentimento de pertença a um determinado grupo social. Decorrente da grande influência destes sinais, a construção de uma marca é feita pela busca de um forte impacto de reconhecimento pelo público-alvo. Em casos mais específicos, determinados sinais atingem o reconhecimento antes mesmo de serem vistos como marca.
As marcas são sinais distintivos que permitem ao público consumidor identificar a origem de um determinado produto ou serviço e a distintividade de um sinal pode surgir das formas mais espontâneas ou improváveis.
Foi o que fez o jamaicano Usain Bolt com a sua icónica comemoração. Bolt não é apenas referência como velocista e vencedor de oito medalhas de ouro, ele encontrou também um sinal representativo na sua comemoração, inspirado no movimento “tiro com arco”, e viu o seu potencial comercial.
Importa salientar que não foi recente a percepção de que a sua pose de vitória se poderia tornar uma marca. A primeira marca figurativa registada sob o nº 3895896 tem a data de submissão em 2009, mas foi cancelada em 2017 nos EUA pela ausência das provas de uso. Os direitos de propriedade intelectual são limitados no tempo e, para a sua manutenção em algumas jurisdições, existe a necessidade de comprovação de prova de uso comercial.
A tutela jurídica norte-americana tem por enfoque o uso comercial e o incentivo à concorrência, com a exigência de apresentação de provas concretas de uso da marca na identificação dos produtos e serviços que o registo da marca cobre.
Em caso de ausência de provas, a legislação americana determina que o Instituto de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO) cancele o registo. Por consequência, o sinal distintivo do velocista ficaria exposto no território a pedidos de registo submetidos por terceiros de má-fé, razão pela qual Usain Bolt decidiu agora submeter um novo pedido.
Na União Europeia, assim como em outras jurisdições em âmbito internacional, os registos da marca, também submetidos em 2009, continuam vigentes para a identificação de diversas classes de produtos e serviços.
Na União Europeia, para que um registo caduque por falta de uso é necessário que haja o requerimento de um terceiro perante o Instituto, o que não aconteceu até ao momento. A exigência do uso para continuação da validade do registo existe também na União Europeia, todavia, é um procedimento que depende da iniciativa de terceiro. Por outro lado, nos Estados Unidos da América, a aquisição do direito está relacionada com o uso da marca, de modo a incorrer na necessidade de provas concretas para sua manutenção e, na sua ausência, o cancelamento é declarado de forma oficiosa.
Neste seguimento, a notícia do novo pedido de registo traz à tona outras poses icónicas dentro do universo desportivo. Outro caso que se tornou um logótipo popular para produtos desportivos foi o salto do jogador de basquete Michael Jordan, rendendo linhas de produtos da Nike com a referência da silhueta do “Jumpman”.
Mas qual é a importância de um registo?
Importa salientar que o registo de uma marca tem como efeito impedir o uso por terceiros deste sinal no comércio para identificar os produtos e serviços cobertos pelo registo.
No caso do velocista Usain Bolt, a sua expressão em comemorações detém tamanha distinção que se torna reconhecida pelos espectadores. É a partir desse reconhecimento que se percebe um potencial atractivo para possíveis consumidores de produtos contendo essa referência. Em síntese, o registo da marca é constitutivo de um direito a partir do qual o titular poderá usá-la em exclusividade, ou mesmo transmitir ou licenciá-la, impedindo o uso a terceiros em relação a determinados produtos e serviços.