Lembra-se do Spectrum? Portugal tem o primeiro museu do Mundo dedicado a este computador

Cerca de 1.500 elementos compõem o Museu Load ZX Spectrum, entre computadores e componentes bibliográficas. Mas, ainda assim, esta é apenas uma parte da colecção completa de João Ramos, profissional na área da tecnologia que criou um museu inteiramente dedicado ao computador mais popular dos anos 80.

CEO e co-fundador da Retmaker, empresa da Critical Software, João Ramos não tem dúvidas sobre a importância que o ZX Spectrum teve na sua vida. Em entrevista à Marketeer, afirma mesmo que terá sido o ponto de partida para o seu percurso profissional.

Ao longo do tempo, foi coleccionando artigos e equipamentos relacionados com esta peça tão importante do seu crescimento e, há cinco anos, começou a formar-se a ideia de um museu. Depois de um primeiro teste com bons resultados, avançou com a Câmara Municipal de Cantanhede para a edificação de espaço inteiramente dedicado ao ZX Spectrum.

Segundo João Ramos, não existe um projecto semelhante a este em qualquer parte do Mundo: «Por todo o Mundo existem museus de ciência e tecnologia que são mais abrangentes e genéricos… Mas é precisamente disso que nós retiramos a nossa maior mais-valia.»

O que leva alguém dedicado às áreas da tecnologia e saúde a abrir um museu?

Eu sou, na realidade, uma pessoa que se formou e trabalha na área da tecnologia e isso sempre atribuí a ter tido o meu primeiro computador, que decidi homenagear, e que foi o dito ZX Spectrum.

A minha ligação à área da saúde já é uma questão mais casual, fruto das oportunidades que foram surgindo. Há muitos anos, fui desafiado na Critical Software para iniciar uma nova área no sector da saúde e lancei mãos à obra. Isso levou-me mais especificamente para a área da oftalmologia e da retina e, hoje, o que fazemos é tecnologia de inteligência artificial para patologias da retina.

Quando começou a ser formada a ideia do Museu Load ZX Spectrum?

Subconscientemente já há uns anos, pelo menos cinco, visto que fui dando passos que me levaram neste sentido. De uma forma mais concreta, foi no início de 2019 que tive as primeiras reuniões com a Câmara Municipal de Cantanhede que levaram a esta colaboração. Começámos com uma exposição temporária no Museu da Pedra, espaço museológico municipal, para aferir o interesse que achávamos existir e a realidade é que correu melhor ainda do que o esperado com visitantes até internacionais. Daí foi uma evolução natural dar continuidade ao trabalho e mudarmo-nos para um espaço maior e dedicado para o propósito.

Quais foram os principais desafios à concretização do projecto?

Acho que é inevitável dizer que foi a situação que o Mundo atravessa e que afecta muito mais do que apenas este nosso projecto. Mas lançar um projecto destes neste contexto é uma demonstração de resiliência muito grande de todos os envolvidos. Os planos de inauguração já foram mudados diversas vezes e neste momento adiados mesmo. Temos oradores internacionais previstos, temos interesse generalizado de uma franja da população e temos pessoas no estrangeiro a dizer que mal termine a pandemia vêm a Cantanhede. Agora é preciso força para chegar ao fim da travessia deste “deserto”.

Quanto à construção em si do museu, claro que sendo um projecto de voluntariado/associativismo, nem sempre é fácil adequar esse contexto com o nível de profissionalismo que sempre incuto nos projectos em que estou envolvido. Mas com mais ou menos esforço, com muita paixão e dedicação, com muito amigo à volta, vai-se conseguindo ultrapassar obstáculo atrás de obstáculo. E a adrenalina de ver a obra feita e os sorrisos na cara de quem ouve falar do projecto valem tudo isso.

Há algum museu semelhante a este noutro país?

Nenhum! Por todo o Mundo existem museus de ciência e tecnologia que são mais abrangentes e genéricos… Mas é precisamente disso que nós retiramos a nossa maior mais-valia. Nós somos um museu especializado, de nicho até, mas de um nicho gigante e feito de pessoas tremendamente apaixonadas pelo tema. O primeiro computador é um bocadinho como o nosso clube de futebol (para quem gosta) e por isso desperta emoções únicas.

Nós temos a ambição de crescer e expandir de muitas formas, mas aumentar a abrangência do museu de forma não estruturada creio que seria um erro enorme.

Porquê escolher Cantanhede para abrir o museu? 

Era natural visto que eu nasci em Cantanhede e voltei a viver na cidade nos últimos anos. É, por isso, cómodo para mim e é uma forma de contribuir para o dinamismo da minha cidade, região e País.

O espaço foi fácil, visto que foi proposta da Câmara Municipal que gere o edifício e que considerou ser adequado para o fim. Eu concordei imediatamente porque, apesar de haver várias estruturas museológicas na cidade e região, defendo que as particularidades deste museu requerem algo pensado de raiz que nos ajude a ser transportado para um período da nossa vida há 30 ou 40 anos… E creio que é obvia a adequação de uma escola primária para o propósito. 

O museu é alimentado exclusivamente de equipamentos/objectos seus?

Sim, o projecto começou totalmente por aí. Eu reuni nos últimos anos uma das maiores colecções internacionais na área mas sempre com um propósito: o de contar esta história e homenagear quem contribuiu para a revolução tecnológica de uma maneira que nos tocou muito particularmente.

Desde então, claro que houve doações para a colecção que vamos divulgando no Facebook e afins. Pontualmente, também tivemos dois ou três empréstimos mas que tentamos evitar pelas dificuldades logísticas acrescidas. Diria que 95% dos objectos provem da colecção.

Toda a sua colecção está no museu ou há artigos que ainda guarda em casa? Falamos de quantos equipamentos no total?

Não, ainda há bastantes outros artigos em casa e que serão utilizados em iniciativas complementares, distribuídas geograficamente, para levar um teaser do museu ao público-alvo.

A quantificação não é fácil mas estamos a falar de mais de 100 computadores todos de alguma forma relacionados com a família Spectrum. Aqui no museu temos cerca de 1.500 registos de inventário, mas isso engloba a componente de biblioteca que naturalmente é bastante expressiva e irá certamente continuar a crescer.

Quais são os planos de comunicação para o museu? 

Tem havido pormenores deliciosos de analisar nesta fase do projecto. Diria que quando existe uma necessidade no mercado e alguém aparece com uma solução, as coisas acontecem naturalmente.

Na primeira fase do projecto, em que estivemos no Museu da Pedra, eu fui fazendo muito trabalho de dinamização, participei sempre em muitos eventos da comunidade de fãs do Spectrum em Portugal e internacionalmente. E até apostei em algum patrocínio de posts em redes sociais para aumentar a visibilidade… O curioso é que, agora que estamos a lançar o museu, já tivemos cobertura de praticamente todos os órgãos de comunicação generalistas em Portugal e nem uma press release fizemos.

Não iremos, por isso, mudar nada de especial daqui para a frente. Dentro de um nível de exigência própria muito grande, eu quero que este projecto seja conciliador e até agregador de iniciativas isoladas com valor que existem à volta do tema do Spectrum. Já o fazemos – temos no museu diversos apontamentos e conteúdos que resultam de parceiras nacionais e internacionais que ajudam a embelezar a narrativa. Ao fazermos isso, estamos próximos da comunidade – porque afinal somos apenas mais uns – e isso ajuda a passar a palavra e incentivar a que nos visitem pela riqueza da história que retratamos. Vamos, por isso, continuar a dinamizar o espaço, promovendo encontros com pessoas de referência da área, vamos realizar workshops e vamos basicamente divulgar, de um forma genuína e muito simples, o nosso trabalho. Ou seja, o nosso produto terá sempre de ser a base da nossa comunicação.

Está prevista divulgação a nível internacional?

Sim. Desde o primeiro dia que é feita dentro das comunidades digitais de pessoas ligadas ao Spectrum. E daí é que expandimos para o público em geral. Em Portugal, já demos esse salto. Noutros países como Inglaterra, Espanha ou Brasil estamos a fazer a divulgação na comunidade. Mas o objectivo é, primeiro no Reino Unido e depois em Espanha, fazer chegar a mensagem ao público em geral.

Uma das formas como o estamos a fazer é colaborar com jornalistas com trabalho feito ligado à área tecnológica e tentar publicar alguns trabalhos mais generalistas a dar a conhecer o museu. Isso surge de forma natural fruto dos contactos que temos em curso há dois anos.

Não se pode ignorar o poder de ferramentas digitais como o LinkedIn que usei vastas vezes para chegar a pessoas que me poderiam parecer inalcançáveis e onde me fui surpreendendo vastas vezes. Ainda recentemente, um amigo fez uma publicação a divulgar o trabalho e em poucos dias atingiu 100.000 pessoas apenas com shares e interacção online, sem gastar nada excepto o tempo de fazer acontecer isto. Ou seja, como o tema tem conteúdo e atrai a paixão que há em tantos de nós, as pessoas muito naturalmente associam-se e tentam ajudar e isso ajuda a espalhar a palavra e ajuda-me a chegar a quem me pode contar o que foi viver tudo isto em primeira mão.

De que forma os planos foram alterados pela pandemia? Qual é a data de inauguração do museu?

Totalmente afectados pela pandemia, excepto na vontade agora concretizada de lançar o novo museu. Não temos neste momento data de inauguração porque, sinceramente, o que queremos fazer não se coaduna com as regras naturais a que temos de obedecer. Por isso, vamos ver como evolui a situação e temos sempre o mês de Abril para celebrar o 39.º aniversário do Spectrum. Se for possível nessa altura, faremos todos os caminhos virem dar a Cantanhede para quem gosta do tema do Spectrum.

Texto de Filipa Almeida

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