Há tendências a acelerar neste (atípico) 2020
Improvisação. Se tivesse que escolher apenas uma tendência que está a emergir este ano, Tiago Viegas, fundador e partner da boutique criativa The Hotel, não tem dúvidas de que seria essa a eleita ao nível da comunicação. «Andamos a navegar à vista», comentou na mesa redonda “Que tendências emergem do 2020” da 14.ª edição da Conferência da Marketeer sob o tema “Hiperconectividade – Consumidores & Empresas. O que mudou?”. Ainda que admita que as marcas são, de uma maneira geral, bem-intencionadas, acredita que estas «tentam encontrar e comunicar o seu propósito, mas ainda é superficial». Por outro lado, e centrando-se na comunicação, acentua-se este ano a tendência para dar lugar a contar histórias reais ao invés de insistir nas ficcionadas. «As marcas estão a tentar ser aquilo que tentaram parecer durante o início da pandemia. Vamos acabar por chegar a um sítio melhor do que aquele de onde partimos», defende.
A seu lado, na mesa redonda moderada por Maria João Vieira Pinto (directora de redacção da Marketeer) e Inês Veloso (directora de Marketing da Randstad), Tiago Viegas tinha Ana Pinho (directora de Marketing e Comunicação da Prio Energy), Gonçalo Rebelo de Almeida (administrador dos hotéis Vila Galé) e Rita Tomé Duarte (directora de Unidade de Negócio Delta Q).
Gonçalo Rebelo de Almeida lembra que as empresas e as marcas estão debaixo de um escrutínio cada vez maior. «Não posso dizer uma coisa e fazer outra. As medidas têm de ter uma expressão concreta», garante. Já ao nível de tendências, confessa não ter visto aparecer nada de novo, mas o acelerar de algumas que já se vinham sentindo, como a procura de unidades hoteleiras mais pequenas. E depois de um primeiro momento em que as pessoas se fecharam em casa, levando ao aumento do consumo dentro do lar, o responsável do Vila Galé sublinha que se sentiu nas semanas mais recentes que as pessoas continuam a querer viajar, conhecer locais e culturas. Aliás, Gonçalo Rebelo de Almeida acredita que, de futuro, o turismo nacional passará pela descoberta de destinos e locais menos explorados. Ou seja, não haverá uma quebra no número de turistas, mas estes estarão mais distribuídos pelo País inteiro, como, de resto, se notou nos meses de Verão.
E foi centrado nesse desejo de voltar a sair e depois de grandes perdas no negócio da venda de energia que a Prio colocou no ar uma campanha convidando os clientes a passear, conta Ana Pinho. «O core do nosso negócio tem a ver com mobilidade.» No âmbito desta mobilidade, o consumidor está a privilegiar o transporte privado para evitar transportes públicos.
A procura de locais menos povoados verificou-se não só no turismo e nos transportes, mas também ao nível das compras para casa. E a tendência do crescimento do e-commerce não é para ser descurada. Depois de um boom inicial nas primeiras semanas de confinamento que levaram a incapacidade de resposta de vários serviços, foram surgindo novas ofertas. Perante esta procura, a promessa da Delta Q centrou-se na entrega em 48 horas. E, depois de um período inicial de grande afluência de consumidores na loja, os números do site de e-commerce da Delta Q encontram-se, agora, estabilizados «num nível bastante acima do que tínhamos no pré-Covid», garante Rita Tomé Duarte que lembra que a tendência é a procura de pagamentos digitais e móveis que assegurem segurança e confiança.
Não perder a humanização
E se há aspecto do qual todos sentem falta é de ver a expressão no rosto dos seus interlocutores. Ana Pinho salienta que quando fecharam as lojas os colaboradores referiam sentir falta da interacção com os clientes e vice-versa.
Também nos hotéis Vila Galé os sorrisos, que até ao mês de Março eram uma das imagens de marca, tiveram de passar a andar escondidos atrás de máscaras. «Perdemos um elemento fundamental no acolhimento que é o sorriso. Por muito que se trabalhe o resto da postura corporal e o sorrir com o olhar, não é a mesma coisa. O relacionamento é difícil», lamenta. E lembra que há ainda que ter em consideração que as pessoas (sejam elas colaboradores dos hotéis ou hóspedes) não se encontram todas no mesmo ponto a lidar com a pandemia. «Durante o confinamento havia um padrão de como agir. Hoje, há pessoas que não estiveram com um único amigo em seis meses, outros estão no pólo oposto. Estas pessoas estão a trabalhar lado a lado e há que respeitar os vários estádios.»
Na verdade, junta Tiago Viegas à conversa, os consumidores estão hiperdesconfiados de tudo, da limpeza dos espaços à veracidade do que as marcas dizem. «Seria óptimo que as marcas tomassem posições. Mas as marcas têm medo de ser verdadeiramente humanas. Adoraria que fossem mais humanas porque aí seriam todas diferentes, assumiriam que tinham falhas.»
E se é verdade que há uma tendência, pré-Covid, em torno da sustentabilidade, também o é que, nestes novos tempos, se lhe juntará a da contenção do consumo dos consumidores. O responsável do Vila Galé admite que já o sentiam na área alimentar em que o buffet potencia algum desperdício. «Começa-se a notar alguma mudança no sentido de evitar o desperdício dos consumos de energia e água dos clientes, por exemplo. Numa unidade hoteleira, para além do trabalho de bastidores, isso é conseguido por influência da actuação do cliente. Podemos ajudá-los a mudar comportamentos.»
Texto de Maria João Lima