Opinião de Carla Carvalho Martins, docente na Católica Porto Business School
Apesar de a sua origem remontar à Idade Média – derivando, tal como algarismo, do nome do influente matemático persa Al-Khwarizmi -, a palavra “algoritmo” nunca foi tão presente no nosso dia a dia como hoje. Um algoritmo é uma sequência finita de instruções não ambíguas destinada à resolução de um problema. Uma receita culinária, por exemplo, pode ser vista como um algoritmo. Ainda assim, o termo foi sempre mais associado aos domínios da matemática e da informática e, durante muito tempo, usado quase exclusivamente em contextos académicos ou técnicos. De repente, nos tempos recentes, está na boca de toda a gente e, apesar do seu significado ser muito mais amplo, no discurso quotidiano usamos “algoritmo” sobretudo para designar os mecanismos que, por detrás dos ecrãs, selecionam as informações que vemos e sugerem os conteúdos que consumimos online.
É neste contexto que, no seu relatório “2026 Global Consumer Predictions”, a Mintel antecipa que o movimento anti-algoritmo se tornará uma das principais tendências de consumo nos próximos tempos. De acordo com esta empresa de pesquisa de mercado, este movimento será o resultado da tensão sentida pelos consumidores entre a “conveniência que os algoritmos proporcionam e a proteção, o empoderamento e a autoexpressão que arriscam perder” por causa deles. É inegável que a sofisticação dos algoritmos transformou profundamente as experiências de consumo, tornando-as mais intuitivas, personalizadas e eficientes. Durante muito tempo, os benefícios pareciam superar amplamente quaisquer desvantagens. No contexto do marketing, o nível de personalização da comunicação proporcionado pela internet, quando comparado com os meios tradicionais, apresentava-se como um admirável mundo novo para empresas e consumidores. Contudo, em poucos anos – e especialmente com o avanço recente dos sistemas de inteligência artificial -, chegámos ao que poderá representar um verdadeiro ponto de inflexão em que algoritmos mais sofisticados podem, paradoxalmente, traduzir-se em experiências piores. A conveniência evoluiu para uma sensação de vigilância permanente, ainda que consentida pelo uso de plataformas, aplicações e dispositivos que nos facilitam a vida, mas simultaneamente recolhem, analisam e preveem cada interação. Temos, hoje, a sensação de que a nossa liberdade de escolha está a ser progressivamente condicionada, enquanto sistemas invisíveis manipulam os nossos pensamentos, emoções e comportamentos.
Esta crescente consciência sobre os efeitos nefastos do uso intensivo da tecnologia tem dado origem a movimentos mais radicais, como o “Appstinence”, cujo nome combina as palavras ‘app’ e ‘abstinência’, e que defendem o abandono permanente de contas pessoais em redes sociais e da cultura dos smartphones. Contudo, não se antevê que este seja o caminho predominante. As previsões da Mintel anteveem mudanças menos radicais e mais plausíveis. Espera-se que, nos próximos anos, as tecnologias que funcionam de forma pouco transparente percam popularidade e que os consumidores prefiram plataformas que lhes permitam compreender e até configurar os algoritmos que influenciam as suas vidas, procurando manter os benefícios que estes proporcionam, e ao mesmo tempo reduzir os seus efeitos mais desagradáveis ou nocivos.
É ingénuo pensar que esta transformação será impulsionada apenas pelos consumidores, que permanecerão presos à comodidade – e até ao vício – proporcionado pelos algoritmos. Tal como aconteceu com o tabaco ou com os combustíveis fósseis, a vontade individual, por si só, não é suficiente para gerar uma mudança significativa. É necessária uma intervenção estrutural em duas frentes: por um lado, na regulamentação, que assegure a transparência dos algoritmos e a proteção dos direitos fundamentais na sua utilização; por outro, na educação, que promova, desde cedo, a literacia algorítmica, ou seja, a compreensão crítica do seu funcionamento. Os primeiros passos estão a ser dados. É exemplo disso o Regulamento Europeu da Inteligência Artificial (AI Act), cujas regras se aplicarão maioritariamente a partir de agosto de 2026. Muito mais haverá a fazer.














