Para sempre é muito tempo
Por Judite Mota
Há dias falava com um amigo sobre arquitectura e arquitectos. E ele dizia: o trabalho deles é muito diferente do nosso. Com o nosso ele referia-se ao trabalho de um criativo publicitário. E sim, é muito diferente como qualquer um pode afirmar, mesmo que não seja nem publicitário nem arquitecto. As diferenças são tantas que talvez seja mais fácil encontrar o ponto comum: ambos têm como produto uma expressão criativa. Mas uma perdura séculos no tempo. A outra não. Imaginem a responsabilidade, o produto da tua criatividade vai permanecer para além da tua vida. Na publicidade é raro isso acontecer. Alguns mantêm-se como bons exemplos mesmo antes de haver internet – Bernbach, Ogilvy –, outros permanecem como curiosidades, outros ainda transformam-se em memes, a maioria fica no grande cemitério de servidores cheios de lixo criativo algures espalhados pelo mundo. E quando digo lixo não o digo em sentido pejorativo, é lixo porque já não serve a sua função. Ao contrário do produto criativo da arquitectura, têm uma vida efémera.
O produto criativo é efémero. Mas também é bem diferente da arte efémera, intencionalmente temporária, transitória, momentânea. O produto criativo, embora efémero, anseia provocar efeitos que perdurem um tempo. Não no tempo mas um tempo. O tempo de vender alguma coisa, mudar um comportamento, recrutar para uma causa. Por isso, um bom criativo publicitário sabe que, embora o fruto do seu trabalho diário tenha os dias contados, é preciso fazê-lo com intenção de imortalidade. Como se fosse para sempre. Que seja tão bom que consiga mudar alguma coisa para melhor; tão bom que consiga não ser invisível, ofensivo ou irritante; tão bom que respeite a inteligência do interlocutor (já não há destinatários passivos); tão bom que perdure na memória humana e não apenas na digital. Tão bom que não dê vergonha alheia. Ou própria.
A digitalização veio acelerar todos os tempos e a tentação de fazer a despachar – porque amanhã já ninguém se lembra disto – penaliza tanto os bons criativos como afecta as boas marcas. E se sabemos que nem mesmo a um nível quântico algo permanece verdadeiramente. Tanto os bons criativos como as boas marcas perseguem, desde há muito, esse tal momento de permanência. Esse instante em que uma mensagem tem significado, relevância, tem interesse, tem eco nos outros.
Um bom criativo publicitário cria como se fosse para sempre.
Mesmo sabendo que não é.
Artigo publicado na edição n.º 341 de Dezembro de 2024