«Nada substitui a televisão»
A TV continua a ter papel preponderante no planeamento de meios das marcas, mas o aumento do consumo não linear coloca sérios desafios. O futuro dos meios tradicionais deu o mote ao recente pequeno-almoço debate da Marketeer com responsáveis de Comunicação.
Texto de Daniel Almeida e M.ª João Vieira Pinto
Fotos de Pedro Simões
As marcas, em geral, ainda estão à procura da melhor forma de se adaptarem ao novo paradigma de consumo de media. O surgimento da televisão não linear e dos serviços de streaming (primeiro de música, depois de televisão), a proliferação de ecrãs, a mobilidade… estas e outras tendências têm contribuído para a fragmentação das audiências. E as marcas têm vindo a tactear, a experimentar novas formas de transmitir as suas mensagens com a maior eficácia possível, para os públicos certos, dando origem a novas expressões que entraram (para ficar) no léxico de todos os marketeers, tais como “omnicanalidade”, “comunicação 360º” ou “social media marketing”.
Este foi o tema que deu o mote ao 5.º pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis de Comunicação de empresas das mais variadas áreas. Uma conversa onde se reflectiu sobre os meios de comunicação emergentes, como o digital ou as redes sociais, mas sobretudo sobre a relevância e o papel actual dos meios tradicionais – ou seja, televisão, rádio e imprensa.
Foi, de resto, a “caixa mágica” que suscitou o maior número de dúvidas e opiniões à volta da mesa. Certezas, apenas uma: a de que «nada substitui a televisão».
«A televisão aerial em Portugal consegue neste momento para os anunciantes aquilo que mais nenhum outro meio consegue, que é um nível de cobertura muito eficaz num espaço relativamente curto de tempo. Um anunciante que tenha a necessidade de passar uma mensagem a muita gente num curto espaço de tempo, ou faz televisão aerial, ou não consegue chegar aos públicos de forma transversal», concordaram os participantes. O que, ressalvaram, não impede que sejam – como, aliás, têm sido – explorados novos canais complementares!
Carla Santos (Banco Popular), Catarina Pádua (Vila Galé), Cristina Tavares (Fidelidade), Cristina Viegas (RTP), Frederico Paiva (Samsung), Inês Veloso (Randstad), Joana Garoupa (Siemens), José Veríssimo (ISEG), Leonor Dias (Vodafone), Nuno Pinto de Magalhães (SCC), Roberta Medina (Rock in Rio) e Rodrigo Esteves (Liberty Seguros) foram os convidados presentes no pequeno-almoço debate promovido pela Marketeer.
Desafios da TV não linear
Um dos maiores obstáculos com os quais os anunciantes e os produtores de conteúdos televisivos se deparam está relacionado com o consumo não linear de televisão. O famoso “botão de andar para trás” na box dos operadores veio, por um lado, conferir maior liberdade aos espectadores mas, por outro, é «assustador» para os players que alimentam o mercado. Este é um problema que está a montante, consideram os responsáveis presentes no debate da Marketeer, fazendo uma analogia entre o que aconteceu com a imprensa com o surgimento da internet, em que a maior parte dos conteúdos informativos passou a estar disponível de forma gratuita, quer nos websites, quer através das newsletters que hoje pulam nas caixas de email. «Os operadores [de televisão] começaram a trabalhar abusivamente em cima de conteúdos que não lhes pertencem, para os quais não têm direitos. De alguma forma, isto devia ter sido criado como um modelo de negócio e não como uma oferta “tout court”. É mais uma funcionalidade que foi oferecida aos consumidores e agora é difícil voltar atrás», lamentam. E vão ainda mais longe: «A televisão é o maior produto gratuito de que o consumidor beneficia.»
Além disso, há uma repartição de culpas no que respeita à duração dos blocos publicitários, que ajudou a fomentar uma certa aversão dos consumidores. «Vimos de um ciclo de blocos publicitários de 20 minutos, portanto, também formatámos o consumidor a “fugir”», consideram.
Uma das soluções, e que tem sido tema de conversa entre produtores e distribuidores de conteúdos televisivos em Portugal, é a possibilidade de inclusão de blocos ou microblocos publicitários antes da visualização de conteúdos on-demand, à imagem do que acontece, por exemplo, no online e nas aplicações de streaming. Este, explanam, é um modelo que «devia ter sido pensado de raiz», mas que «ainda pode ser pensado». E que até tem a favor o facto de a maior parte dos consumidores, sobretudo os mais jovens, estar já habituada a este formato publicitário, pois «sabe que tem que haver um trade-off para que possa ver os conteúdos».
Mas acima de tudo, defendem os intervenientes no pequeno-almoço, é importante garantir a manutenção de uma «ferramenta que é extremamente relevante». «Está toda a gente a correr atrás de novas soluções, e é verdade que temos de correr atrás da segmentação nos vários tipos de canais. Mas será que não estamos a desperdiçar um canal [televisão] que era extremamente eficaz?», questionam os intervenientes.
Foco na comunicação integrada
Apesar de a televisão FTA (free-to-air ou de sinal aberto) continuar a ter um papel fundamental no que toca à cobertura das campanhas publicitárias, a generalidade das marcas tem vindo a trabalhar outros formatos, numa lógica de complementaridade – de meios, mas também de conteúdos. «Hoje as marcas não trabalham só para os 20” ou 30” de spot televisivo. Fazem conteúdo que depois declina em peças no digital, têm a preocupação de ter conteúdo extra nas redes sociais, que vão além do que as pessoas visualizam em televisão», constatam os responsáveis. «Ter o mesmo conteúdo multidevice não chega, não é apelativo. Qualquer campanha já prevê o digital como um meio tão ou mais importante do que o mupi ou a rádio», sobretudo pela possibilidade de segmentação e conversão directa, reiteram.
A própria activação de marca, como forma de oferecer experiências ao consumidor, tem vindo a ganhar cada vez mais relevância nesta lógica 360º, podendo depois ser ou não empolada pela difusão televisiva. Neste âmbito, um dos desafios para as marcas passa por evoluir do tradicional product placement para uma presença muito mais natural da marca nos conteúdos, que podem ir desde séries televisivas a eventos de música. Trata-se, defendem os intervenientes no pequeno- almoço da Marketeer, de criar branded content que seja capaz de gerar interesse em torno de um determinado assunto, mesmo sem estar directamente associado à marca! E exemplificam: «Se as pessoas gostam de culinária, então uma marca de cerveja entra nessa conversa com mais subtileza.» E aí, garantem, ganha não só a marca que está associada ao conteúdo, mas toda a categoria (neste caso, de cervejas).
«Não é product placement. É conseguir criar de raiz um conteúdo relevante para o consumidor e que tem um fit perfeito com a marca, de tal forma que quando ela passa ali não parece product placement; ela está ali porque é o lugar dela!», concluem.
Millennials vs. seniores
Hoje, as marcas estão muito preocupadas em chegar aos millennials, mas a realidade diz-nos que há um outro target em Portugal, de grande representatividade e com maior poder de compra, que não deve ser ignorado: os seniores. Mas será que as marcas têm dado a devida atenção a este público? De acordo com os intervenientes no pequeno-almoço debate da Marketeer, é verdade que, em termos de planeamento de meios, a maior parte dos anunciantes trabalha targets comerciais «até ao limite máximo de 54 anos».
Contudo, é preciso ter em linha de conta que este é um target muito específico, que tende a ser mais fidelizado nalgumas categorias de produto do que noutras. Em categorias como as telecomunicações ou as novas tecnologias, os seniores tendem a pedir recomendações junto das pessoas que lhes são mais próximas (geralmente filhos ou netos); noutras categorias, como a banca ou os seguros, os níveis de fidelização são mais elevados, não tanto por inércia, mas porque há um capital de confiança que foi construído ao longo dos anos.
Outras categorias há em que a inovação (mais do que a comunicação) é um importante eixo de segmentação. É o caso das cervejas, por exemplo: as cervejas artesanais ou premium apelam mais ao target senior do que as cervejas correntes.
«Existem dois tipos de produtos: os que são específicos para este target, e aqueles produtos de nova geração, em que a pessoa procura o aconselhamento», resumem os participantes. Desta forma, defendem, mesmo que algumas campanhas e acções não apelem directamente aos seniores, acabam por fazê-lo de uma forma indirecta.
Ainda de acordo com os responsáveis, é premente repensar o que são os seniores, nomeadamente de que faixa etária estamos a falar e quais os seus hábitos de consumo.
O termo “seniores” continua erradamente associado à “terceira idade”, quando, na verdade, este é um target que, hoje, é bastante activo, que se inscreve na faculdade, que utiliza as redes sociais, que está mais familiarizado com as novas tecnologias… Perceber e interpretar esta mudança será um dos principais desafios das marcas nos próximos anos. «Preocupamo-nos muito em perceber onde é que os millennials estão a consumir, o que é que eles querem, o que é que vêem… mas às vezes esquecemo-nos de como é que este grupo [seniores pode estar a consumir», concluem.
Artigo publicado na edição n.º 243 de Outubro de 2016.