Branding, a culpa é de Kotler.

Por João Cardoso, Brand strategist na Erb’s Creative Studio e docente no IPAM Porto e no Grupo Academy

Existe uma cultura alimentada por pseudo-comunidades, em que o Branding é o equivalente a um logotipo ou a outros elementos de comunicação de uma marca.

“É um todo” — dizem “eles”. Pode estar certo, só que ninguém sabe explicar o que é esse todo. Talvez, a culpa seja de Kotler.

É possível que Kotler tenha chegado a um nível de consciência tão elevado, que o levou a proferir que “Marketing é tudo, tudo é Marketing”, ou então estava simplesmente cansado e mandou tudo… dar uma volta ao bilhar grande (que é como quem diz que, quem vier a seguir que se desenrasque).

Talvez estes migrantes do Marketing (e outras disciplinas) para o Branding tenham em conta a máxima do autor e, como resultado, digam (por outras palavras) que Branding é tudo, tudo é Branding. A mim, parece-me uma forma simples (como quem diz, básica) de definir uma disciplina sem grande margem para erros e com isenção de responsabilidades.

Quem sabe um dia o chef José Avillez diga que “culinária é tudo, tudo é culinária”. Assim, descarta-se de responsabilidades quando o bacalhau vier a saber a cebola frita.

Mas, afinal (depois das críticas), o que é Branding?

Bem, a verdade é que também a mim me falta uma resposta certa (e, como falta, não a dou).

Teoricamente, Branding é algo com que nos encontramos desde o momento em que decidimos se nos vestimos com algo básico ou se adoptamos o estilo de outdoor publicitário, da t-shirt às sapatilhas.

Branding vai desde o pequeno logotipo à identidade de um país.

Ao longo da história, Branding passou de identificador de propriedade a identificador holístico e extensor do modelo de negócio à comunicação. Funciona como elemento de ligação entre os clientes, a marca e a própria organização.

Aquilo que a maioria de nós falha em entender é que, para compreendermos o que é Branding, temos de perceber o que é uma marca (uma vez que o termo Branding é uma derivação da palavra Brand).

E uma marca, segundo Neumeier, não é um logo, não é uma identidade e não é um produto. O autor afirma que uma marca “é a sensação que alguém tem em relação a um determinado produto, serviço ou organização”.

Parece-me adequado do ponto de vista do consumidor, mas se continuarmos a explorar o seu significado a coisa complica-se.

Seth Godin diz que uma marca, do ponto de vista contratual, é um conjunto de expectativas, memórias, histórias e relações que, juntas, influenciam a escolha do consumidor. Para Ogilvy, uma marca é a soma intangível dos atributos de um produto. Steve Jobs, o fundador da marca mais valiosa do mundo (algures nos 355 mil milhões de dólares, segundo a Statista), diz(ia) que, uma marca, é sobre a clareza dos valores. Por fim, Wally Ollins, diz que uma marca é sobre pertença.

Quem está certo?! Talvez todos, talvez nenhum. Creio que qualquer jovem disciplina (no que toca ao seu estudo consciente), pela falta de informações e investigação na área, é difícil de definir. Só no princípio da sua idade adulta é que encontramos as definições claras e certezas “absolutas”. Mas, quando passa a anciã, torna-se novamente difícil de definir. Não pela falta de informações, mas pelo excesso.

Por isso, hoje (e talvez para sempre), reduzir o significado de Branding a elementos de comunicação, pode ser um tanto diminuto. Ou vai-me dizer que quando retira o 316d do seu BMW e compra o símbolo da M no Olx é única e exclusivamente porque o M fica esteticamente melhor?! Da mesma forma que reduzir o Branding a “estratégia” pode também não ser o suficiente, uma vez que está presente da investigação, à implementação.

Se o Branding envolve sentimentos e emoções, talvez possamos categorizá-la enquanto disciplina responsável pelo desenvolvimento do “eu” enquanto identidade (consciência) da organização (corpo). António Damásio diz que “culturas e civilizações não teriam surgido na ausência de consciência (…)”. Se assim for, é provável que a humanização das marcas esteja realmente mais avançada do que aquilo que conseguimos explicar.

Coincidência, ou não, este padrão de acontecimentos é semelhante ao descrito por este e outros autores nas mais diversas obras sobre o cérebro, o corpo e a mente. De que outra forma explicaríamos o estado de nostalgia sentido (mais por uns, do que por outros) quando uma marca que lhes é querida desaparece?!

Se estamos de facto a lidar com um elemento vivo, é importante notar que, da mesma forma que não podemos garantir o sucesso no enquadramento de uma criança na sociedade – mas podemos educar –, não podemos garantir sucesso na criação do “eu” de uma organização, produto ou serviço –, mas podemos tentar guiar o seu desenvolvimento (a tal estratégia).

O resultado da criação de uma marca, e da sua consciência, é uma consequência da construção de uma mente hipotética, constituída por elementos inanimados, guiada por seres conscientes e emocionalmente instáveis (nós) e, na maioria dos casos, alavancagem financeira.

Neumeier diz que Branding é qualquer esforço ou programa, desenhado para aumentar valor e evitar a comoditização, através da construção de uma marca diferenciada.

Definir Branding, e em que momento este actua, é o mesmo que tentar identificar quando começou a traçar a sua personalidade e quando acabou. Tem uma ideia dos acontecimentos, mas não tem certezas das suas datas.

Ainda que continue vago, podemos considerar que, com base nas definições apresentadas, o Branding, mais do que qualquer outra disciplina, tem início na ideia e, por sua vez, na sua exploração. Coisa que, mais uma vez, não conseguimos datar.

Talvez, o desenvolvimento desta disciplina, apesar do seu envolvimento com tantas outras, esteja até mais relacionada com a Fenomenologia do que com outras metodologias mais tangíveis. Gjoko Muratovski, autor do livro “Research for Designers” (entre outras coisas), explica que o propósito de uma pesquisa fenomenológica é responder à questão “Como é que é, fazer ou experienciar algo?”. Esta pesquisa pode ser conduzida com recurso a focus groups, sendo que importa considerar a visão de Martim Lindstrom, que nos diz que os dados recolhidos em focus groups não são tão válidos quanto isso, pelas condições em que são realizados. Embora gostemos de brincar com o tempo, a própria meteorologia pode, de facto, influenciar as respostas dos participantes. De volta à estaca zero? Talvez.

Creio que foi Parmenides, um filósofo grego (que já não se encontra entre nós), que escreveu qualquer coisa como “Ex nihilo nihil fit” que, em bom português significa: “Não havia nada e, as m**das aconteceram.” Para já, talvez esta seja, de facto, a melhor forma de definir o que é Branding.

Tal como, apesar de não dominarmos o processo de construção de pensamento, não podemos pôr em causa o poder do ser humano, também não podemos, independentemente do seu significado e dos momentos de actuação, pôr em causa o poder do Branding.

Afinal de contas, como disse Michael Johnson, o Branding criou o Pai Natal.

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