Estimular a comunicação e interacção do bebé | Conselhos e exercícios

Margarida Lobo Antunes | Pediatra

Nos tempos modernos, a competitividade, imposta pela maioria das sociedades, fez com que a grande preocupação de muitos pais fosse a inteligência do seu bebé.

A inteligência, o sucesso profissional e um bom salário passaram a ser características desejáveis, e muitos pais procuram formas de melhorar ou potenciar a inteligência do seu bebé. No entanto, muitos pais, quando formalmente questionados sobre o que mais desejavam para os seus filhos, responderam que a felicidade era o mais importante. É evidente que a inteligência irá desenvolver-se muito melhor num terreno fértil de afectos e carinho, em que predomina a felicidade e o bem-estar da criança. Um bom ambiente é fundamental para a aprendizagem do bebé e aquilo que ele mais precisa nos primeiros anos de vida é de interacção humana e de afecto. Não podemos nem devemos, substituir a interacção humana por computadores e televisão.

O primeiro ano de vida é um período extraordinário de aprendizagem para os pais e o seu bebé. O desenvolvimento social do bebé engloba a forma como este interage, brinca e comunica com os outros e é evidente que depende muito do meio que o rodeia e dos estímulos que recebe. Pais que procuram interagir e comunicar com o seu bebé vão abrir as portas para que este explore o mundo que o rodeia de uma forma tranquila e curiosa. As novidades, progressos e descobertas são momentos enriquecedores e com enorme impacto no futuro desenvolvimento do bebé, nas diversas áreas, motricidade grosseira, motricidade fina, linguagem/ cognição e socialização. Os bebés não são todos iguais e cada um terá o seu ritmo, desenvolvendo competências em diferentes áreas em momentos diferentes. A variabilidade em relação àquilo que se considera normal em termos de desenvolvimento é muito grande.

O início

O verdadeiro início da estimulação do bebé começa na gravidez. A partir da segunda metade da gravidez existem quatro formas de influenciar positivamente o desenvolvimento cerebral do feto: um aumento adequado de peso, uma alimentação saudável, redução dos níveis de stress e a prática regular de exercício físico. Ao contrário daquilo que muitos pensam, o feto já possui os cinco sentidos e os bebés in utero conseguem ouvir sons a partir das 18 semanas de gestação. Naturalmente, será a voz da mãe aquela que está mais presente durante a gravidez e, por esse motivo, é a voz preferida pelo recém-nascido logo após o parto. No entanto, muitos estudos demonstram que a voz/vozes doutros elementos muito presentes durante a gestação serão identificáveis pelo bebé pequeno. “Conversar com a sua barriga” permitirá desde cedo criar uma ligação com o mundo exterior.

O poder da música

Ouvir música durante a gravidez é outra forma de estimulação pré-natal dos bebés, que traz muitos benefícios. Os fetos geralmente preferem música clássica ou outra que se aproxime dos batimentos do coração da mãe, cerca de 60 batimentos por minuto. Está provado que as grávidas que ouvem música durante a gravidez apresentam menores níveis de stress e cria-se uma maior ligação mãe-filho. A exposição precoce à música permite estimular o desenvolvimento cerebral do feto e criar melhores hábitos de sono após o parto. A psicóloga Janellen Huttenlocher demonstrou que bebés continuamente expostos a música durante a gravidez apresentavam melhores resultados académicos em termos de matemática e leitura. Propôs, ainda, que cantar e contar histórias para o feto ajuda a preparar o seu cérebro para a linguagem.

Depois do parto

Com o nascimento do bebé, o objecto de sonho dos pais transforma-se em realidade, um ser vivo, com necessidades e exigências. Sempre que possível a interacção com o bebé deverá começar logo após o parto. A colocação do recém-nascido sobre o peito da mãe, contacto pele com pele, é importante para a criação do vínculo entre os dois. Os pais não devem estar muito preocupados em estimular o seu recém-nascido porque, na realidade, eles preferem ambientes calmos e tranquilos. A existência de rotinas permite uma adaptação mais fácil ao meio exterior e a estimulação excessiva do recém-nascido durante o dia, com actividade e barulho, poderá originar noites mais atribuladas em termos de sono. Os pais devem falar tranquilamente com o bebé, e se estiverem a uma distância de 20 a 30 centímetros, o recém-nascido consegue fixar as suas caras. Aquilo que o recém–nascido acompanha melhor em termos de estimulação visual é a face humana e contrastes de cores são sempre mais apelativos, por exemplo, riscas vermelhas e brancas ou brancas e pretas.

O primeiro mês passa muito rápido e o pequeno bebé começa a estar acordado por períodos cada vez mais longos. Os pais estão mais calmos e adaptados ao seu bebé e podem procurar desenvolver algumas actividades e exercícios. Para desenvolver  actividades e brincadeiras com um bebé, deve colocar roupa confortável. A utilização de roupa pouco prática, que prende os movimentos, será limitativa. A roupa deve estar de acordo com a estação do ano e não devemos sobreaquecer o bebé. Os bebés não precisam de sapatos durante a maior parte do primeiro ano de vida e basta colocar umas meias ou, eventualmente mais tarde, uns sapatos moles e flexíveis.

Um ambiente seguro é fundamental para garantir a segurança do seu bebé. Num quarto seguro ou numa pequeno espaço vedado de uma sala, ele pode brincar em segurança e os pais estão mais tranquilos para observar as suas actividades. Nunca é cedo de mais para tornar a casa segura para um bebé. As fichas eléctricas e os fios são um perigo potencial e os móveis pesados e estantes devem estar fixos, por forma a não caírem em cima do bebé.

Que brinquedos escolher?

A escolha dos brinquedos deve respeitar a faixa etária da criança e estes não precisam de ser muito elaborados. Os bebés mais pequenos contentam-se com objectos macios de cores vivas, como uma bola. A segurança dos brinquedos é outro aspecto importante, sobretudo quando temos irmãos mais velhos. Os objectos mais pequenos, que não constituem um perigo para crianças mais velhas, podem ser letais para os pequenos bebés exploradores.

Os pais não precisam de estar sempre a brincar com o bebé quando este está acordado. Os bebés também precisam do seu espaço. Os pais devem aprender a observar os bebés e as suas brincadeiras sem interferirem, porque muitas vezes as interrupções acabam por ser distracções que prejudicam a sua aprendizagem. É sempre melhor brincar com o bebé quando este está calmo, sem fome e sem sono, para que seja pacífico. Estabelecer pequenos momentos de brincadeira na rotina diária do bebé pode ajudar a criar uma certa organização, momentos de refeições, de sono e lúdicos. A rotina tão recomendada de ler para uma criança antes dela dormir ajuda a criar uma rotina na hora de deitar e promove um momento de interacção especial com a criança.

As etapas

Entre o primeiro mês de vida até ao final do primeiro ano, os progressos nas diversas áreas de desenvolvimentos são vastíssimos. Podemos dividir este período em quatro etapas: um aos três meses, quatro aos seis meses, sete aos nove meses e 10 aos 12 meses e cada etapa caracteriza-se por algumas metas expectáveis. Compreender as diferentes etapas é fundamental quando queremos brincar com um bebé. Não é provável que um bebé de quatro meses gatinhe, por isso não faz sentido exigir esse tipo de actividade. Um plano de exercícios e actividades para cada etapa simplifica a vida dos pais que querem aproveitar da melhor forma o tempo que têm com o seu bebé.

Para além do amor, afecto e tempo de qualidade com o bebé, existem alguns factores que podem influenciar de forma positiva o seu desenvolvimento. Uma forma simples de promover um bom desenvolvimento cerebral é o aleitamento materno. O leite materno é rico em ómega 3 e no ácido docosa-hexaenoico (DHA). O DHA é essencial para o crescimento, desenvolvimento e manutenção do tecido neuronal. O leite materno também é rico em lactose, açúcar composto por glucose e galactose. A galactose é um nutriente importante para o tecido cerebral.

Outro aspecto que tem sido muito destacado como estímulo positivo para o desenvolvimento é simplesmente dois dedos de conversa. Falamos durante a gravidez e continuamos a falar depois do nascimento. Falar muito com os bebés foi apontado como um estímulo importante para o seu desenvolvimento global, quer em termos de linguagem, quer em relação a outros aspectos cognitivos. A utilização de um vocabulário rico com um maior número de palavras quando falamos com um bebé pode aumentar o seu QI.

O reforço positivo é uma óptima forma de promover o desenvolvimento da criança. Os pais devem procurar elogiar o esforço e não tanto o resultado. Quando elogiamos o resultado, a inteligência ou as proezas de uma criança, estamos a definir metas e estabelecer padrões. Ao elogiar o esforço deixamos sempre em aberto a possibilidade de fazer melhor da próxima vez.

Tal como os estímulos positivos, podemos ter estímulos negativos para o bom desenvolvimento da criança. Os pais nunca devem “empurrar” ou obrigar a criança a executar tarefas para as quais não está preparada, porque isso pode criar uma situação de stress. Forçar o bebé para andar, quando este ainda não se põe de pé, não faz qualquer sentido. Um bebé ou criança “forçada” pode perder o interesse de explorar novas situações e apresentar uma redução da autoconfiança e menor capacidade para enfrentar novos desafios.

Sem stress

A existência de stress excessivo é sempre um factor negativo para o bem-estar da criança. Um dos objectivos principais dos pais deveria ser tornar o ambiente que rodeia a criança o mais tranquilo possível. O stress pode surgir em diversas situações na interacção com a criança, ou devido a um ambiente hostil entre os elementos da família. Os bebés e as crianças devem crescer num ambiente calmo, afectuoso e rico em estímulos positivos.

A televisão e acesso a computadores/ tablets é um dos maiores estímulos negativos para o desenvolvimento dos bebés. Estudos demonstraram que a televisão nos mais pequenos altera a sua capacidade de manter a atenção e de focar em determinada tarefa. Ver muita televisão abaixo dos três anos aumenta a probabilidade de ter um défice de atenção em cerca de 10%. As crianças que vivem agarradas a ecrãs têm muitas vezes menos criatividade, menor inteligência interpessoal e alterações de comportamento. Estimular a comunicação e interacção do bebé não é tarefa difícil. Só precisamos de pais tranquilos, afectuosos e sem stress, que pretendem criar um ambiente seguro e feliz para os seus bebés. Pais que compreendem os estímulos positivos e negativos para o desenvolvimento, bem como as diferenças das várias etapas. Pais que aceitam que o bebé tem o seu próprio ritmo e respeitam a sua individualidade. Por fim, com carinho e amor, quase tudo se faz.

Exercícios:

Use as suas mãos

Nos primeiros dias, brincadeiras simples, como colocar o seu dedo nas suas mãozinhas para que o bebé as feche com força, serão suficientes para estimular o tacto; também pode alternar e colocar a fralda ou um pequeno boneco para que ele tente segurar ou apertar bem. Na altura de trocar a fralda, se o bebé estiver bem-disposto, também poderá aproveitar para ir brincando com ele, cantando uma lengalenga (convém ser curta, simples e repeti-la ao longo dos tempos; uma simples como «tão balalão, cabeça de cão…» funciona na perfeição). Enquanto canta, vá passeando os seus dedos pelo corpo do bebé, fazendo com que ele aprecie o seu toque ao longo do seu pequeno corpo.

Hora do banho

O banho é outra rotina que pode e deve ser aproveitada para criar um momento de brincadeira e cumplicidade com o seu bebé. Na banheira, aproveite para o ir molhando aos poucos, para que ele aprecie sentir a água a cair no corpinho. Molhe a esponja e aperte-a com força, de forma a que a água caia na banheira provocando um som que despertará a curiosidade ao bebé.

Móbil

Os bebés precisam de estímulos, e ter algo para observar ajuda a fortalecer os circuitos neurológicos na região do cérebro que controla o pensamento. É nos primeiros meses de vida que o sistema visual dos bebés amadurece. Os móbiles podem ajudar muito nesse processo. Prefira aqueles com cores contrastantes, como branco e preto ou vermelho e amarelo. Posicione-os na altura do peito da criança, assim ela fica com a cabecinha relaxada, o queixo próximo do corpo e controla melhor a convergência dos olhos para o mesmo ponto, exercitando a visão em profundidade. Os bebés gostam de coisas que reflitam a luz, por isso pequenos espelhos ou objectos brilhantes também são uma óptima escolha. Os móbiles que rodam e tocam música são um bocadinho mais caros, mas fazem sucesso entre os bebés, que adoram estes brinquedos. Além disso, estes móbiles com movimento obrigarão o bebé a mexer os olhos para conseguir observá-los, e isso irá fortalecer os músculos oculares.

Que som é este?

A audição do seu bebé estará completamente desenvolvida a partir do primeiro mês de vida. O bebé irá adorar ouvir a sua voz, e dará atenção especial sempre que ouvir uma voz conhecida. Ele adora descobrir sons novos, é por isso a altura ideal para começar a brincar com caixinhas de música, espanta-espíritos e quebra-ventos, que se destacam do som ambiente normal. Provavelmente nesta etapa do seu desenvolvimento ele irá dar especial atenção aos sons que ouve esporadicamente, que sejam distintos e altos, como o telemóvel a tocar, a campainha da porta ou até mesmo um pássaro que esteja a cantar na janela. Ao contrário do que outrora se acreditava, será benéfico para o bebé estar exposto aos sons do seu quotidiano, como a televisão, o rádio, o aspirador, os electrodomésticos, etc. Não se preocupe que, em volumes normais, nenhum destes sons irá causar qualquer dano na audição do seu bebé, embora alguns sons altos e desconhecidos possam assustá-lo.

Faça caretas e diferentes expressões

Esta é uma brincadeira que se faz com os bebés desde os primórdios, mas que tem sempre êxito garantido, principalmente a partir dos dois meses, quando o bebé já começa a ter uma visão mais clara e consegue fixar melhor o seu rosto. Isto irá ajudá-lo a trabalhar o controlo dos músculos oculares. Por isso, use e abuse das carinhas e caretas nessa altura! Além disso, enquanto o bebé observa o seu rosto e tenta decifrar e imitar as suas expressões, vai aprendendo a interagir socialmente, e desenvolve a sensibilidade para os estímulos sociais.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

Artigos relacionados