Evolução lenta ou acelerada?
O que vai trazer o Brexit ao mercado segurador português? A lógica da distribuição vai sofrer alterações? Como vai ser trilhada a (r)evolução digital? Vai o mediador ganhar um peso diferente? Que tipo de força de trabalho exigirá o futuro deste sector?
Texto de TitiAna Amorim Barroso (transcrição)
Fotos de Paulo Alexandrino
Na actualidade assiste-se a novos paradigmas, uns dão os primeiros passos, outros estão já consumados e há ainda alguns que são verdadeiras incógnitas. É certo que nada vai permanecer igual nesta indústria.
Deixamos-lhe alguns temas na ordem do dia da actividade seguradora em Portugal e no mundo. O tema Brexit traz perspectivas diferentes, a distribuição novas leituras, o digital exige modelos colaborativos e a figura do mediador mudança.
No dia a seguir ao Brexit, reuniu-se o painel de especialistas do sector segurador. Estiveram presentes: Cristina Brandão (Tranquilidade), Ester Leotte (AdvanceCare), Inês Simões (Ageas Seguros), Miguel Vilarinho (OK! teleseguros), Nuno Duarte (Açoreana Seguros), Rita Ferrão (Eurovida e Popular Seguros), Susana Fava (CA Vida).
Brexit
Qual o impacto do Brexit nas seguradoras? Terá alguma influência na actividade seguradora em Portugal?
«Isto é como Einstein dizia: “Não sei como será a III Guerra Mundial, mas sei que a IV será com pedras e paus.” Não sei o que vai acontecer, mas nada vai permanecer igual», comentam. «Para nós o impacto será financeiro, e com o tema da Solvência no futuro, aliás na actualidade, terá um embate significativo. A não ser que se comece a controlar, e a Europa diga que, estando fora, não há excepções. Mas existem não sei quantos portugueses a trabalhar lá, não sei quantas empresas portuguesas a fazer exportações para lá, vão ter de existir acordos bilaterais. Pode-se criar um período de transição em que haja algum perdão nesta decisão tão radical e pesada, porque de facto deitei-me com uma mensagem positiva e acordei com esta», sublinham.
«Nem queria acreditar! Até os próprios mercados não acreditaram, estavam calmos há três dias e tudo indicava que ganharia a permanência», acrescentam.
«Há seguradoras e bancos que podem começar a ter um excesso de liquidez por indefinição, por dúvidas do mercado financeiro, mas este era o pior cenário que se podia prever. Os próximos dias vão ser de indecisão novamente, e se esta liquidez existia vai aumentar e criar constrangimentos significativos e perdas financeiras grandes. Portanto, as notícias não são nada positivas, embora não se vá notar no dia-a-dia das seguradoras», garantem. «Mesmo a parte do rendimento financeiro vai ter impacto. E em Vida, claramente», vaticinam. «Até alguns produtos com taxa garantida podem agora estar mais em risco. A carteira pode ser penalizada e o futuro não vai ser fácil. Não vamos ter uma estabilidade dos mercados internacionais tão rápida. Isto ainda vai mexer», garantem.
«A questão da dupla tributação, da circulação, vai levantar muitas questões. Os mercados ficam muitos instáveis. Também ouvi que a Escócia quer sair do Reino Unido. Não sei como vai ser. Isto agora é tudo reacções a quente», comentam.
«Há outra questão: como vão as outras economias grandes da Europa reagir, uma Alemanha, França? A Itália parece estar a criar alguma pressão para ser a próxima a apresentar uma solução do género. E basta ser mais um e tudo se desmembra», acrescentam.
«Hoje ouvi às 6 horas da manhã que iam minimizar a saída. Como é que isto se faz, não sei. Os resultados também foram muito equilibrados: 52, 48. Há ali uma série de impactos que podem causar mossa nos ingleses. Também se a permanência ganhasse era “resvés” e o tema voltaria dentro de dois anos», contam.
Outros conselheiros têm opiniões diferentes: «Acho que não voltava, é um devaneio completo. Eles achavam que seria não.» «Não entendo quem preparou o referendo. Eles não fazem na Alemanha, porque não interessa e iria acontecer o mesmo. Os ingleses sentem- -se autónomos, são uma ilha, basta cortar o canal com a França e estão isolados. Eles vivem bem com isso e sentem que conseguem ser uma potência mundial sem estarem dependentes da Europa.» «Ainda assim, 80% da exportação é para a Europa», chamam a atenção. «Mas eles não vão deixar de exportar. » «Vão é começar a existir negociações diferentes. Eles eram os maiores contribuintes líquidos da Europa, a seguir à Alemanha.» «Ninguém sabe quem vai ganhar ou perder com isto. Pode ter sido um voto de protesto, que terá consequências não calculadas», acrescentam os especialistas.
Distribuição e digital
A distribuição está a assumir um peso crescente e a mandar nas empresas a montante, ou seja, a distribuição de alto consumo é que escolhe os produtos que vão estar nas suas prateleiras. Na televisão está a acontecer o mesmo, antes eram os operadores que pagavam para os canais estarem presentes, hoje são os canais a pagar. Uma vez que a distribuição passou a ser preponderante na maioria dos sectores, o que se passa no segurador? Qual o peso da distribuição, uma vez que uma parte substancial é detida por terceiros? Como vêem a evolução da distribuição do portefólio de produtos, da companhia, da imagem e do contacto com o cliente?
«O peso dos canais próprios é diminuto, ou seja, 90% da distribuição está em terceiros. Destes terceiros os únicos que controlavam as seguradoras eram os bancos. Hoje não é tanto assim, temos assistido os bancos a perderem o peso que tinham», esclarecem.
«Sempre vivemos à volta de quem vende por nós», afirmam.
E qual é a vossa perspectiva em relação a isso? É para continuar?
«Vamos passar para o digital, não no sentido da comunicação, mas mesmo da comercialização », respondem.
«Esse é o “porta-aviões” e vai demorar. O digital tem trazido mudanças, mas a dependência dos distribuidores não próprios nas seguradoras tradicionais mantém-se, refiro- -me aos corretores. Com excepção da Açoreana, especificamente no mercado das ilhas, que tem um peso gigante no directo, com 50% do mercado. Isto não significa que não possa existir num futuro próximo uma intenção de se conseguir pela via da dependência tecnológica uma mudança de paradigma. Porque se formos para mercados europeus vemos modelos ligeiramente diferentes, mas esta dependência vai manter-se, agora a dimensão de quem está do outro lado pode ter de ser reduzida, ser mais especializada e assumidamente o motor da venda», garantem.
Noutros sectores assiste-se ao seguinte fenómeno: a intenção por parte das empresas de quererem deter os canais de distribuição ou arranjar alternativas que não as limitem. Qual é que vai ser o comportamento deste sector?
«Todas as seguradoras tentaram essa evolução. As directas têm feito um caminho digital interessante, as tradicionais, de acordo com estudos internacionais, aproveitam o modelo de oportunidades que o acesso à tecnologia dá», sublinham.
«A maior parte das tradicionais está a utilizar o digital ao serviço do mediador para facilitar o trabalho. É uma mudança muito longa. As seguradoras têm modelos claríssimos de evolução no sentido de controlarem o negócio e torná-lo mais leve do ponto de vista da distribuição. A lógica de distribuição e até apoio comercial vai modificar-se e a tecnologia vai ajudar a fazer isto de forma diferente. Mas o contacto com o cliente é feito pelo agente ou corretor e deixa-nos a uma distância muito diferente das redes bancárias, que são próprias. A evolução é lenta», vaticinam.
«A figura do mediador vai continuar a ter um peso fortíssimo. Todos os inquéritos apontam que o meio preferencial de contacto é o mediador, e não o telefone. Acho que o desafio está em quebrar a barreira entre cliente, empresa e mediador. O cliente é transversal. Os mediadores têm vantagens em contribuir para que a empresa consiga de facto evoluir com um modelo digital partilhado, colaborativo, que consiga integrar nos sistemas o Social CRM. E enquanto isto não for ultrapassado vai existir uma barreira muito grande», garantem. «Os corretores vão continuar a conseguir ser a figura central nas seguradoras tradicionais, mas tem de existir mais confiança », reforçam. «As próximas gerações tendencialmente vão procurar outras formas de subscrever produtos e estarem muito mais independentes. Aliado à iliteracia financeira que ainda existe, todos os jovens, por muito que queiram fazer tudo online, são “bloqueados” pelo léxico e vão ter de recorrer a alguém que lhes explique como um corretor ou mediador. Enquanto noutros países isso não acontece, por exemplo o Reino Unido tem as directas e os agregadores com um peso brutal. Mas há- -de ser esse o caminho, é fácil subscrever os produtos, mas muitas das vezes precisam do aconselhamento técnico», partilham.
«O digital não é directo, tem a ver com a simplificação dos processos. Muitas das vezes estamos a simplificar para o intermediário e não para o cliente», contam.
«Curiosamente, há uns tempos tinha certezas e fazia afirmações erradas até ouvir em concreto clientes de gerações mais novas, dos 18 aos 24 anos, que estão disponíveis para pesquisar online, mas depois falam sempre na figura de alguém que os ajude. E isto está relacionado com a nossa cultura», observam.
«Mas a questão mais importante é que o mercado vai mudar brutalmente nos próximos cinco anos a uma velocidade gigante. Isso vai implicar que as seguradoras se adaptem, tanto as tradicionais como as directas, e os mediadores não têm alternativa que não seja pegarem no digital e as tradicionais têm de colocar o digital ao serviço dos mediadores, senão elas próprias ficam para trás», lembram.
«Há mudanças radicais que vão ter de ocorrer nos próximos cinco anos», garantem.
«Li alguns estudos sobre a evolução do mercado de seguros na área digital, a nível internacional, que indicava que nem em mercados maduros as seguradoras implementaram o que se fala. Ou seja, acho que as coisas vão acontecer mas a uma velocidade menor. Dando um exemplo muito simples do ponto de vista técnico, os carros são cada vez mais inteligentes, têm cada vez mais informação que nos podem ajudar e não fazemos muito. Existem marcas que se estão a mexer. Por exemplo, quando me falta óleo no carro, a marca telefona-me a avisar, mas noutros casos nem nos apercebemos», contam. «Os cartões de fidelização começam a fazer uma comunicação mais directa, sabem quando nos divorciamos, estamos desempregados ou temos um animal de estimação», acrescentam.
«Alguns assuntos estão a mudar a uma velocidade brutal, há três meses tinha o chip virado para a questão da telemática. Hoje os connected cars são preponderantes, sejam eléctricos ou automatizados, e vão ter um impacto brutal nos prémios de automóvel, que é o principal motor em Portugal. Isto sobrepõe- -se a outras questões. As pessoas não querem ser controladas», indicam.
«Dentro de 25 anos, estima-se que o mercado automóvel vá reduzir para 20%, por causa dos carros conectados, ou seja, os prémios vão cair 80% e o seguro vai passar a ser vendido pela própria marca automóvel. Portanto, este mercado, que representa 50% para os mediadores, vai desaparecer. O que é que vai acontecer? Isto é até uma ameaça para as companhias directas», adiantam.
Por que não há o desenvolvimento por parte da indústria como um todo para este tipo de produtos obrigatórios, como os acidentes de trabalho da empregada doméstica, serem vendidos em conjunto?
«Tem muito a ver com a rede de distribuição, hoje mais profissionalizada. Na maior parte dos casos assentam o seu modelo de negócio no automóvel», avançam.
«Andamos há anos a dizer que temos de equipar os clientes, faz sentido que os clientes tenham mais do que um produto. Mas existe um conjunto de necessidades que na verdade não estão totalmente satisfeitas. Se olharmos para outros países mais evoluídos há ali três ou quatro patamares da pirâmide em que a família, a casa, o carro e o emprego estão estáveis, e até o lazer e os seguros fazem parte, aparecendo como uma necessidade. Agora, para quem tem ainda por satisfazer algumas necessidades básicas, os seguros estão fora, têm o seguro da casa e do carro por ser obrigatório, não vão pensar em investir num seguro de vida, ou num seguro de responsabilidade civil», lembram.
«Este é um mercado de transferências, não se cresce propriamente muito. Sai-se de uma seguradora para outra e o próprio mediador trabalha com dois ou três e faz a mudança. O mercado de Multirrisco anda ali nos 3%, o Automóvel umas vezes sobe outras vezes desce. Há transferências de negócio, mas não cresce. Há muitas habitações que não têm seguro, há muitas famílias que não têm seguros de vida, nem de saúde», observam.
Activo humano
Atendendo à digitalização do mundo e a todo o impacto tecnológico no sector segurador, como vai ser a força de trabalho no futuro de uma empresa de seguros? Quais as competências necessárias?
«Geralmente são estruturas grandes.» «Mas não são todas assim», respondem.
«No outro dia vi um filme feito por uma seguradora que pode ser uma boa fonte de informação para responder a essa questão. É um senhor que vai num Porsche descapotável, nos seus 50 anos, pára no sinal vermelho e batem-lhe por trás. Sai um tipo de um outro carro, que telefona logo ao seu mediador. Nisso o senhor do Porsche recebe uma chamada do contact center da seguradora, que detectou que tinha tido um acidente e quer saber se está tudo bem. Logo de imediato mandam a peritagem, aparece um drone a tirar fotografias e a filmar e detecta logo que vai ser preciso reboque e em segundos aparece um carro de substituição, um Rolls-Royce. Enquanto o outro senhor ainda está a dizer o seu nome ao telefone para ser identificado. Claro que isto é uma caricatura, porque a forma da regularização do sinistro não depende do canal de venda. De facto o tipo de pessoas e de processos que a companhia precisa de ter vai ser diferente, o perito hoje em dia vai com o iPad, tira fotos e faz logo ali um relatório. E já se começa a fazer à distância com drones, mas isto não é futurismo, isto já é o que se passa. Já andam a pensar como se faz a regulamentação de drones a nível mundial», contam.
«Hoje em dia, está a ser feito muito trabalho à volta dos locais de trabalho, porque temos de mudar a forma de trabalhar, as próprias ferramentas e as pessoas, obviamente», sublinham. «Vai ter de existir mais flexibilidade de horários de trabalho, temos de começar a abrir a mente, porque o cliente está sempre conectado e não pode ter 12 horas em que não consegue falar com ninguém», garantem.
«As directas deram um passo à frente, têm atendimento telefónico até às 22 horas nos dias de semana. Mas do lado da assistência temos 24 horas por dia. E já temos teletrabalho », partilham.
«Acho que 50% das funções que existem dentro de uma seguradora, dentro de cinco ou dez anos, vão deixar de existir como peso de estrutura. As áreas técnicas de avaliação podem estar fora em regime de outsourcing. Temos o processo de venda totalmente digital e sem intervenção humana, caso o cliente o entenda. Sem papel e totalmente automatizado, do princípio ao fim, desde a simulação, à emissão, ao pagamento, à assinatura digitalizada e ao acesso à área privada», adiantam.
«Aqui na questão da mudança das estruturas das seguradoras, uma das áreas que vai demorar mais tempo pode ter a ver com as áreas comerciais. Mas internamente há 4 ou 5 anos não imaginávamos que podíamos ter em outsourcing algumas áreas. Hoje podemos colocar a gestão de sinistros, o pricing e o atendimento fora da empresa, se calhar as áreas financeiras por uma questão de interesse estão dentro da casa. Mas cada vez mais as seguradoras vão ser máquinas altamente optimizadas para ter os recursos necessários à gestão do negócio e na verdade uma seguradora é uma instituição financeira com serviços agregados », concluem.
Artigo publicado na edição n.º 241 de Agosto de 2016.