Por Judite Mota
Durante cerca de 900 anos uma mesma família deteve o poder nas cortes da Europa Central. Os Habsburgos aparecem inicialmente no séc. X na Suíça e no séc. XIX continuam ainda a ocupar vários tronos, incluindo o de Espanha. Para além da proeminência das suas capacidades políticas, outra coisa nos Habsburgos era muito proeminente: o famoso queixo. Nem os melhores artistas da época podiam esconder o seu exagerado prognatismo mandibular. Há relatos de que alguns membros da dinastia nem podiam comer ou falar convenientemente. O queixo dos Habsburgos era o resultado de séculos de consanguinidade. Para manter o poder, primos em primeiro grau casavam entre si, tios casavam com sobrinhas e assim durante séculos. O queixo era provavelmente o menor dos males de tanta endogamia. Entre 1516 e 1700, entre os Habsburgos espanhóis, só dois de 11 casamentos não foram incestuosos. Aposto que já se estão a perguntar por que raio estou a falar de história.
Se começarmos a traçar a linhagem da maioria das ideias criativas actuais, vamos rapidamente chegar à sua progenitura. Não a mente brilhante de uma equipa, mas o último Cannes Lions, a última campanha de uma marca concorrente, o último trend lido no LinkedIn – esse lugar de sucesso total e permanente. Há quanto tempo a maioria das marcas anda a rearrumar os móveis para fingir que vive numa casa nova? Desde que começámos a medir tudo? E a única forma de garantir que a medida é certa é fazer o que já foi feito e medido com resultados positivos. Ou é porque a digitalização da comunicação exige uma tal voragem de conteúdo que ninguém tem tempo, paciência ou critério para demorar o tempo que é preciso para pensar numa estratégia diferenciadora, ter uma ideia original e audaz e arcar com as consequências positivas ou negativas. Será que é porque é mais confortável (esta palavra merecia todo um outro artigo!) viver na terra de todos, do que pôr o pé fora do que é familiar? Ou será que as agências agora têm um estilo e as marcas pedem igual ao que foi feito para outras?
E nem sequer é o presente que me preocupa, porque, ainda que poucas, ainda há algumas honrosas excepções. O que me preocupa é o futuro. Vi recentemente muitos trabalhos de alunos europeus de criatividade e se a qualidade dos cases e da produção era verdadeiramente impressionante, a qualidade das ideias nem tanto. Ideias a que falta contexto local, ligação à arte e à cultura, à vida real de quem anda de autocarro e ouve conversas, ou a partilha de quem atravessa bolhas não se fechando na sua. Ideias criativas que nascem de outras ideias criativas, que têm estilo mas não têm substância, não contribuem em nada para a v ida de ninguém. Se estamos a alimentar os estudantes a cases vencedores de Cannes, em breve teremos uma face tão deformada como a dos Habsburgos.
Artigo publicado na edição n.º 351 de Outubro de 2025














