O papel do CEO na comunicação

Ainda que seja a figura de proa de qualquer empresa, o excesso de exposição mediática do CEO pode desgastar a sua imagem, sobretudo em alturas de crise. Este foi um dos temas em destaque no segundo pequeno-almoço debate da Marketeer com responsáveis de comunicação.

Texto de Daniel Almeida e Rafael Paiva Reis

Fotos de Paulo Alexandrino

O chief executive officer (CEO) de uma empresa pode ser trabalhado pelo respectivo departamento de comunicação no sentido de ser o porta-voz da organização. Contudo, não é imperativo que assim seja – outras figuras, como o director de Marketing, Comunicação, Comercial ou Relações Institucionais, poderão assumir ou partilhar a mesma função – e são muitas as companhias, sobretudo multinacionais, que optam por colocar o CEO longe dos holofotes mediáticos.

Seja por falta de skills do próprio CEO ou por decisão estratégica da companhia, vários são os modelos de integração de comunicação que hoje existem: «Depende muito do sector, do tipo de empresa e de negócio. Tipicamente, caberá ao CEO assumir o papel de porta-voz, dar a cara e ser a pessoa que se chega à frente das câmaras. Talvez seja esta a solução mais interessante, estando, obviamente, dependente das suas capacidades para desempenhar a função.»

Esta foi uma das principais ideias que deu o mote ao segundo pequeno-almoço debate da Marketeer com responsáveis de comunicação e recursos humanos dos mais variados ramos de actividade, que decorreu no mês passado no hotel The Vintage House, em Lisboa.

O evento foi dedicado aos temas da comunicação externa e da relação das empresas e marcas com os meios de comunicação social, tendo contado com a participação de Catarina Tomaz (Freeport), Carla Santos (Banco Popular), Cristina Viegas e Costa (RTP), Deolinda Nunes (Nestlé), Filipa Prenda (CH Consulting), Inês Veloso (Randstad), Isabel Viegas (Santander), Jorge Aguiar (Mercedes-Benz e Smart), Luís Roberto (presidente da Fundação BP), Ricardo Valadares (Millennium bcp) e Rodrigo Esteves (Liberty Seguros).

Quando deve o CEO comunicar?

A nomeação estratégica do CEO enquanto porta-voz da empresa foi considerada uma opção válida para alguns dos participantes no pequeno-almoço da Marketeer, embora esta decisão acarrete riscos que se prendem com um possível desgaste da imagem do mesmo, fruto de uma exposição em demasia. A solução para este eventual problema pode passar por delegar diferentes porta-vozes, escolhendo, consoante o momento ou tema em questão, a pessoa que está melhor posicionada para assumir esta responsabilidade.

Para além disso, concluiu-se que, em situação de crise, a presença excessiva do CEO pode provocar resultados ainda mais negativos e levar, no limite, ao seu afastamento da empresa. «Nesses momentos, a imagem do CEO deverá ser salvaguardada, cabendo à agência ou ao director de Comunicação servir de porta-voz. Para os imprevistos, normalmente, é o director de Comunicação porque é o que talvez tenha um conhecimento mais abrangente dentro da organização em termos comunicacionais», afirmaram os responsáveis, acrescentando que «em situações regulares de boas notícias ou comunicados, o CEO poderá desempenhar a função e até beneficia em fazê-lo».

Pese embora a questão em torno da escolha do porta-voz de uma empresa não ter resultado numa opinião unânime, ficou claro para todos os participantes que, independentemente de ser uma ou várias pessoas a comunicar interna ou externamente, deverá ser fundamental garantir a coerência do discurso. «É necessário que a comunicação seja pré-validada internamente de forma a garantir a coerência do discurso, os valores, as mensagens. Não queremos correr o risco de ter duas pessoas com discursos diferentes sobre o mesmo assunto. Tal significa que não há sintonia de estratégias na empresa», opinam os responsáveis.

Uma relação de confiança entre o CEO e o director de Comunicação foi também considerada essencial.

Relação com os media

Outro dos temas abordados no encontro foi a relação que as empresas mantêm com os media e a importância que estes podem ou não assumir na comunicação (não paga) das organizações. Para algumas empresas e marcas, os órgãos de comunicação social são vistos como um canal imprescindível para fazer passar determinadas mensagens, seja directamente ou através das suas agências parceiras, enquanto para outras não estão no topo das suas prioridades. Outras ainda acabam por não ter o tratamento mediático pretendido, seja porque os temas ou as próprias áreas de negócio – como os seguros ou o recrutamento de pessoas, enumeram os responsáveis – são considerados “pouco sexy” pelo sector.

No caso das empresas que lidam directamente e consideram os media como um canal prioritário de comunicação, «é fundamental que haja confiança e respeito pela independência editorial», sublinham os participantes no debate da Marketeer. Isto porque, defendem, uma relação de confiança «com as pessoas dos media» poderá ajudar, por um lado, a garantir uma maior visibilidade para as mensagens que se quer fazer passar e, por outro, a controlar os danos em situações inesperadas ou de crise. «A confiança é fundamental para que nos momentos bons possamos passar a mensagem, e para que nos momentos maus possamos falar com eles [jornalistas] de uma forma perfeitamente aberta e explicar o que se passa, para gerir a mensagem», reiteram.

No caso dos departamentos de comunicação que trabalham com objectivos de ROI (retorno do investimento, em português) em media específicos, torna-se ainda mais premente alimentar relações de confiança, bem como criar conteúdos que despertem a atenção dos meios de comunicação.

Certo é que, independentemente da estratégia adoptada, qualquer organização deve cultivar uma boa relação com os media. «Essa relação constrói-se, é como colocar uma semente e ir regando de vez em quando, para que dê frutos», resumem.

Definição dos media targets

Hoje as empresas, de uma forma geral, definem os seus media targets, fazendo uma selecção dos órgãos de comunicação – e por vezes, dos profissionais dentro de cada órgão – com os quais pretendem alimentar a tal relação de confiança. Mas os critérios de escolha podem ser variados, conforme deram conta os participantes no debate promovido pela Marketeer: se alguns dados, como a circulação ou o número de leitores – dando o exemplo da imprensa escrita -, são relevantes, há que ter em conta outras variáveis, como o posicionamento e valores do órgão de comunicação e da própria marca que está a comunicar.

Independentemente dos critérios de selecção dos media targets e da necessidade evidente de criar boas relações, a verdade, alertam os responsáveis em uníssono, é que a qualidade dos media constitui, actualmente, uma preocupação para todo o sector da comunicação. A pouca especialização dos profissionais, os baixos salários praticados ou os níveis de rotatividade elevados, entre outros problemas, estão na base da degradação do sector, o que acaba por prejudicar toda a cadeia de comunicação. «Hoje, a qualidade de alguns meios de comunicação social é medíocre, e esta é uma preocupação latente e crescente dos departamentos de comunicação», concluem os responsáveis.

Artigo publicado na edição n.º 222 de Janeiro de 2015.

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