O luxo de pensar!

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23/09/2025
11:42
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Opinião de Ramiro Martins,  professor de Política Comercial e Marketing na AESE Business School

Em 1619, recolhido num local aquecido e confortável, Renè Descartes formulava a célebre frase “Cogito, ergo sum”. Se “Penso, logo existo”, por que concluiria Martin Luther King, mais tarde: “nada dói mais em algumas pessoas do que ter que pensar?” Não quererão “ser” ou “existir”? E Fernando Pessoa aconselhava “usar nossa cabeça, visto que a temos…!” Logo, pensar parece ser o fundamento de ser e existir.

Diz-se que, na nossa época, é difícil ter tempo para pensar. Quando se prometia que a tecnologia ia libertar tempo, dado que nos livrava de funções repetitivas, eis senão quando a tecnologia nos ocupa cada segundo. Basta olhar para a cabeça baixa, inclinada para o smartphone de todos à nossa volta e… de nós próprios.

Mas, talvez, pensar nunca tenha sido fácil e talvez nunca tenha havido tempo suficiente para fazê-lo. Ou, pelo menos, nunca pareceu termos o tempo necessário.

Na verdade, pensar sempre foi subalternizado por responder ao urgente, quando sabemos que é ao importante que devíamos dar prioridade. Pensar quando a barriga está vazia parece quase impossível.

E pensar também sempre foi perigoso, uma vez que sempre foi visto com desconfiança por políticos e ditadores, que esperam antes que se siga o seu pensamento do que ter pensamento próprio. Aceitar, nem sempre teve boas consequências. E o contrário também é verdade.

Recorde-se que Platão criou a Academia, um espaço dedicado à filosofia, meio caminho entre universidade e mosteiro, mesmo depois do seu mentor e mestre Sócrates ter sido condenado a beber cicuta por pensar demais – ou talvez por pensar aquilo que não queriam que ele pensasse.

No século XXI, o problema continua igual: a atual administração americana tem ameaçado e, efetivamente, retirado fundos a universidades, acusando-as de “focos de radicalismo liberal”. Tem reduzido programas de apoio estudantil e tentou condicionar o financiamento à promoção de uma suposta “liberdade de expressão conservadora”. Ao invés de promover o pensamento, tem procurado controlá-lo.

Blaise Pascal lembrava que a raiz dos males humanos é, justamente, essa incapacidade de ficar sozinho consigo mesmo. Alguns pensadores fugiram para os desertos, adotando uma vida eremita, para estarem sozinhos consigo mesmos e também para se precaverem dos riscos de pensar. Na verdade, só presos em si próprios teriam a verdadeira liberdade de refletir.

No século XXI, rodeados de notícias e redes sociais, não estamos muito diferentes dos nossos antepassados: ter tempo para pensar é um luxo.

O privilégio de poder fazê-lo continua, como sempre foi, desigual. Famílias com mais posses mandam os filhos para as melhores escolas. Famílias com menos posses sujeitam-se a escolas públicas mal financiadas. Famílias com mais posses limitam o tempo do uso dos smartphones dos filhos, enquanto crianças de famílias com menos posses passam mais horas em frente às TV. Os pais podem estar exaustos de longas horas de deslocação de e para o emprego, ter trabalhos mais repetitivos e menos tempo e recursos para parar e pensar.

Em conclusão, parece que ter tempo para pensar, estudar e refletir tem sido, ao longo dos tempos, um privilégio de quem tem recursos.

Pensar sempre foi uma atividade rara e árdua, mas permanece, hoje, mais que nunca, uma atividade necessária. Sem reflexão, somos vulneráveis ao erro, à tirania e à dispersão. O desafio, portanto, é antigo e atual: dar condições à sociedade para pensar (logo existir). Será o ato de resistência ao despotismo e a única forma de evitar a queda em novos períodos de trevas.




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