Primeira Menstruação | Como encará-la com naturalidade

Patrícia Isidro Amaral | Ginecologista e obstetra

O aparecimento da menstruação deve ser encarado com naturalidade, mas não ignorando que se trata de um momento especial na vida da mulher.

Como encarar a primeira menstruação com naturalidade?

Deverei partilhar a minha experiência como mulher, limitar-me ao meu conhecimento e experiência como ginecologista-obstetra, ou colocar-me no papel de mãe e pensar na conversa que tenho vindo a ter com as minhas filhas? Como acredito que a nossa história e experiências nos tornam mais completas e melhores, vou tentar conciliar neste texto as três vivências. Recordo a minha experiência com carinho… o meu pai ao final do dia veio dar-me os parabéns por eu a partir daquele momento me ter tornado uma “senhora”. Conheço histórias em que os pais ofereceram uma flor, outras em que deu direito a festejo em casa, ou ainda outras em que por vergonha ou embaraço não se tocou no assunto. Não me assustei, não fiquei ansiosa… até porque a minha mãe já me tinha falado que num futuro próximo poderia acontecer aparecer-me o “período”. Foi ao final da tarde, no dia da festa do meu 12.º aniversário… após muita corrida, saltos e pulos. Outra ajuda foi o facto de ter uma irmã mais velha. Após a descoberta no armário dos pensos e tampões surgiram diversas perguntas sobre o que eram e para o que serviam… após alguma rabugice a minha irmã lá me ia respondendo às minhas questões, como sabia. De facto, o aparecimento da menstruação deve ser encarado com naturalidade, mas não ignorando que se trata de um momento especial na vida da mulher.

Uma fase da vida

A primeira menstruação, também denominada de menarca, habitualmente surge entre os 10 e os 14 anos. A média de idades tem vindo a reduzir e encontra-se nos dias de hoje entre os 12 e 13 anos. O aparelho genital feminino é constituído pelos genitais externos, também denominados por vulva, pela vagina (genericamente falando, um tubo oco que se estende desde a vulva até ao útero), pelo útero, pelas trompas (que se estendem desde o útero até aos ovários) e pelos ovários.

Com o aparecimento da primeira menstruação, inicia-se o ciclo menstrual, que engloba um processo bastante complexo de eventos encadeados entre o nosso cérebro, os ovários e o útero, com as hormonas a exercerem as suas acções.

No ciclo menstrual, existe uma produção cíclica de hormonas aliada à proliferação e espessamento da camada interna do útero, onde um dia – quem sabe – se desenvolverá e crescerá um bebé.

A nível do ovário, na primeira fase do ciclo, existe um desenvolvimento de folículos em que um se desenvolverá mais (o folículo dominante). Este libertará um óvulo ocorrendo a ovulação. Desde a ovulação até ao aparecimento da menstruação em média são 14 dias. Com estes processos sincronizados dos ciclos ovárico e uterino, todos os meses, de forma cíclica, o útero se prepara para uma eventual gravidez. Quando o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, progride desde a trompa até ao útero, onde pode ficar “aninhado” e iniciar-se uma gravidez. Na presença de gravidez, a menstruação não surgirá.

Nos primeiros três anos após o aparecimento da menstruação, os ciclos podem ser irregulares devido à imaturidade da parte do cérebro que comanda estes acontecimentos. Com o passar do tempo, os ciclos tendem a ser cada vez mais regulares, normalizando o intervalo entre eles, dependendo este intervalo de mulher para mulher. A duração dos ciclos pode variar entre os 21 e 35 dias, sendo uma minoria as mulheres que têm ciclos menstruais de 28 dias, ao contrário da ideia generalizada de que se trata da maioria. Falo naturalmente em ciclo menstrual e não em ciclos secundários à toma de contracepção hormonal, com a presença de hemorragia de privação durante o período de pausa.

Os sintomas

E por que podem ocorrer sintomas como dor na barriga durante a menstruação? Em todos os ciclos em que não resultou uma gravidez existe uma descamação da camada interna do útero, que se traduz na perda de sangue, e esta descamação é acompanhada por contracções do músculo do útero, que podem causar dor. Como estas contracções são mediadas por substâncias chamadas prostaglandinas, os fármacos seus inibidores, como os anti-inflamatórios, são bastantes eficazes no controlo da dor. Uma dica importante é a toma da medicação para a dor menstrual, também chamada de dismenorreia, logo no início da dor, porque, após a sua instalação, o controlo da dor é mais difícil. A aplicação de calor na zona da barriga também ajuda nestes dias mais difíceis.

E ao que se devem as mudanças de humor ao longo do ciclo menstrual? Os níveis de endorfinas variam ao longo do ciclo, com um pico na segunda fase do ciclo após a ovulação e níveis mais baixos durante a menstruação. Os seus níveis baixos durante a menstruação podem contribuir para alguns sintomas de irritabilidade, mudanças repentinas de humor, e todos os sintomas interpretados como “mau feitio” dessa fase!

E quem ainda não ouviu ideias como … “Ah, estás menstruada, é melhor não cozinhares, porque o bolo não vai crescer”… o bolo até pode não crescer, mas certamente será por outra razão… Talvez por se ter esquecido de colocar algum ingrediente da receita. E em relação a lavar o cabelo enquanto estamos menstruadas? Felizmente que não temos de andar toda a semana com o cabelo colado à cabeça por estarmos menstruadas. Podemos lavar o cabelo sem problema durante o duche quentinho, que até pode aliviar as eventuais dores menstruais. E em relação ao desporto? O desporto até pode ser uma ajuda valiosa para esta fase! A realização de actividade física aumenta a libertação de endorfinas, que são responsáveis pela sensação de bem-estar. Claro que se as dores menstruais são intensas, ou as perdas de sangue abundantes, que não tornem confortável ou exequível a sua realização, essa situação deve ser respeitada.

Apareceu-me a menstruação! E agora? Agora já somos “senhoras” como me disse o meu pai. Um dos pontos importantes é que temos de perceber a qual método nos adaptamos melhor para estes dias: serão os tampões? Os pensos? Ou o copo menstrual? A escolha varia de mulher para mulher. Nenhum deles é contra-indicado para jovens que não tenham iniciado a vida sexual, mas alguns são mais difíceis de colocar mediante a anatomia de cada jovem. A troca regular e frequente dos tampões, pensos ou copo menstrual também é importante. Outro ponto de relevo é o do reforço da higiene íntima. Esta deverá ser feita com um produto especificamente desenvolvido para esse efeito, com características de pH adaptadas à higienização da zona íntima.

Um caso

Vou aproveitar uma história real de um colega que naquele dia estava sozinho em casa com as filhas… e que de repente ouviu a filha mais velha chamar e dizer: “Pai, pai… apareceu-me o período.” Naquele momento, o caos instalou-se. Não fazia ideia de onde estava o “material” necessário para ajudar a filha, e na verdade nem sabia de que “material” iria necessitar! Era uma azáfama naquela casa, com a realização de múltiplos telefonemas para a mulher a pedir ajuda. Outra questão presente no seu pensamento era que palavras deveria utilizar para felicitar a filha. E ao mesmo tempo tomava consciência de que “bem… a partir de agora a minha filha pode engravidar!”. Ter uma conversa descontraída de forma a antecipar este dia será mais fácil e o ideal. A forma em como tenho vindo a abordar o assunto com as minhas filhas tem passado por explicar que se trata de uma evolução natural de crescimento e desenvolvimento feminino, e que na verdade deve ser interpretado como um sinal de saúde. Este acontecimento deve ser encarado com positivismo e alegria, já que se trata de um marco importante na vida de uma mulher, sendo também um sinal que num futuro “lá para daqui a alguns anos” (são as minhas filhas…) o corpo está preparado para ter bebés. Tento sempre evitar a célebre frase “o papá explica o resto”… até porque cá por casa é habitual ouvir… “a mamã é que é ginecologista”. Esta conversa e explicação podem e devem ser feitas independentemente de se tratar da mãe, do pai, da irmã ou irmão mais velho ou familiar próximo… o importante é que se vá abordando o tema com antecedência de forma a ser um acontecimento esperado e não surpresa.

E em modo de conclusão, e reflectindo sobre como devemos encarar a primeira menstruação com naturalidade… “Viva la vida”, e vivam as nossas hormonas que comandam os nossos dias e toda a nossa vida. A primeira menstruação não deixa de ser um marco importante, já que mais vida poderá advir a partir daí.

Factores desencadeadores

Um dos factores que se tem mostrado mais determinante para o seu aparecimento tem sido a proporção de tecido gordo na constituição de cada menina. Habitualmente os sinais físicos associados ao desenvolvimento da puberdade seguem uma sequência ordenada. Constata-se inicialmente o desenvolvimento das maminhas (telarca), depois o progressivo aparecimento dos pêlos púbicos (pubarca), seguido de um pico de crescimento em altura, e por fim então o aparecimento da primeira menstruação. Após o aparecimento da primeira menstruação, o corpo da adolescente continua em desenvolvimento, tornando-se cada vez mais próximo do corpo da mulher em idade adulta. 

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

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