Por Andreia Ribeiro, Creative director da Fuel
O pensamento lateral, conceito popularizado por Edward de Bono, tornou-se um clássico na nossa indústria. Qual é o criativo que não tem um exemplar na estante ou no dispositivo de leitura digital ou nos reels guardados do Instagram?
No entanto, o melhor exemplo de pensamento lateral com que já me cruzei brotou da cabeça de um matemático durante a II Guerra Mundial.
De uma forma resumida, o que sucedia era o seguinte: os aviões que regressavam do combate com buracos de bala eram analisados para se perceber onde reforçar a estrutura, de modo a aumentar a chance de sobreviver a futuras batalhas. Os engenheiros olhavam para as zonas mais atingidas e reforçavam-nas. Ok, tudo certo, um problema, uma solução óbvia.
Mas o pensamento lateral não gosta da solução óbvia, como sabemos.
Vai daí, Abraham Wald diz assim: oh, pára tudo! Vocês não estão a olhar para isto bem. O engenheiro revira os olhos, em jeito de o que é que este quer agora? O que sabes tu de guerras e balas e aviões? Volta lá para a tua folha de Excel – que ainda carecia de ser inventado, mas não importa.
E Wald insiste: estamos a olhar para os aviões que voltaram.
O engenheiro encolhe os ombros enfatizando o óbvio da observação.
E Wald continua: se voltaram é porque os danos das balas não foram fatais, logo, devíamos estar a olhar para as zonas do avião que não têm buracos de balas e reforçar essas, porque são essas que ao serem atingidas fazem com que os aviões despenquem dos céus e não voltem para contar a história.
O engenheiro fica perplexo. O cabrão do matemático tem razão.
Pensamento lateral: é que o problema está na ausência de dados e, não, nos dados visíveis.
E assim nasce o conceito de viés de sobrevivência. Outro conceito que, tal como o pensamento lateral, parece-me muito útil para a nossa indústria. Porque sinto que caímos constantemente no mesmo erro de perspectiva – nunca olhamos para o que permanece invisível.
Como? Eu explico, senhores engenheiros, fiquem comigo. Nós, os profissionais da criatividade, também só olhamos para os aviões que voltam, para os dados visíveis.
- Celebramos todas as campanhas que foram aprovadas, e mais ainda as premiadas;
- Reforçamos os processos que “funcionam” desde sempre;
- Eternizamos modelos de concurso que “moem, mas não matam”;
- E, claro, valorizamos os criativos que “aguentam”.
E os projectos que não avançaram por serem demasiado “arriscados”? As ideias que morreram nas salas de reunião com um comentário “isso é giro mas…”? E tudo o que as agências sacrificam para entrar em concursos que não são remunerados? E, acima de tudo, os talentos que abandonaram a indústria (ou foram cuspidos) por burnout, falta de espaço ou de reconhecimento?
É possível que estejam ali os verdadeiros pontos fracos do nosso sistema.
Vale a pena olhar para os buracos invisíveis. Talvez eles estejam nos processos e na cultura das agências. Porque as ideias rejeitadas são, muitas e muitas vezes, as que mais poderiam transformar o negócio. Os talentos silenciados podem ser aqueles que mais desafiam os status quo. E reforçar os processos do costume pode muito bem também ser a nossa sentença de morte.
Em vez de celebrar só o que sobrevive, talvez devêssemos estudar atentamente tudo o que morre ao longo do processo, encolhendo menos os ombros perante o “esta indústria sempre foi assim”.
E não querendo ser chata como o Wald, se me permitem só mais um pensamento: em vez de andarmos tão obcecados com a Inteligência Artificial e com os números, talvez devêssemos olhar melhor para as nossas pessoas. Talvez sejam elas os buracos invisíveis.
E a chave da nossa sobrevivência.
Artigo publicado na edição n.º 349 de Agosto de 2025














