O Natal. A tradição ainda é o que era?
Por Mário Barros, Cluster Operations manager da Ingka Centres para o Sudoeste da Europa e presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Centros Comerciais
A campanha de Natal sempre representou um dos períodos mais estratégicos para o setor do retalho, em conjunto com os saldos e o regresso às aulas. Tipicamente, estas campanhas compunham o calendário tradicional do setor: o regresso às aulas, com um objetivo funcional, os saldos como oportunidade de liquidação de produtos e atração de novos públicos, e o Natal, focado em compras emocionais e com um impacto significativo nas vendas anuais, que em categorias como brinquedos podia ultrapassar os 30%.
Tudo era bem segmentado e planeado, com desafios claros: os saldos, com margens reduzidas, e o Natal, marcado por uma concorrência intensa e pela pressão de compras concentradas num único mês. No entanto, na última década, com a influência de cadeias internacionais, eventos não autóctones como a Black Friday e a Cyber Monday, reconfiguraram o calendário comercial e alteraram as estratégias de consumo.
A Black Friday, inicialmente limitada a um único dia de promoções agressivas, transformou-se num período prolongado que atrai consumidores interessados em antecipar as compras de Natal. Este movimento alivia a pressão típica de dezembro, mas obriga o setor a ajustar-se a uma nova dinâmica. A Black Friday está agora integrada no calendário comercial e tem feito de novembro um mês cada vez mais relevante. Por um lado, esta situação redistribui o volume de compras, mitigando a concentração em dezembro, embora à custa de descontos expressivos. Por outro, levanta a questão de como manter o Natal como uma campanha única e atrativa.
Apesar de estarem temporalmente próximas, Black Friday e Natal operam com valores distintos. Enquanto a primeira apela ao consumo imediato, com descontos e urgência, o Natal é uma celebração da família, solidariedade e momentos especiais. Para continuar a desenvolver ambas as campanhas de forma complementar, é essencial entender e trabalhar essas diferenças. Uma estratégia pode ser usar os dados recolhidos durante a Black Friday para personalizar recomendações de presentes no Natal, ou segmentar os descontos de novembro em categorias que não competem diretamente com o foco natalício.
Ainda assim, o verdadeiro poder do Natal está na sua magia e na capacidade de criar memórias. A chegada do Pai Natal, eventos como o espetáculo no gelo do Mar Shopping Matosinhos, as decorações de Natal e outros elementos temáticos destacam esta época como algo único e insubstituível. Estes momentos emocionais não são apenas uma estratégia comercial, mas também um serviço à comunidade, especialmente para crianças, que associam estas experiências às suas melhores memórias de Natal.
Assim, enquanto a Black Friday atrai pela razão e pelo preço, o Natal continua a conquistar pela emoção e pela celebração. Campanhas que se concentrem nessa magia e na criação de momentos inesquecíveis garantirão que o espírito natalício permaneça central na experiência do consumidor, mesmo num cenário comercial em transformação.
Feliz Natal!