“A transição para a economia circular gera inovação e oportunidades futuras”, Rita Nabeiro, do Grupo Nabeiro-Delta Cafés

EntrevistaNotícias
Sandra M. Pinto
05/11/2025
11:37
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05/11/2025
11:37


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O Grupo Nabeiro – Delta Cafés é um exemplo de como a inovação e a responsabilidade social podem andar de mãos dadas. Com uma forte trajetória de compromisso com a sustentabilidade ambiental, o Grupo tem demonstrado que é possível ir além da produção de café, ao integrar práticas de economia circular em diversas áreas de sua operação. Um dos projetos mais marcantes é a transformação de fardas antigas em mantas solidárias, um gesto que alia a inovação tecnológica à solidariedade social.

Por Sandra M. Pinto

Este projeto, que não só contribui para a redução de resíduos têxteis, como também beneficia diretamente a comunidade, especialmente os idosos em situação de vulnerabilidade, é uma prova do impacto positivo que ações sustentáveis podem ter nas pessoas e no planeta. Neste contexto, conversámos com Rita Nabeiro, Administradora do Grupo Nabeiro-Delta Cafés, para entender melhor o que motivou essa iniciativa, como foi o processo de transformação das fardas, e os resultados que ela trouxe, tanto em termos ambientais quanto sociais.

O que motivou o Grupo Nabeiro a iniciar este projeto de transformação de fardas em mantas solidárias?
A sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social estão desde sempre no ADN do Grupo Nabeiro – Delta Cafés. Foi precisamente este compromisso que inspirou a iniciativa de transformação de fardas antigas em mantas 100% recicladas, oferecidas a 400 idosos, unindo inovação, circularidade e solidariedade.
A produção de resíduos e a sua deposição em aterro continua a ser um dos maiores desafios ambientais em Portugal e no mundo. No contexto nacional, estranhamente, mais de 50% dos resíduos urbanos ainda têm como destino o aterro sanitário, apesar das metas europeias de redução e valorização. Esta realidade traduz-se em elevados impactos ambientais, nomeadamente: emissões de gases com efeito de estufa (GEE), contaminação potencial de solos e águas subterrâneas, perda de recursos materiais que poderiam ser reintegrados na economia circular.
O setor têxtil é particularmente problemático: estima-se que apenas 1% dos resíduos têxteis a nível global sejam reciclados em novos produtos de igual valor, o que reforça a importância de soluções inovadoras de reutilização e upcycling.
Consciente desta realidade, o Grupo Nabeiro desenvolveu este projeto de valorização de fardas obsoletas, evitando o seu reencaminhamento para aterro. Para além do benefício ambiental direto, este projeto reflete o espírito solidário e comunitário que caracteriza o Grupo, ao destinar as mantas a instituições e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Como surgiu a parceria com a To Be Green e por que foi escolhida como parceira para este projeto?
O Grupo Nabeiro conheceu a To Be Green num encontro promovido pelo Business Council for Sustainable Development Portugal (BCSD), quando procurava uma solução para a valorização têxtil, nomeadamente do fardamento obsoleto das nossas unidades industriais.
A To Be Green é uma spin-off da Universidade do Minho que apresenta uma tecnologia inovadora para o upcycling de materiais têxteis – pareceu-nos o parceiro ideal para avançar com esta iniciativa pois alia ciência, conhecimento e tecnologia para dar resposta a este grande problema ambiental – os têxteis.

Quais os principais objetivos ambientais e sociais definidos no início desta iniciativa?
Esta é uma iniciativa simbólica que pretende mostrar que todos os passos na descarbonização do negócio contam e são passíveis de inovação ambiental. As fardas não são, obviamente, um resíduo relevante da nossa operação, mas existem e, por isso, devemos encontrar soluções para o seu tratamento em fim de vida. Temos como meta 100% de resíduos diretos da operação encaminhados para reciclagem ou valorização, um compromisso que nos desafia continuamente a repensar processos, materiais e destinos de fim de vida.
Com esta ação, foi possível evitar o envio de mais de uma tonelada de resíduos têxteis para aterro, o que corresponde à redução de cerca de 1.224kg de emissões de CO₂eq.

Os dados indicam que a reciclagem evitou a emissão de mais de 1.200 kg de CO₂ comparativamente à deposição em aterro e ainda a poupança de água e energia. Como é que esses números foram calculados?
Todos os dados foram tratados pela To Be Green e os cálculos de impacto tiveram como base literatura específica e referenciada na economia circular, e foram descritos no relatório final do projeto. Por exemplo, sabemos que a produção de têxteis novos consome cerca de 22.000m³ de água por tonelada e a nível de consumo de energia são necessários 60GJ por tonelada, consumos que foram poupados com este processo de reciclagem. A poupança de CO₂ foi calculada comparativamente a fatores específicos, ou seja, medido em relação à deposição em aterro, à incineração e à reciclagem mecânica, considerando um artigo-tipo composto por 60% poliéster e 40% algodão.

O Grupo Nabeiro tem planos de replicar ou expandir este tipo de projeto noutras áreas da sua operação?
Sim, o projeto já entrou numa segunda fase de desenvolvimento, com o objetivo de integrar esta solução circular nas necessidades de merchandising do Grupo Nabeiro. Em vez de recorrer à produção convencional com materiais virgens, estamos a inovar através da valorização destes têxteis obsoletos, transformando-os em novos produtos reciclados, como sacos e aventais, para além das mantas que foram o produto estrela na primeira fase do projeto, prolongando o ciclo de vida dos materiais e reforçando o compromisso com a economia circular e a redução do desperdício.

Que outros tipos de resíduos a empresa está a trabalhar para reutilizar ou reciclar?
O grosso dos nossos resíduos diretos da operação está relacionado com a torrefação e embalamento de café, embora tenhamos outro portefólio no Grupo que não é café, como é o caso do vinho e dos equipamentos de hotelaria. Destacamos o caso da Nãm, que transforma a borra do café, recolhida nas máquinas de vending Delta, em cogumelos. Todos os anos, são transformadas cerca de 60 toneladas de borras de café em 40 toneladas de cogumelos. Com uma distribuição local, os cogumelos percorrem em média apenas 15 km até serem entregues aos clientes da restauração, em comparação com os 1.500 km típicos para a distância entre produtor e consumidor, na Europa. O excedente de produção transforma-se em fertilizante e retorna novamente à terra. De acordo com os relatórios de impacto da Nãm, já eliminámos mais de 140 toneladas CO2eq desde 2019, o equivalente à captura de CO2 de 2.600 árvores anualmente, isto é sensivelmente o tamanho de 3,5 parques do Jardim da Estrela em Lisboa. É um verdadeiro exemplo de economia circular que o Grupo Nabeiro tem orgulho de apoiar deste o seu início.
Temos também projetos de valorização de outros resíduos diretos da nossa operação de café, como o aproveitamento da cascarilha (uma sobra natural do processo de produção) ou da sarapilheira das sacas de café verde. Relativamente ao desperdício de materiais de embalagem, temos projetos de eficiência industrial para os reduzir ao máximo e são reencaminhados para reciclagem.

Por que a escolha de entregar as mantas no Dia Internacional do Idoso? Há uma mensagem simbólica nessa decisão?
Sem dúvida. Esta data celebra o reconhecimento, o respeito e o cuidado para com a população mais sénior, valores que estão profundamente enraizados na cultura do Grupo. A iniciativa de entrega, apoiada pelo Coração Delta e por colaboradores voluntários do Grupo Nabeiro, reflete o propósito de dar valor às pessoas e às relações humanas, reforçando a proximidade com a comunidade e o compromisso em cuidar de quem tanto contribuiu para o presente. Queremos transmitir uma mensagem de cuidado e solidariedade.

Como foi escolhida a população beneficiária, nomeadamente os utentes do Lar de Degolados e da Santa Casa da Misericórdia de Degolados?
A identificação das entidades beneficiárias foi feita pela Associação de Solidariedade Social Coração Delta que, ao longo dos últimos 20 anos, tem desenvolvido um trabalho notável de proximidade e de parceria com várias instituições de Campo Maior e do Alto Alentejo, disponibilizando serviços específicos de apoio à população idosa local, especialmente para quem se encontra em situação mais vulnerável.
Esta escolha reflete a filosofia do Grupo no investimento na promoção do bem-estar das comunidades e reforça a nossa missão: cuidar das pessoas e do território onde atuamos, valorizando relações duradouras com instituições que conhecemos bem e que têm impacto direto na vida dos colaboradores, das suas famílias e da população local. Esta ação não é pontual e faz parte de uma prática constante de solidariedade ativa, que se traduz em apoio material, envolvimento comunitário e promoção de projetos com impacto social e ambiental.
Para além do Lar de Degolados e do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Campo Maior, a entrega de mantas abrangeu ainda as seguintes instituições: Lar Santa Beatriz SCM, Lar e Centro de Dia de Santa Eulália, Residência Sénior de Vila Fernando e também os beneficiários do serviço Tempo para Dar integrado no Coração Delta.

De que forma o envolvimento das crianças do Centro de Talentos Alice Nabeiro contribui para os objetivos do projeto?
A intenção é despertar valores de solidariedade, empatia e responsabilidade social, ajudando-as a compreender, desde cedo, a importância de cuidar dos outros e do planeta. Esta participação ativa promove também a educação para a sustentabilidade, mostrando que todos os pequenos gestos contam — como dar uma nova vida a materiais usados — e podem contribuir para pessoas e planeta mais saudáveis. Ao integrarmos as novas gerações neste processo, o Grupo Nabeiro reforça a sua missão de formar cidadãos conscientes, participativos e comprometidos com o bem comum.

Que desafios enfrentaram na transformação das fardas em mantas recicladas?
Na verdade, foi um processo relativamente simples. Quando colocamos a ciência, a inovação e a colaboração a funcionar, conseguimos bons resultados! O processo foi bastante facilitado porque conseguimos garantir a logística de entrega faseada dos materiais, através da nossa estrutura de distribuição, permitindo ao parceiro uma maior flexibilidade no manuseamento dos materiais, na triagem e no upcycling.
Contribuímos para uma gestão mais eficiente do espaço de armazenamento e do processamento dos materiais, evitando sobrecargas no fluxo operacional. O maior desafio foi na triagem dos materiais entregues. Tendo em conta a sua diversidade, houve necessidade de recorrer a diferentes estratégias de valorização, identificando a hierarquia de economia circular a aplicar.

Como este projeto se enquadra na estratégia de economia circular do Grupo Nabeiro?
Este projeto materializa plenamente a nossa estratégia: associar ciência, tecnologia e parcerias setoriais que visam criar projetos circulares, mitigando a produção de resíduos e reduzindo a pegada ambiental da nossa operação, através de modelos produtivos mais eficientes no uso de recursos.

A inovação tem sido um pilar do Grupo Nabeiro. Este projeto reflete uma nova linha de inovação ambiental na empresa?
Olhamos para este projeto como uma iniciativa de sustentabilidade assente na inovação. Inovação para dentro da nossa indústria, mas, também, para fora, pela ponte que criou com a academia e com a indústria têxtil, que, do ponto de vista tecnológico, hoje consegue fazer a conversão de têxteis usados em fio têxtil que pode ser matéria-prima com muitas finalidades.

Há planos para integrar práticas semelhantes em outras áreas da empresa, como no processo de produção de café ou embalagens?
A transição para a economia circular nas várias áreas negócios da empresa implica mudar de um modelo linear para um modelo regenerativo, onde os recursos são mantidos em uso pelo maior tempo possível, reduzindo desperdício e emissões. Esta transição não é apenas ambiental, mas também estratégica pois gera inovação e oportunidades futuras. Neste momento, já estamos a dar passos no sentido de encontrar soluções de valorização dos vários resíduos, de redesign de embalagens e de prolongamento de vida das máquinas.

Que papel vê o Grupo Nabeiro a desempenhar no futuro da sustentabilidade empresarial em Portugal?
Acreditamos que o futuro da sustentabilidade empresarial se constrói com inovação, ciência, propósito e consistência.
Herdámos um grande legado do nosso fundador, que nos honra e inspira, e trabalhamos para lhe dar continuidade e longevidade. Estamos há 4 anos consecutivos no primeiro lugar do ranking de reputação ESG da Merco. Estas duas condições colocam-nos num lugar de elevada responsabilidade e exigência perante a sociedade e as comunidades com quem nos relacionamos.
Por isso, assente na nossa experiência, nos nossos valores humanistas e na nossa capacidade de inovar, assumimos o compromisso de continuar a transformar o nosso negócio rumo a uma economia de baixo carbono, mais competitiva e resiliente. Assumimos, também, o compromisso de partilhar conhecimento e inspirar e convocar outras empresas, sociedade civil e cidadãos a participar ativamente na transição verde e justa, que é, acima de tudo, um desafio coletivo e uma oportunidade para um futuro melhor para todos. Como dizia o nosso fundador, “se todos quiséssemos o mundo seria maravilhoso, o mundo seria extraordinário!”.

Que mensagem gostaria de deixar a outras empresas que ainda não investem em projetos de economia circular?
A economia circular não é apenas uma escolha — é o caminho para um futuro mais sustentável, resiliente e competitivo. Investir neste modelo é inovar com propósito, transformar problemas em oportunidades e provar que a economia e a ecologia podem caminhar juntas. A inovação circular exige, acima de tudo, compromisso com o futuro.

De que forma este projeto contribui para o posicionamento da marca Delta Cafés enquanto empresa social e ambientalmente responsável?
Mostrando que, na Delta, inovação e compromisso ambiental e social caminham lado a lado. Essa é uma das nossas maiores marcas.

Quais foram as principais estratégias de comunicação utilizadas para divulgar esta iniciativa ao público e aos stakeholders?
Procurámos contar a história destas mantas de forma transparente, mostrando o seu impacto e propósito. Ao dar nova vida a materiais e reduzir desperdício, convidamos os nossos stakeholders a partilhar connosco este compromisso, criando uma ligação emocional baseada em valores comuns.
A comunicação foi direcionada, em primeiro lugar, para os nossos colaboradores, envolvendo-os e impactando-os com os resultados do projeto, especialmente junto das unidades fabris que tinham contribuído para a recolha dos têxteis reciclados. Posteriormente, alargámos a divulgação aos meios de comunicação, partilhando esta boa prática ambiental e social com todos.

De que forma o marketing da marca integra ações de sustentabilidade como esta para fortalecer a ligação emocional com os consumidores?
Estas ações são pontes que aproximam a marca das pessoas, fortalecendo laços de confiança, orgulho e identificação pelos valores e propósito partilhados. Somos uma marca de pessoas e para pessoas e é com este espírito de proximidade e confiança que nos relacionamos com a nossa comunidade. Acreditamos que a comunicação mais forte é aquela que fala através do exemplo e das ações.




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