Debate: É preciso falar de longevidade

Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo, ou seja, com mais pessoas com uma idade igual ou superior a 65 anos. O envelhecimento demográfico não é exclusivo do nosso País, mas verifica- se um pouco por toda a Europa, resultando de uma combinação de vários factores, como a melhoria dos cuidados de saúde e o aumento da esperança média de vida. Porém, se em algumas indústrias, como a seguradora, este é um tema que tem integrado cada vez mais a agenda e os planos de comunicação, na indústria farmacêutica o tema da longevidade ainda é pouco explorado do ponto de vista comunicacional.

E este não é um tema de somenos importância, antes pelo contrário, sobretudo se pensarmos que ter uma esperança média de vida mais prolongada não é necessariamente sinónimo de ter mais qualidade de vida. «Ainda estamos muito fechados no tratamento tradicional. Temos muita dificuldade em dizer às pessoas que vamos dar-lhes mais qualidade de vida porque vão viver mais tempo e, portanto, vão ter com certeza algumas patologias», frisam as responsáveis presentes no mais recente pequeno- -almoço debate do sector farmacêutico promovido pela Marketeer. De acordo com as participantes, o que é preciso é que haja cada vez mais uma comunicação alinhada com o propósito de «intervir preventivamente na longevidade».

E, por falar em prevenção, este, sim, é um tema que tem ganho preponderância nos últimos anos. Sobretudo desde a pandemia de Covid-19, os portugueses estão cada vez mais focados na prevenção e bem-estar, como atesta o boom recente do mercado dos suplementos alimentares. De acordo com o estudo TGI da Marktest, quase dois milhões de portugueses consumiram vitaminas e/ou outros suplementos nos últimos 12 meses, o que representa 26,8% dos residentes entre os 15 e os 74 anos. A penetração dos suplementos alimentares duplicou nos últimos 10 anos.

Porque crescem tanto os suplementos? «Os suplementos estão cada vez mais evidenciados, não só por uma questão preventiva, mas como complementares a outro tipo de patologias. No caso do magnésio, por exemplo, há muitos anos que é recomendado pelos profissionais de saúde para pacientes com patologia cardiovascular», justificam as responsáveis presentes no debate.

Assim como há produtos semelhantes que estão a ser associados a outro tipo de doenças crónicas. Há três grandes tendências no mercado: obesidade, oncologia e saúde mental. «Nestas três áreas, as marcas, do ponto de vista de comunicação, estão a dar esse passo. E será um passo natural e feliz. Vemos algumas a apresentarem-se como marcas que ajudam a melhorar a qualidade de vida do doente naquela condição. Não tratam a condição, não prometem demasiado, mas complementam o tratamento. Há várias marcas a associarem-se à doença oncológica, por exemplo, na parte de dermocosmética ou nutrição », frisam as responsáveis.

E esta é uma tendência que revela uma mudança significativa de paradigma: «Antigamente, quando se lançava um suplemento, queria-se que fosse tratado como um medicamento. Agora, começa-se a trabalhar o posicionamento como algo que vem complementar – e não substituir – o tratamento.»

Ana Muche (Jaba Recordati), Sónia Ratinho (EQA Medicina Integrativa) e Vera Grilo (Medinfar) estiveram presentes no pequeno-almoço debate do sector farmacêutico, que decorreu no Hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa.

SUPLEMENTO É… ALIMENTO

Apesar do crescimento exponencial das vendas de suplementos, este é um segmento de mercado que apresenta alguns desafios de comunicação para as empresas farmacêuticas. Esses desafios estão sobretudo relacionados com a regulamentação em vigor, que acaba por criar uma espécie de «zona cinzenta» no que concerne a este tipo de produtos.

Desde logo, os suplementos não são regulados pelo Infarmed, a autoridade nacional do medicamento, mas pela DGAV – Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, sendo equiparados a alimentos. O que, na óptica das empresas farmacêuticas, é um problema, porque os alimentos não têm alegações clínicas. «Quando queremos fazer uma abordagem, porque existe evidência científica que o produto e a substância têm efeito, é muito difícil comunicar. É mais fácil introduzir [os suplementos] no mercado, mas é mais difícil introduzir comunicação », explanam as responsáveis. E acrescentam: «O impedimento de comunicar determinadas alegações de saúde não deixa que os consumidores percebam para que é que um determinado produto serve. E isso é um impeditivo. No fundo, a legislação não está a servir os melhores interesses do cliente final.»

Quem define o estatuto de um determinado produto farmacêutico são as autoridades reguladoras nacionais (neste caso, o Infarmed ou a DGAV), respeitando critérios que estão relacionados com a composição do produto. Por exemplo, um produto à base de magnésio pode ser um suplemento ou um medicamento, dependendo da concentração de magnésio. O mesmo se aplica aos suplementos à base de melatonina, que têm surgido no mercado para ajudar os portugueses a combater os problemas de sono: apenas podem ser colocados à venda no mercado (sem necessidade de prescrição médica) suplementos alimentares com uma dosagem inferior a 2 mg de melatonina/toma diária. Acima dessa dosagem, são enquadrados na categoria de medicamento sujeito a receita médica e regulados pelo Infarmed.

O problema é que, mesmo dentro do espaço comunitário europeu, existem muitas diferenças ao nível da regulamentação deste tipo de produtos. O que significa, por exemplo, que uma multinacional farmacêutica que queira introduzir no mercado português um suplemento que está disponível noutro mercado, onde pode ter alegações de probióticos, estudos clínicos escritos na embalagem, em Portugal não pode comunicar da mesma forma, uma vez que a embalagem não pode incluir este tipo de alegações.

«É importante haver regras, mas por vezes são contraditórias», realçam as participantes no debate. E exemplificam: hoje, qualquer pessoa pode encomendar online suplementos que vêm de outros mercados e onde a alegação da evidência científica é possível, ou que têm uma dosagem superior àquela que é possível encontrar no mercado nacional.

Porque é que a regulamentação deste tipo de produtos não é homogénea ao nível da União Europeia? «Por vezes, tem a ver com a ineficiência das estruturas. Há muitas coisas que são desafiadas nas autoridades de saúde e, muitas vezes, a resposta tem muito a ver com a capacidade humana e de implementar, porque os recursos são escassos. E depois podemos questionar outra coisa: na escala de prioridades, onde é que este tipo de assuntos entra? Provavelmente quem está no centro de decisão deixa este tipo de produtos (suplementos) para outros momentos», defendem.

A IMPORTÂNCIA DA FARMÁCIA

Além dos desafios comunicacionais, o mercado dos suplementos alimentares representa, para as empresas farmacêuticas, um segmento onde a concorrência é crescente. Há cada vez mais marcas estrangeiras que estão disponíveis no mercado português, da farmácia aos supermercados especializados em alimentação saudável, passando pelas lojas de suplementação.

O mesmo podemos dizer, por exemplo, do segmento da dermocosmética: as grandes multinacionais do sector da beleza têm uma presença muito forte e consolidada neste segmento, inclusive no espaço farmácia. Com a vantagem de terem outra capacidade para investir na comunicação e promoção deste tipo de produtos. «A indústria farmacêutica está muito fechada com medo da regulamentação e, às vezes, não arrisca muito nestas áreas cinzentas. Se uma empresa farmacêutica tiver um dermocosmético no portefólio, se calhar do ponto de vista da promoção ou comunicação vai tratá-lo quase como se fosse um medicamento», frisam as responsáveis, ressalvando que «isso é apenas uma questão estratégica», porque em cada segmento de mercado (sejam medicamentos, suplementos ou cosméticos), todas as empresas estão sujeitas ao mesmo contexto regulamentar.

Não obstante, salientam que, dentro dos três estatutos, «aquele que é mais indefinido e causa mais dores às empresas do ponto de vista da comunicação são os suplementos», precisamente por ser «uma área cinzenta».

Tendo em conta o aumento de procura por suplementos alimentares e as barreiras regulamentares à comunicação, as responsáveis sublinham ainda que a farmácia «continua a ter um papel fundamental de aproximação à comunidade », sobretudo fora dos centros urbanos, onde «o médico de família é cada vez mais o farmacêutico. As pessoas confiam muito no farmacêutico». Mas alertam que a farmácia tem de saber aproveitar esse estatuto e nem sempre o tem feito: «O digital tem permitido a compra directa de suplementação. A farmácia está a deixar escapar o negócio e pode fazer muito mais.»

MERCADO NO POSITIVO

Durante o debate houve ainda tempo para fazer um balanço do mercado farmacêutico. Socorrendo-se dos dados que estão disponíveis para a indústria, de fontes como a consultora IQVIA, as participantes no debate promovido pela Marketeer revelam que os diferentes segmentos do mercado farmacêutico «estão dinâmicos e positivos, mas sobretudo em valor, porque em volume, quando vemos o número de doentes tratados e caixas de medicamentos vendidas, não há o mesmo dinamismo».

E estes dados, consideram, devem ser encarados como «um alerta» para a indústria. «O dinamismo tem vindo a abrandar devido ao preço e a uma contracção do volume de compras. Portanto, os mercados continuam positivos, mas daí a dizermos que estamos a surfar uma onda positiva, não é verdade», explanam. De resto, em segmentos como o CHC (Consumer Healthcare) – que inclui OTC (medicamentos não sujeitos a receita médica), suplementos, nutrição, dispositivos médicos e personal care/dermocosmética – têm havido inclusive meses com variações negativas, excepção feita ao mercado da suplementação, que continua a crescer.

Apesar de tudo, um dos grandes drivers do mercado continua a ser a parte da inovação, ou seja, novos lançamentos. Mesmo o mercado dos medicamentos éticos ou sujeitos a receita médica está positivo. «Há uma classe terapêutica que está em forte crescimento que é tudo o que é saúde mental (antipsicóticos, estabilizadores de humor, antidepressivos, ansiolíticos)», referem.

Texto de Daniel Almeida

Foto de Paulo Alexandrino

Artigos relacionados