Web Summit: Quem ganha com a Web3?
Se a Web1 está, basicamente, assente na ideia de que o utilizador lê informações, sendo um canal unilateral; e se a Web2 é o período que vai do início dos anos 2000 até agora, onde essencialmente o utilizador lê e escreve informações, porque talvez esteja a enviar vídeos para o YouTube ou a escrever um blog, sendo uma transferência bidirecional; a Web3 tem tudo a ver com valor e propriedade. É a ideia de que cada utilizador pode trocar valor entre pares ou com empresas. «E existe porque agora temos a tecnologia de blockchain que nos permite transferir valor com segurança de uma pessoa para outra. Assim que conseguirmos fazer isso, teremos realmente a capacidade de ter uma verdadeira propriedade digital, uma propriedade segura de bens digitais. E por causa disso, podemos criar todos os tipos de produtos incríveis», assegura Robby Yung, CEO da Animoca Brands, num momento que esteve em palco no Web Summit com Pierre-Nicolas Hurstel, CEO da Arianee, para falar do tema “Web3: Winning over gen Z and generation Alpha”.
Na perspectiva de Pierre-Nicolas Hurstel, a Web3 é apenas uma extensão das propriedades do mundo físico para o mundo digital. «No mundo físico, a pessoa realmente possui as suas coisas. On-line, até agora, o utilizador é o produto: troca dados com serviços, compra coisas em jogos, mas não é proprietário delas, não controla os dados. O objectivo da Web3 é dar a cada um de nós o poder de possuir os nossos dados.»
Mas, então, como é que isso funciona? Trabalha com novos conceitos técnicos. O primeiro é “wallet”, que é como um cofre digital, um espacinho na internet em que o utilizador controla porque tem a chave, explica o CEO da Arianee. Dentro deste pequeno espaço o utilizador pode colocar os dados de que é proprietário. E esses dados podem ser coleccionáveis, pode ser uma foto de perfil ou algo que acabou de comprar no metaverso.
Pierre-Nicolas Hurstel acredita que a mudança de paradigma é este momento em que o utilizador possui os seus dados e os controla, em vez de distribuí-los para pessoas ou empresas que os revendem. «É isso que a Web3 vai mudar. Vai muito além do hype, dos itens coleccionáveis, dos valores de mercado. Tudo isso é apenas o começo desta tecnologia», assegura.
Se pensarmos que ao longo dos anos, durante a Web2, as pessoas gastaram dinheiro real ou virtual a adquirir bens virtuais em jogos, mas que não são donas destes activos, apenas os alugam, talvez se comece a perceber o que é que está a mudar.
Com a Web3, há a capacidade de realmente oferecer a propriedade desses bens digitais às pessoas. «Quando pensamos sobre isso num contexto de metaverso, o que estamos realmente a fazer é a redefinir a ideia de como criamos software. Tradicionalmente, os jogos ou as experiências multijogador, coisas como Minecraft, Roblox ou Fortnite, são como silos. Na verdade, não se pode levar as coisas que se compra em qualquer um desses espaços para outro. Ora se eu possuir essas coisas, devo poder levá-las para onde quiser. Esse é um dos principais fundamentos da propriedade. O Metaverso consiste realmente em derrubar as barreiras entre o software e vincular essas experiências à infraestrutura da Web3 para permitir que cada utilizador leve os seus produtos digitais de um lugar para outro», comenta Robby Yung. Mas reconhece que é preciso tempo para conseguir construir o metaverso. «Desenvolver esses mundos online leva muito tempo. Não se trata de falta de adopção do metaverso, mas sim do facto de que essas mudanças na tecnologia levam tempo.»
Pierre-Nicolas Hurstel acrescenta que aquilo que se descobriu nos últimos dois anos é apenas a ponta do iceberg de como podemos ser capacitados com os nossos próprios dados e como isso muda a forma como interagimos. «Infelizmente a infraestrutura não está pronta para disponibilizar isso imediatamente para todos.» Apesar de defender que todos os jogos deveriam estar habilitado para Web3 e que todos os activos deveriam ter dados tokenizados, o CEO da Arianee admite que, hoje, ainda é preciso ser-se um especialista ou encontrar marcas ou ambientes que facilitem o início do seu onboarding.
Ainda assim, não tem dúvidas de que este é o momento certo para Web3 não só porque os cookies acabaram, mas também porque os reguladores estão atrás da exploração de dados pessoais. Além disso, sublinha, as gerações jovens já não toleram ser o produto. Acresce ainda que passamos, cada vez mais, o nosso tempo online. Na Ásia, uma pessoa passa, em média, cerca de 10 horas por dia online. Portanto, é um espaço muito importante. Além de que, as gerações mais jovens, fazem cada vez menos distinção entre o valor das coisas no espaço online e no mundo físico. Os miúdos que jogam Roblox, Minecraft ou Fortnite pedem como presentes de Natal crédito nesses jogos. «Eles querem comprar bens virtuais porque para eles esses bens virtuais têm valor», sublinha Robby Yung, salientando, no entanto, que para as gerações mais velhas é mais difícil compreenderem a ideia de que os bens virtuais deveriam ter um valor equivalente aos bens físicos. «À medida que nos envolvemos com públicos cada vez mais jovens, esta ideia de que os bens virtuais têm de ter propriedade e valor será apenas um conceito natural.»
Mas, questiona Pierre, como é possível que seja permitido vender a pessoas, em jogos, bens virtuais que elas realmente não possuem? Não é esse o problema? «Muitos utilizadores gastam 100 dólares em Fortnite todos os anos por algo que não possuem realmente», lembra, frisando que esta nova tecnologia está a dar-lhes a possibilidade de ser efectivamente donos dos seus bens.
Valor para os criadores
Robby Yung partilhou com a assistência do Web Summit alguns números que são exemplificativos do valor do mercado. No ano passado, cerca de 36 bilhões de dólares foram gastos em NFT e desses 90% foram para criadores. Ou seja, 32 bilhões foram para os criadores. O CEO referiu que provavelmente 20 milhões de pessoas em todo o mundo possuem algum tipo de NFT, e que provavelmente apenas 10% delas possuem activamente esses NFT. Ou seja, um total de dois milhões de pessoas que gastaram 32 bilhões de dólares que foram para os criadores. Em comparação, no Spotify – a maior plataforma para criadores na Web2 que tem 900 milhões de assinantes – os pagamentos de royalties aos criadores no ano passado foram de cerca de 7 bilhões de dólares. O que representa cerca de um quarto dos NFT. «É realmente injusto porque os criadores estão, essencialmente, a ser explorados num ambiente onde não têm outra escolha.»
Perante estes números Pierre-Nicolas Hurstel recomendou que cada um dos presentes na sala pensasse em si próprio e em como as plataformas estão a vender os seus dados pessoais. «Podem ver isso do ponto de vista criativo, do ponto de vista do anunciante ou do ponto de vista do utilizador. O facto de podermos possuir os nossos dados irá mudar tremendamente todo o modelo de negócio da Internet, que está a tornar-se todo o modelo de negócio da economia», disse em jeito de alerta.
Texto de Maria João Lima