O sector vai mudar

É notório. Grandes mudanças estão a ser realizadas na indústria seguradora. Desde o redesenho do sector ao  vislumbre de um novo posicionamento da comunicação.

O sector está a movimentar-se e muito, «desde o canal de distribuição à comunicação, tudo vai mudar». É um sector «mais aberto, vamos aparecer mais às pessoas e de outra maneira», esta certeza é comum aos presentes na mesa. Embora ressalvem: «Falta- nos mais audácia e coragem para sermos mais directos e objectivos na comunicação.»

A indústria seguradora tem pautado a sua acção, ultimamente, pela inovação de produto, de abordagens, de activação da marca, de necessidades que estão a ser tratadas pelas seguradoras, porventura substituindo outras indústrias. É um sector que tem “engordado”, ou seja, o seu papel tem crescido em importância, nomeadamente através da responsabilidade social e enquanto acelerador da economia.

Agora quais os passos a seguir? No pequeno- almoço que decorreu no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, tentámos responder a esta e muitas outras questões. Presentes estiveram João Madureira Pinto (Tranquilidade), Andreia Sepúlveda (Eurovida e Popular Seguros), João Gama (MAPFRE Portugal), Ester Leotte (AdvanceCare), Paulo Bracons (AXA Portugal), José Villa de Freitas (Fidelidade Seguros), Manuel Leiria (Açoreana) e Susana Fava (CA Vida).

Retribuição à sociedade

«É importante as pessoas terem bem presente a necessidade da existência de seguros e do bem que fazem.» «Ninguém vive sem seguros.» «Temos de mudar as mentalidades e fazer ver o seguro, para além do que é obrigatório, aliás a necessidade de protecção surge porque faz sentido e é seguro», teve assim início a conversa, numa mesa com 90% de representatividade do sector em Portugal.

«Não há nenhum negócio que devolva tanto à sociedade como o segurador», salientam. «É um dos sectores que retribui mais à sociedade, sob diversas formas, quer do ponto de vista social, económico, porque obviamente é um acelerador. Este é um assunto a ter em conta e deve continuar a ser abordado e desmistificado para dar a conhecer ao público em geral», consideram. «O low profile da indústria faz com que muitas coisas não se saibam », reiteram. «Também é verdade que só se fala da parte negativa, não se fala da grande fatia que é devolvida à economia, só se fala do valor cobrado aos clientes em prémios. Nós repomos a normalidade na vida das pessoas, depois de um sinistro, em termos de reparações, indemnizações, consultas médicas, pagamento de transportes… É importante apurar o número e dar ênfase à fatia que é devolvida à comunidade e dar exemplos das áreas em que este dinheiro é utilizado, nos sinistros, em impostos, no serviço nacional de bombeiros…», argumentam.

De acordo com os últimos dados compilados pela APS, o sector devolveu à sociedade cerca de 14,4 mil milhões de euros em 2013, um valor superior à verba global que recebeu dos tomadores de seguros como prémios (13,6 mil milhões de euros). «As pessoas reconhecem que o objectivo desta indústria é ajudar e resolver problemas. Por estarmos perto das nossas redes de distribuição, temos uma maior noção das desgraças que existem e batem-nos à porta situações dramáticas, a que não conseguimos ficar indiferentes», assegura.

«Outro tema curioso é o número de pessoas que esta indústria envolve. Na verdade há outro sector que tem esta particularidade: o turismo. As pessoas não têm noção do que mexem e representam os seguros.»

Depois de se definir o impacto que este sector tem na sociedade e o universo que envolve, são 77 companhias, 11 135 colaboradores e 24 351 mediadores (dados retirados do “Panorama do Mercado Segurador 13/14, da Associação Portuguesa de Seguradores), é urgente perceber: qual o futuro do negócio? Quais as prioridades de desenvolvimento? «Era interessante pensarmos em toda a cadeia de valor de negócio, desde logo de quem produz, de quem apoia, de quem comercializa e de quem compra. Se de alguma forma conseguirmos ter a perspectiva de cada uma destas entidades em relação ao futuro, o que cada uma das partes pode melhorar em benefício do conjunto, seria muito interessante.»

«Em 2016 vamos ter a Solvência II, isto vai obrigar as seguradoras a fazer algumas alterações, tem de haver um reforço de capital, este tema vai marcar o ano de 2015», sublinham os participantes.«Olhamos muito para dentro do sector, temos os problemas identificados, mas precisamos fundamentalmente de comunicar para o exterior, dando a conhecer o que é o sector. As questões ligadas à iliteracia do sector são tremendas e continuamos, apesar de já não ser uma realidade, a ser conhecidos como os das “letras pequeninas”. Ainda não conseguimos passar a mensagem do que é de facto o sector segurador», ressalvam.

«Temos de falar para fora, comunicar mais para mudar a imagem. Temos de estar consistentes internamente para podermos passar uma imagem sólida e coerente», observam os intervenientes.

Inovação na comunicação

A comunicação das seguradoras deixou de ser completamente cinzenta, isto é um facto. Posiciona-se no campo da promessa e é considerada vaga por muitos. Porém, a inovação tem sido trazida à área, na activação de eventos de desporto e de música, nos produtos, nas coberturas, no espectro da assistência, que tem sido melhorado e alargado à família, à casa, ao carro… «Portanto, um trabalho muito meritório, mas falta ainda um longo caminho a percorrer na comunicação, embora algumas companhias já estejam na linha da frente.»

Por isso a questão que se coloca é como tornamos o futuro da comunicação mais fluido e atraente?

«Tudo o que vive da comunicação é feito de “pré-conceitos”. Temos uma comunicação de todos os tipos nas seguradoras em Portugal. Se virem as directas têm sempre uma linha de humor, umas mais, outras menos. A Logo fez uma comunicação brilhante e divertida. A Ok!Teleseguro anda também nestes caminhos da irreverência. Mas nem todos os produtos podem utilizar o humor, por exemplo, comunicar o funeral com humor era de mau tom. Tudo depende, no produto automóvel é possível fazê-lo, no vida tem de se ter algum pudor, no saúde há um meio caminho. A comunicação das seguradoras não continua cinzenta, acho que há mensagens bem conseguidas. É tudo uma questão de percepção. Se calhar ainda não é a melhor, mas não é de todo neste momento cinzenta», consideram.

«Se é cinzenta às vezes é porque a regulamentação e o espartilho de ter 10 linhas de letras pequenas são algumas das barreiras para se ter uma comunicação interessante.» «Nos produtos financeiros, que envolvam a CMVM, é um verdadeiro desafio conseguir comunicar, a aprovação é muito tardia. É a melhor maneira para ninguém comunicar.»

«Como rookie nestas andanças, não sei se é cinzenta ou não, mas claramente é conservadora e jogamos à defesa. Na publicidade, aquilo que vejo, e salvo raras excepções, são loiros de olhos azuis e com um aspecto fantástico de família feliz. Na comunicação, em saúde raramente comunicamos cancro; em patrimoniais nunca comunicamos uma casa depois de ter explodido ou de se ter incendiado; em automóvel nunca comunicamos nenhuma desgraça, vamos sempre pela positiva e com aquele aspecto latino de não querer tocar na desgraça nem chegar lá perto. Temos medo de comunicar claramente quais são as “dores” dos nossos clientes e em que é que os nossos produtos podem atalhar esse sofrimento e dar algum conforto. Sinto isso, na minha comunicação e na da companhia, e depois olho para o sector e não vejo grandes diferenças. Depois vamos lá fora aos países anglo-saxónicos e vemos comunicações duríssimas enfatizando a desgraça, a falta de protecção, aquele momento difícil que destruiu o futuro de uma família. Com excepção da campanha da Fidelidade, à qual dou os parabéns e sinto como uma pedrada no charco, mas acredito que falar de morte e funeral sem atacar obviamente o problema de frente seria completamente impossível.

As directas vão por um caminho de humor, pela sua própria génese, target e carteira de clientes. Nós somos seguradoras mais tradicionais, independentemente dos canais de distribuição, falta-nos mais audácia e coragem para sermos mais directos e objectivos na comunicação.»

Mas e o que se passa na comunicação internacional? «É diferente, é mais directa.» «A comunicação de outros países é mais franca, próxima da real necessidade do seguro e na parte vida não há pudor em dizer: “Vais morrer e deixas a tua família sem nada”.» «Viram a campanha da Fidelidade sobre os funerais? É completamente directa. » «O Brasil está à frente de quase todos os mercados. Mas falo dos Estados Unidos, do México, Colômbia. Mas porquê é que isso acontece? Talvez pela liberdade criativa e pela comunicação e marketing assumirem um papel diferente em Portugal.»

«De facto as nossas necessidades de comunicação são outras, têm que ver com questões internas de posicionamento da comunicação, por sermos um sector mais resguardado e têm que ver com as questões culturais do País.»

«Mas com a actual reorganização do sector, as coisas vão mudar, aliás já está a acontecer no caso da Fidelidade. Outras companhias vão fazer diferente a partir de agora. As coisas estão a mexer muito, no canal de distribuição, tudo vai mudar! Vamos ficar mais abertos, vamos aparecer mais às pessoas e de uma maneira diferente.»

Agora por que é que a comunicação é ainda vaga? E como deve ser feito o “switch” do ponto de vista comunicacional? «Todos nos mantemos no campo da promessa, é um campo fácil, depois o difícil é concretizar e gerir expectativas. Portanto, uma das grandes dificuldades que temos tido é o nosso posicionamento. Devemos alterá-lo no sentido geral do termo e posicionarmo-nos no da prova, um campo em que no fundo “testem-nos para comprovar que de facto aquilo que dizemos fazemos”», sugerem.

Chamam ainda a atenção para o facto de que: «É muito fácil a comunicação gerar interpretações menos correctas, já que os conceitos são, muitas vezes, ambíguos.» «Um aspecto curioso e que vai levar a profundas alterações, de todos nós, é o digital. Antigamente éramos acusados de ser uma indústria de papel, “toma lá mais uma resma de produto”, a desmaterialização do papel é um importante factor de inovação, não só na venda, mas no serviço. E para nós é muito benéfico num duplo sentido, por um lado, podemos melhorar o serviço aos clientes e, por outro lado, e muito significativo nos dias de hoje, podemos reduzir e controlar custos. Ainda não estamos preparados para o fazer, porque somos um sector muito dependente do agente tradicional, precisamos de o envolver e fazer-lhe ver que o digital vai em benefício dele.»

«Outro importante ponto é que não nos sobra grande margem para comunicar, comunicar é caro. A pouca margem que conseguimos vai para suportar a venda e conquistar quota de mercado… Se fizermos crescer os orçamentos de marketing, o nosso accionista põe-nos na rua.»

«Acho que não é difícil comunicar, mas não deve ser através de anúncios de imprensa, mas sim fóruns, debates, a associação. Temos sempre um problema, a comunicação social não é fácil, porque isto são boas notícias, as más é que vendem.»

«Os orçamentos de cada companhia devem ser canalizados para a criação da imagem. Não devem ser as empresas a gabarem-se para o jornal, cada um de nós não deve fazê- -lo. Individualmente não faz sentido.»

«O que interessa dizer ao cliente que retribuímos mais “x” do que aquilo que recebemos? É mais importante dizer que os países em que o sector segurador está mais desenvolvido são os mais avançados da Europa, porque existe uma relação directa entre aquilo que se gasta em seguros e o nível de desenvolvimento do país. Os seguros apoiam o desenvolvimento das indústrias. Somos grandes investidores institucionais.»

Uma outra evidência da presença e importância da actividade seguradora para a economia é efectivamente o papel assumido por este sector enquanto investidor institucional. No final de 2013, o volume total da carteira de investimentos do sector ascendia a quase 53 mil milhões de euros (perto de 32% do PIB), o que coloca, mais uma vez, o sector segurador no topo dos investidores institucionais em Portugal, de acordo com a APS.

Fotos de Pedro Simões

Artigo publicado na edição n.º 220 de Novembro de 2014.

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