Opinião de Pedro Rodrigues (Desafio Global): Comprar eventos num folha de excel
Por Pedro Rodrigues, Director-geral da Desafio Global
Quando a busca da eficiência das grandes empresas os leva a correrem o risco de serem… ineficientes!
A eficiência empresarial leva a que as grandes empresas procurem criar departamentos de compras para maximizarem a poupança na compra de produtos e serviços. Nestes departamentos, que são especialistas em folhas de cálculo, consultam obstinadamente o mercado numa busca constante pelo produto que necessitam, ao melhor preço e a pagar o mais tarde possível.
Imaginemos uma destas empresas, que estime comprar 75 mil resmas de papel por ano. Vai definir a gramagem do papel que pretende, periodicidade e locais de entrega do produto, e lançar um concurso para vários fornecedores. Irá, igualmente, impor as suas condições de pagamento independentemente da justiça dos prazos que ditar.
Os armazenistas e distribuidores que possam concorrer farão igualmente as suas contas, procurando ter uma margem mínima de lucro no negócio, considerando igualmente os prazos alargados de pagamento impostos pelo cliente. E, quando esses departamentos de compras passam das resmas de papel, e outros produtos objectivamente comparáveis, para a compra de serviços intangíveis como é o caso de um evento?
Aí, nem sempre corre bem.
Excepção feita aos poucos departamentos de compras com experiência e, acima de tudo, sensibilidade para a compra de eventos, assistimos muitas vezes a processos kafkianos com resultados por vezes medíocres.
Assistimos então a concursos onde são pedidas propostas de eventos a 5, 7 ou até mesmo 20 candidatos. Disse deliberadamente candidatos e não agências de eventos porque, no leque de empresas consultadas, encontramos muitas vezes empresas de audiovisuais, de catering, espaços, empresas de design e outras. Sim, para organizarem um evento.
A empresa que lidero, por política própria e por princípio, não participa em concurso onde estejam mais de três empresas. É uma questão de bom senso, porque é impossível comparar propostas de 20 empresas diferentes, com tantas variáveis diferentes, o que faz com que o trabalho de dezenas de profissionais, ao longo de dias ou semanas, se perca no slide final do orçamento. Uma proposta para um evento, bem feita, demora muitos dias, por vezes semanas, e envolve diversos profissionais desta área. Gestores de eventos, estrategas, designers 2D e 3D, copies e um vasto leque de fornecedores. Isto representa um muito elevado investimento, do organizador de eventos, em pessoas e recursos e esses recursos têm, obviamente, um custo. Custo esse, de elaboração da proposta, que o cliente em Portugal não remunera.
Tudo isso é feito na expectativa da agência ganhar o concurso e, na remuneração da organização do evento, compensar todo o investimento feito.
Mas quais as possibilidades de ganhar um concurso com cinco ou 10 agências a concurso? 5% ou 10% de probabilidades, numa correlação percentual directa? Ou um pouco mais de possibilidades se a proposta for efectivamente boa? Uma agência de eventos consegue sobreviver se tiver sempre os seus recursos alocados à elaboração de propostas que estatisticamente terá poucas probabilidades de ganhar? E aqui chegamos ao tema mais paradoxal destes processos, quando o cliente envolve o seu departamento de compras e, acima de tudo, se este não mudar o seu mindset habitual.
Muitos destes processos, com várias agências a concurso, levam a que estes departamentos tentem tipificar as várias propostas em linhas de Excel comparativas de preços. Mesmo em processos onde é solicitado o histórico de eventos, os recursos próprios das agências e referido no briefing que se procura “o melhor evento possível”, a tendência é que o foco seja no orçamento. Por vezes, por incapacidade em comparar propostas, ou por facilitismo e, outras vezes ainda, porque no fundo essas áreas de compras nas empresas existem, e são avaliadas, por comprarem “o melhor possível” ao nível do preço e não da qualidade.
O que é que acontece quando existem várias empresas de eventos num processo destes, muitas vezes com graus de experiência muito diferentes e com maior ou menor empenho na elaboração de uma proposta e um orçamento? Acontece, e já aconteceu, que vão elaborar uma proposta com um orçamento menos bem calculado, por negligência ou especulação, e, aquando da comparação de propostas, vão aparecer destacadas como “um bom negócio” para quem compra.
Não existindo amostras do produto, não existindo especificações técnicas, como na compra de produtos, sendo a venda de um evento algo intangível, vamos assistir a alguns desses departamentos de compras a comprarem “gato por lebre”, crentes de que estão a fazer brilhantemente o seu papel.
Assistimos assim à organização de eventos por pessoas e entidades sem manifesta capacidade para o que estão a fazer, com orçamentos subdimensionados e fornecedores mal pagos ou de fraca capacidade técnica. E é nesse momento, em que as coisas podem correr muito mal, que percebemos que muitos destes processos, que buscam a eficiência, se tornam de facto num risco real para as organizações.
O problema não são os departamentos de compras. Entendo e respeito as necessidades – que são, muitas vezes, internacionais – de seguir regras de compliance e até mesmo de garantir a optimização dos recursos financeiros da empresa. Existem departamentos de compras tão eficientes como os próprios departamentos de marketing ou a administração, porque entendem efectivamente que o que custa menos também vale efectivamente menos e, no limite, não está sequer alinhado com os padrões da sua empresa.
Oxalá fossem todos assim.
Artigo publicado na revista Marketeer n.º 326 de Setembro de 2023