Os artistas Alexandre Farto (conhecido por Vhils) e Joana Vasconcelos trabalharam juntos pela primeira vez, lançando “Herança”, uma nova edição colaborativa de grande formato que “presta homenagem às mulheres das regiões rurais portuguesas”. A obra pretende também convocar o tema do “movimento das populações do campo para as áreas citadinas, trazendo consigo práticas, objetos e memórias que passaram a coexistir com o contexto urbano”.
Partindo de uma obra de Vhils em betão, os artistas trabalharam para transformar uma figura feminina num trabalho que cruza duas abordagens “distintas, mas complementares”. Enquanto Vhils trabalhou com serigrafia sobre uma lona industrial, integrando elementos gráficos associados ao crescimento e transformação das paisagens urbanas, Joana Vasconcelos introduziu a esta mesma lona materiais têxteis e elementos aplicados à mão, “convocando o universo doméstico e práticas que, durante décadas, foram transmitidas sobretudo entre mulheres e que guardam um papel estruturante na construção da cultura portuguesa”.
A figura surge assim entre dois mundos: “o da memória e do trabalho do campo, e o da cidade contemporânea, marcada por novas rotinas e novas formas de habitar. A obra reflete o modo como estes movimentos migratórios condensaram, dentro das casas, objetos, técnicas e tradições que vinham de longe, agora integrados num contexto totalmente diferente. Ao trabalhar estas dimensões, os artistas articulam geografias que raramente se encontram no mesmo plano”, detalha-se em nota de imprensa.
“Quando se limpa a casa de tudo o que é particular e se substitui tudo por móveis standard, apagam-se camadas de memória. O que foi feito pela avó, pela mãe, pela tia, deixa de ser visível. Esta edição procura devolver valor a esse universo íntimo e à força silenciosa das mulheres que o mantiveram”, diz Joana Vasconcelos, citada em comunicado.
Já Vhils começa por referir que a sua família veio do Alentejo para Lisboa no final dos anos 80. “Sou parte desse fluxo. Esta obra é também uma forma de olhar para esse passado recente e perceber como essas deslocações ajudaram a construir as cidades que temos hoje”, acrescenta.
A edição é composta por 150 exemplares, apresentando variações cromáticas de plumas. As provas de artista, num total de 15 obras, apresentam combinações livres entre plumas e bordados e as cinco edições de numeração romana incorporam técnicas especiais de bordado, incluindo o bordado do Pico. São finalizadas com uma moldura de inspiração barroca, colocando em diálogo a tradição, a cultura popular e o contexto contemporâneo. Todas as obras têm o formato 100 × 140 cm.
A colaboração entre os dois artistas “propõe uma reflexão sobre a vida urbana e as transformações sociais que acompanharam a construção da vida nas cidades portuguesas ao longo das últimas décadas. Aproxima esferas frequentemente tratadas de forma separada: a profundidade do espaço doméstico e a pele exterior da cidade, assim como a transposição da cultura e tradição do meio rural para o urbano. É neste encontro que o trabalho encontra a sua força – no reconhecimento de que a identidade resulta de múltiplas camadas, materiais e imateriais, e de que muitas delas permanecem invisíveis até serem convocadas”, aponta-se em nota de imprensa.
“Trata-se de voltar a olhar para o essencial com atenção. Para as nossas famílias, para as tradições, para aquilo que nos identifica. E perceber que essas camadas não são um peso, mas uma riqueza que precisamos de trazer de novo para o espaço público”, afirma Joana Vasconcelos.
Já Vhils sublinha que “intervir numa parede é abrir uma brecha com o passado”. “Cada camada exposta é um capítulo da cidade e das pessoas que a construíram. Nesta colaboração, quis perceber como é que essas camadas urbanas se cruzam com as histórias de quem veio do campo para a cidade”.
O lançamento, feito através da loja online da Underdogs, está marcado para esta quarta-feira, dia 10 de dezembro, a partir das 16h.
