IRL é o novo URL

Opinião
Marketeer
01/12/2025
20:02
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01/12/2025
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Opinião de Gustavo Mendes, Diretor do programa Brand Management da Porto Business School e fundador da Ichika Brand Consulting

Durante duas décadas, o marketing digital foi o centro das estratégias de marca. O URL – Uniform Resource Locator –, enquanto símbolo da transformação digital, tornou-se sinónimo de performance, mensurabilidade, escalabilidade e precisão algorítmica. Contudo, à medida que o ecossistema digital se densifica – saturado por ruído, redundância e por algoritmos cada vez mais vorazes no seu apetite pela atenção –, torna-se evidente um reposicionamento paradigmático: o real, o presencial, o humano, o IRL (In Real Life) volta a assumir um protagonismo estratégico que muitos julgavam ultrapassado.

Importa, porém, desfazer um equívoco. Este regresso ao físico não representa uma nostalgia nem uma reação defensiva ao domínio do digital. Pelo contrário: o IRL contemporâneo é profundamente tecnológico e bem mais quantificável e escalável do que alguma vez imaginámos. O que está em causa não é um retorno ao “offline”, mas a consolidação de um mundo phygital, no qual a experiência “real”, vivida no corpo, no espaço e no tempo, se converte simultaneamente em dados acionáveis e em narrativas digitais influentes. Assim, afirmar que “IRL é o novo URL” não é uma provocação retórica, mas o reconhecimento de uma mudança estrutural no marketing moderno.

A promessa de abundância trazida pelo digital, de mais dados, mais segmentação e maior capacidade de otimização, revelou uma contradição: o excesso de medição esconde o significado e o aumento de pontos de contacto de baixo impacto fragiliza o vínculo emocional existente entre consumidores e marcas. A hiperconexão transformou-se em hipercompetição; num simples deslizar de ecrã, o utilizador é exposto a centenas de estímulos que disputam por uma atenção cada vez mais escassa. Neste ambiente saturado, a eficácia do digital diminui e os mecanismos algorítmicos já não entregam os mesmos resultados.

É precisamente neste contexto que o IRL ressurge como antídoto e oportunidade. As marcas começam a reencontrar no real algo que o digital não consegue replicar totalmente: a densidade emocional do encontro humano. A experiência presencial, vivida de forma sensorial e imersiva, deixa um traço mais profundo na memória, na perceção e no comportamento. Num contexto phygital, o físico deixa de ser uma alternativa ao digital para se tornar o seu catalisador mais poderoso.

É também por isso que o IRL se afirma como um verdadeiro motor mimético. Uma experiência bem desenhada produz conteúdo orgânico, replicável e socialmente contagioso, cuja força advém precisamente da autenticidade do vivido. O digital alimenta a atenção; o real sustenta o significado. A articulação entre ambos constitui hoje o grande diferencial competitivo das marcas capazes de gerar cultura e não apenas comunicação.

E o que antes era difícil de medir começa agora a ganhar a mesma clareza e precisão que associamos ao digital. Hoje conseguimos acompanhar o comportamento presencial com muito mais detalhe: desde sistemas de footfall inteligente que mapeiam fluxos de pessoas através de sensores e visão computacional até métricas que mostram não apenas quanto tempo alguém esteve num espaço, mas como se moveu, onde parou e com que estímulos interagiu. Conseguimos também relacionar a presença física com picos de conteúdos espontâneos nas redes, perceber o impacto real na notoriedade e até substituir o tradicional autorrelato por comportamentos observáveis. E, claro, fechar o ciclo com mecanismos de retargeting geolocalizado que ligam o IRL ao URL. O que antes era opaco torna-se agora informação útil, quase cirúrgica, que alimenta processos contínuos de aprendizagem e afinação estratégica.

E assim, à medida que o digital se massifica e se torna invisível no quotidiano, perde o estatuto de vantagem competitiva e passa a operar como infraestrutura básica. O real, por sua vez, recupera centralidade estratégica para as marcas. Neste contexto phygital, a interação presencial funciona como ponto de ancoragem da perceção de valor, enquanto o digital garante continuidade, extensão e escala. Não estamos perante uma escolha entre dois mundos, mas diante da necessidade de estabelecer a interdependência entre ambos, de forma intencional. É neste equilíbrio que as marcas encontrarão a sua próxima fronteira de relevância.




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