Do monólogo ao diálogo

Há muitas alterações em curso na forma como as marcas comunicam com os seus clientes. Para esta equação entraram novos players, como os influenciadores digitais, que dominam os novos media e mostram aos tradicionais que têm de se reinventar.

Texto de M.ª João Lima e M.ª João Vieira Pinto

Fotos de Paulo Alexandrino

Qual o impacto do digital nas marcas ou até que ponto é que o digital acrescenta valor ou ajuda a construir uma marca foi o mote para o mais recente almoço da área da comunicação. Até quando é possível continuar a contar histórias de marca foi o que se procurou descortinar à mesa do Restaurante Il Gattopardo, no Dom Pedro Lisboa, onde se reuniram Anabela Silva (BP), Cristina Viegas (RTP), Diogo Pereira Dias (Sumol+Compal), Dulce Mota (Millennium bcp), Inês Lima (McDonald’s), João Filipe Torneiro (Galp), José Veríssimo (ISEG), Nuno Pinto de Magalhães (Central de Cervejas), Rui Sales Rodrigues (Accenture) e Tiago Ferreira (Grupo Nabeiro Delta-Cafés).

Para os responsáveis presentes no fórum, o digital só pode acrescentar valor até na medida em que é uma inevitabilidade. Não se pode ignorar o meio e é mais uma forma das marcas conquistarem novos clientes, fidelizarem os actuais e trabalharem a relação de forma diferente.

«Todas as marcas têm que estar onde os consumidores estão e se eles estão no digital, o risco é não estar lá. Mas tem que se perceber que a forma mudou.» São necessárias ferramentas diferentes que obrigam a skills, também elas diferentes, tendo-se passado de um monólogo marca-consumidor para um diálogo entre os dois.

«É a única plataforma onde se recebe interacção imediata com o consumidor, pelo que apresenta enormes desafios às marcas.» Certo é que a maturidade com que se está ou o investimento que se faz ainda varia muito de sector para sector.

Para os presentes, não há dúvida que o digital permite alavancar nas emoções e segmentar de forma mais fina face aos canais tradicionais! «A noção de marca é que terá que evoluir», consideram.

«Trabalhava-se marca na perspectiva de notoriedade, sendo agora necessário encontrar outros KPI’s.» O que é marca no futuro? Como é que se vai medir uma grande marca? Essa é uma das grandes discussões que se mantém em cima da mesa.

Não deixando de lado os media tradicionais, o que os responsáveis do fórum de comunicação organizado pela Marketeer defendem é uma agilização entre os dois, em complementaridade e alavancagem de valor. «As marcas estão no digital como por vezes nós estamos no cimo de uma montanha russa. Há sempre várias formas de descer. Ou fechamos os olhos, ou abrimos os braços… mas sabemos que a descida é uma inevitabilidade e que quando chegamos a baixo fomos impactados », sublinhou um dos responsáveis.

Também todos os presentes neste almoço organizado pela Marketeer concordam que são vários e bem diferentes os níveis de estágio das marcas portuguesas no digital. Há quem esteja a dar os primeiros passos e quem já faça negócio. E quem esteja já a entrar em níveis de Inteligência Artificial. «Os clientes estão lá e por isso é que as marcas têm que lá estar.» Mas com relevância!

Em paralelo, iniciou-se uma nova fase de diálogo com o consumidor. Se numa primeira fase as marcas queriam falar com ele, agora o que procuram é que seja o consumidor a falar por elas. «Não é fácil, mas é o caminho.»

Filmes da nossa história

E o que acontece à publicidade épica? Aos filmes marcantes que faziam a história das marcas? Também aqui os presentes não vacilaram em concordar que a relação custo-benefício é hoje mais difícil, pelo que os antigos filmes já não justificam o investimento quando se analisa o seu retorno face a um filme barato feito com uma câmara de telemóvel. «Hoje todos somos produtores ou realizadores», dizem.

Mas, se é verdade que há uns anos a marca investia apenas nesse grande filme para comunicar, hoje pode diluir esse investimento em multiplataformas. Há uns anos, uma marca, se queria impactar fortemente determinado target, poderia ter que patrocinar um programa de televisão (com um orçamento elevado). Hoje, poderá conseguir o mesmo impacto com um simples vídeo partilhado em redes sociais, dizem.

O que não pode deixar de ser tido em atenção é a adaptação da mensagem ao target. O foco, esse, deve estar nos conteúdos, pois esses é que devem ser interessantes, estimulantes e despertar a curiosidade dos públicos aos quais se dirige. Mas essa multiplicação de conteúdos e segmentos de consumidores a impactar dificulta muitas vezes o trabalho das marcas. «Temos que estar onde os consumidores estiverem, num trabalho omnicanal.» E sempre tendo em consideração os objectivos da marca. Porque tudo o que uma empresa faz, seja em que canal for, constrói marca – para o bem e para o mal, seja no online ou no tradicional.

Os responsáveis à mesa do Il Gattopardo não têm dúvidas de que hoje é impensável usar os meios tradicionais para chegar a um público muito jovem, pois estes não vão ver. Daí que as marcas para estes públicos estejam a ser criadas no digital, já que é a única forma que têm de comunicar com eles. Na verdade, nestes públicos, o somatório das experiências que têm online é que faz criar a imagem que têm da marca. Mas se a mesma marca precisar de falar com os pais destes jovens, os meios tradicionais já farão sentido num plano de meios.

Ainda no que aos mais jovens diz respeito, há toda uma área de gaming e de eSports que começa a marcar uma posição e que vai, sem dúvida, marcar o futuro. Os responsáveis de marcas que queiram começar a estar neste campo não devem esperar muito mais tempo para avançar.

Com a proliferação de novos meios, outros, chamados até aqui de tradicionais, estão a desaparecer (vende-se cada vez menos jornais e revistas). Ainda assim, alguns estão a saber reinventar-se, como é o caso da rádio, que soube apanhar a onda das redes sociais. «Nós, marcas, temos de estar onde os públicos estão e na relação com os meios há aqui uma alteração que tem a ver com a forma como as pessoas consomem informação, notícias e lazer. Se queremos continuar a comunicar com os consumidores temos de adaptar-nos àquilo que é uma alteração do padrão de consumo dos consumidores», advertem os profissionais de comunicação. E esta não é uma novidade para as marcas, pois antes já existiram várias outras. Quando nasceu a televisão, matou uma série de meios à volta. Hoje as marcas têm de se adaptar a outras realidades. «Não estamos todos confortáveis, mas isso é próprio de um processo de mudança.»

Outro dos desafios que se está a apresentar às marcas prende-se com a concorrência que não chega apenas via aqueles que no passado eram os seus concorrentes directos. Actualmente, as marcas estão a concorrer com todas as outras marcas presentes no mercado, «porque um cliente que entra numa loja e tem um nível de serviço óptimo e que depois entra noutra com um nível de serviço muito bom, quando chega à nossa tem a expectativa elevada e exige igual nível de sofisticação e serviço», lembram.

Um dos pontos a preocupar os responsáveis das marcas diz respeito às métricas, «que são pouco perceptíveis», e o facto de continuarem a pôr dinheiro em sítios que não têm auditorias e que não são medidos de forma independente. No fundo, aquilo que acontece no Facebook e no Google. «Enquanto indústria não estamos a ser muito persuasivos e não estamos a ter grande grau de exigência», ouve-se comentar.

Outra das preocupações levantadas já à hora do café diz respeito ao concurso de publicidade exterior de Lisboa, que «vai reduzir para um terço as actuais posições existentes com preços de comunicação loucos e que não têm a ver com a nossa realidade». Algo que, garantem, vai levar a cortes na publicidade.

Influenciar na nova era

Pagar a pessoas para passar mensagens não é de hoje. Já se faz há muito tempo. Mas hoje há toda uma nova realidade com instagrammers, youtubers e bloggers a terem um papel que antes estava reservado a estrelas televisivas, desportivas ou cinematográficas. Ainda que os profissionais reunidos pela Marketeer admitam que a opção por estes novos comunicadores tem mais riscos, porque estamos no campo do diálogo e não do monólogo, acreditam que funciona. «É onde os consumidores estão e nós temos de estar lá.»

Claro que aqui há sempre a questão da salvaguarda da ligação à marca. «Custa que durante três meses estejam a falar sobre a nossa marca e passado três meses estão a falar sobre outra. Não há forma de contornar isto, a não ser com contratos de longa duração », lembram.

No entanto, quando se usa bloggers e instagrammers há que ter em atenção a forma como essa associação é feita.

A premissa, advertem os responsáveis, deve ser fazê-lo com pessoas que, de facto, gostem da marca e que se identifiquem com ela. Que partilhem valores e sejam confiáveis. O caminho pode passar por abrir a marca de forma honesta para a conhecerem por dentro e para que possam falar dela de forma genuína (que é a forma deles), mas com mais conhecimento.

O risco, quando isto não acontece, é perder-se a aderência à realidade e tornar-se numa coisa plástica.

Artigo publicado na edição n.º 259 de Fevereiro de 2018.

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