Seguros de saúde continuam a crescer em Portugal
O ano passado ficou marcado pelo crescimento do mercado de seguros de saúde. Este ano, a tendência deverá manter-se, à medida que os consumidores procuram alternativas viáveis ao SNS. Do ponto de vista das companhias seguradoras, o desafio passa ainda por continuar a alargar o mix de produtos.
Texto de Daniel Almeida
Fotos de Pedro Simões
Quase um quarto dos portugueses já tem seguro de saúde. Os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Seguradores (APS) revelam que, em Março do ano passado, cerca de 2,4 milhões de pessoas já beneficiavam deste produto, quando no final de 2014 o número de segurados estava abaixo da fasquia dos dois milhões.
Os números demonstram a evolução e consolidação do mercado de seguros de saúde em Portugal nos últimos anos. E em 2019, será que esta tendência se irá manter? «O seguro de saúde vai continuar a subir este ano. É inevitável, não só por força dos particulares, como também das empresas. O nível de consumo está elevado, não há muito por onde poupar, e uma área que as pessoas têm para investir é na sua protecção. Os planos de saúde, indepentemente da mossa que fizeram nos seguros de saúde, alertaram para esta necessidade», vaticinam os participantes no mais recente pequeno-almoço debate do sector de Seguros organizado pela Marketeer, no Hotel Dom Pedro Lisboa.
Ana Sereno (Allianz), João Gama (Mapfre), José Villa de Freitas (Fidelidade), Sandra Santos (Via Directa), Susana Fava (CA Vida) e Teresa Thobe (Grupo Ageas Portugal) são os profissionais que se reuniram à volta da mesa para debater o estado do sector e apontar algumas previsões e desejos para este ano.
Na opinião destes responsáveis, na base do crescimento do mercado dos seguros de saúde está sobretudo a maior percepção que as pessoas têm das insuficiências do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente o elevado tempo de espera médio para a marcação de consultas de especialidade, cirurgias e exames. E isto leva-as a procurarem uma alternativa que lhes dê acesso privilegiado ao sector privado. Para esta situação muito contribui o eco diário (ou quase) que os meios de comunicação social dão dos tempos de espera ou da própria gestão do Serviço Nacional de Saúde.
«Uma das principais vantagens do sector privado é o [menor] tempo de espera. Não é líquido que a pessoa, numa urgência, queira ir para um [hospital] particular. Mas na consulta, que é programada, não quer estar quatro anos à espera! A grande vantagem dos privados não está nas urgências, mas no atendimento», afirmam os participantes. «Há uma maior consciencialização à volta da qualidade de vida, a esperança de vida aumentou, e tudo isto tem implicação nos seguros. Há essa maior preocupação a recorrer a um serviço de saúde de forma célere, mesmo que pagando mais qualquer coisa por isso», reiteram os responsáveis.
Seguros pouco valorizados
No mercado português, os seguros obrigatórios – sobretudo o automóvel – são, por natureza, aqueles que têm uma maior penetração. Não obstante, há alguns seguros obrigatórios que, eventualmente por falta de conhecimento dos consumidores, têm uma «penetração mínima», como é o caso dos seguros de empregadas domésticas.
A par da falta de conhecimento/literacia, há, de acordo com os responsáveis do sector, uma desvalorização generalizada dos consumidores portugueses em relação a este tipo de produtos. E se isto é verdade para os seguros obrigatórios, torna-se ainda mais evidente no caso dos não-obrigatórios. Uma questão cultural, muito longe da realidade de outros países europeus, tais como a Bélgica ou a Holanda, onde este tipo de seguros tem uma penetração muito mais elevada. «Os portugueses são muito apegados à família, mas depois, na realidade, quando falamos de seguros, a maior parte das pessoas não tem, não sabe o que tem, ou não quer falar do assunto! Por vezes nem os seguros obrigatórios têm. É uma questão cultural, as pessoas não valorizam os seguros. Há muito a mentalidade de viver o dia-a-dia sem pensar no que pode acontecer no futuro», justificam os responsáveis.
A excepção à regra são mesmo os seguros de saúde, que conquistaram mercado de forma quase orgânica, porque os consumidores perceberam a proposta de valor que agregam e porque «são seguros de utilização intensiva, ou seja, as pessoas têm uma percepção de que utilizam e que dá jeito».
Dito isto, projectam os responsáveis, não é expectável que outros seguros não-obrigatórios, como o seguro de vida, registem um crescimento relevante este ano. Sendo que, no caso do seguro vida risco, existe ainda uma dificuldade acrescida à sua comercialização que se prende com própria rede de distribuição. «A nossa distribuição sempre esteve muito mais à vontade para vender os seguros obrigatórios, nomeadamente o automóvel. Os mediadores nunca sentiram muita apetência ou à-vontade para comercializar este tipo de seguro de vida. Ainda existem nalgumas companhias redes específicas de pessoas que só se dedicam à colocação e comercialização deste tipo de seguros, que durante algum tempo tiveram algum sucesso», frisam.
Além disso, «a probabilidade de venda de um seguro de vida é totalmente diferente se vendemos a uma pessoa ou um casal. O individiual praticamente não funciona; com um casal consegue-se marcar uma reunião, mas isso obriga a um planeamento que a rede de distribuição não tem. Só quando se mudar este mindset para a prospecção orientada» é que poderá haver alguma evolução, notam os participantes no debate.
Outro produto que, na teoria, poderia ganhar quota este ano é o seguro de capitalização (um produto financeiro destinado à constituição de poupanças), mas as taxas ainda não suficientemente atractivas para que haja uma evolução significativa a este nível, lamentam.
Diversificação da oferta
Certo é que, com a melhoria do contexto económico, as companhias seguradoras presentes no mercado português têm vindo a investir em novos produtos que respondem às necessidades dos consumidores e acompanham diferentes tendências de mercado. Os seguros para animais domésticos são um bom exemplo de um produto relativamente recente e que tem tido uma aceitação positiva no mercado nacional.
«É um seguro que se vende “sozinho”, porque há procura, não tanto pela rede de distribuição, mas pelos canais directos. E é um produto onde, tal como nos seguros de saúde, também há uma percepção de utilização, porque traz descontos nas vacinas, nas rações, na rede de veterinários…», afirmam os presentes. Além disso, é um produto que ajuda as companhias seguradoras a entrarem em contacto com as gerações jovens, cada vez mais preocupadas com a saúde dos seus pets. «Os jovens são influenciadores neste tipo de produto», frisam. Também os produtos relacionados com segurança digital/ cyber são cada vez mais procurados pelas empresas nacionais ou com presença em Portugal.
Num futuro próximo, a área da mobilidade deverá reclamar uma especial atenção por parte das companhias seguradoras, sobretudo tendo em conta a disseminação dos serviços de aluguer de bicicletas e trotinetes eléctricas nas grandes cidades. «São riscos recentes, com comportamentos que ainda estão a ser estudados, e portanto não é fácil avançarmos no imediato com um seguro. Não sabemos qual vai ser o comportamento das pessoas em cima das trotinetes em Lisboa», ressalvam os responsáveis do sector.
Neste campo, importa ainda destacar os automóveis autónomos que, nas próximas décadas, deverão mudar radicalmente o paradigma das empresas seguradoras, mas sobre os quais ainda recai muita incerteza.
Combater a iliteracia
Ainda continua a existir em Portugal um elevado grau de iliteracia no que toca aos seguros, «não tanto ao nível das coberturas dos seguros próprios, do que é que cada um cobre, mas da falta de consciencialização».
Para mitigar a iliteracia, as companhias seguradoras têm procurado adoptar uma linguagem menos técnica, mais humana, intuitiva e inteligível, apesar de todos os constrangimentos que se colocam em termos de regulamentação («muitas das vezes a regulamentação obriga-nos a usar uma determinada terminologia»). Um trabalho que passa muito pela comunicação interna, no sentido de ser a própria rede a sensibilizar os consumidores para as necessidades que estes têm, e que podem ser respondidas pelos seguros. «Nem toda a comunicação é visível para fora. Há muito trabalho para a rede de distribuição, para o contacto com o cliente. Pretendemos sensibilizar aqueles que contactam com o cliente. Até porque o RGPD veio limitar um pouco a nossa actividade de marketing. Queremos alertar o cliente para as necessidades de protecção que ele tem. Esse é um trabalho que vai demorar tempo e é um trabalho de todas as seguradoras, no mesmo sentido», asseveram os responsáveis.
A automatização de processos, o maior enfoque que existe nos canais e serviços digitais, apesar de todos os benefícios que acarreta, acaba por colidir um pouco com esta estratégia. «Estamos aqui num ligeiro contra-senso: por um lado, queremos estar mais perto dos clientes; por outro, perdemos um pouco essa ligação directa e o contacto de aconselhamento, que neste tipo de seguros é necessário. As duas situações podem coexistir, mas ultimamente temos estado mais preocupados com a parte tecnológica.» O ideal, defendem, será atingir um equilíbrio.
Artigo publicado na edição n.º 271 de Fevereiro de 2019.