Arte de Cícero Dias veste paredes e reveste pratos em Campo de Ourique

É já na próxima semana que o restaurante-galeria Cícero Bistrot celebra o seu primeiro aniversário. Em jeito de celebração, fomos conhecer as novas propostas do Chef Hugo Cortez que continuam o diálogo entre a arte e a gastronomia que caracteriza o restaurante-galeria que homenageia o artista modernista brasileiro Cícero Dias.

Para início da conversa – que faz a ponte entre França, Brasil e Portugal -, chegava à mesa uma entrada fria, o Tártaro de Salmão com morangos em tosta negra. A tosta estava surpreendentemente estaladiça e apenas a formalidade que ainda se sentia de início de refeição nos impediu de pegar à mão. Mas, aqui garantimos, é feito um belo casamento entre o salmão e o morango.

Seguiu-se-lhe uma segunda entrada. Desta vez, a Tapa “As Baianas” com o seu gravlax negro de robalo em broa de milho com geleia de moqueca. A pimenta rosa dá-lhe um toque surpreendente, mas é com a moqueca que somos transportados em questão de segundos para o Brasil. Trabalho bem conseguido, chef Hugo Cortez! Ficámos de olho no Carpaccio de Polvo (quem sabe se numa próxima visita?) e na tapa “Santos Populares” que numa homenagem a Lisboa promete fazer as delícias dos muitos não-portugueses que visitam o espaço.

À mesa chegaria, entretanto, da secção Do Mar, o Lírio com Ameijoas Pretas, Arroz de Coentros e Limão com Chips de Mandioca. Mais português que coentros no arroz provavelmente não conseguiam. Os sabores estão todos lá. O lírio no ponto, com a pele a soltar-se com facilidade. As chips de mandioca eram gulosas e imagino-me a debicá-las, com uma bebida fresca de fim de dia, na esplanada na rua Saraiva de Carvalho…

Mas voltemos ao interior onde, num novo acto nos chega, da Terra, o Lombo de Novilho Maturado com Pesto e Presunto, mil folhas de batata e pancetta, saladinha de rúcula e ervas. Irrepreensível. A carne no ponto e sem qualquer nervura, o mil folhas de batatas consistente no prato e a desfazer-se, literalmente, na boca. Ah, e o pesto, não nos esqueçamos dele, entre as duas carnes dá-lhe um twist bem interessante.

Espreitando a carta é fácil perceber várias propostas que nos poderão fazer voltar – como a Perna de Pato confitada com Pistachio ou o Entrecôte Grelhado com gomos de batata – e acompanhados de amigos vegetarianos que se poderão deleitar com a Moqueca de Palmito ou a Salada de Legumes Grelhados.

Para sobremesa estava-nos reservado o Coulant de Chocolate com Molho de Framboesa e Gelado de Baunilha num belíssimo contraste de sabores, apenas com o handicap de que o coulant deveria estar mais mal cozido. Para os apreciadores de fruta, há uma novidade com a Mousse de Chocolate com Lascas de Coco que se juntam aos já conhecidos dos clientes habituais Carpaccio de Abacaxi com Especiarias e Bananan Levemente Panada em Farinha de Rosca, Molho de Chocolate Negro da Mazónia e Gelado de Açaí.

Mas acalmem-se os corações mais ansiosos: o restaurante mantem na lista os pratos de maior sucesso ao longo do primeiro ano de vida, como o Carabineiro e Robalo do Mar ou o Lavagante no Sauté com Risotto de Gengibre e Endro com Zest de Chocolate Yanomami.

Os pratos onde as obras de arte nascem e são servidas – há que salientá-lo – são da Casa Alegre e os talheres Vista Alegre, numa clara aposta em produtos made in Portugal.

Importa ficar a saber…

O Cícero Bistrot fica localizado na Rua Saraiva de Carvalho nº 171, em Campo de Ourique e as suas paredes estão cobertas com 20 obras de arte de diversos artistas que fazem parte da colecção privada de Paulo Dalla Nora, o cofundador do espaço e um verdadeiro contador de histórias. Aqui a gastronomia é vista como uma forma de arte em que os chefes artesãos utilizam os ingredientes como tela “para criar sabores, texturas e apresentações que despertam as nossas papilas gustativas e deixam uma impressão duradoura”.

Terá sorte se apanhar o fundador no restaurante e trocar algumas impressões sobre arte com este empreendedor que tem na sua colecção 70 obras, 15 das quais de Cícero. A primeira (uma aguarela em exposição no restaurante) comprou-a com 23 anos por influência da mãe que tinha uma galeria.

O restaurante divide-se em três salas (“Salão Modernista”, “Salão Contemporâneo” e “Sala Origem”) com diferentes capacidades e uma esplanada. Paulo Dalla Nora conta que a escolha de um espaço com estas características foi deliberada de maneira a permitir que em cada um dos espaços houvesse privacidades para diferentes conversas. «É mais democrático assim», assegura. Ou não fosse o Cícero Bistrot um espaço que usa a arte e a gastronomia para celebrar a história real da luta pela liberdade, a beleza e o sabor que liga Lisboa, França e Brasil.

No primeiro ano, o Cícero Bistrot já deu provas da sua diferença. Conquistou a distinção de Garfo Superior pelo concurso Lisboa à Prova, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, a AHRESP e o Turismo de Lisboa; a entrada na lista Insiders do The Fork e o título de Restaurante de Alta Gastronomia Mais Reservado em Lisboa, na plataforma Open Table. O que se seguirá?

Texto de Maria João Lima

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