Do case
Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel
Confesso que não era minha intenção começar a crónica (ou artigo, ou coluna, ou lá o que é – nunca sei) com a minha habitual comiseração. Mas a verdade é que o texto de hoje (ou do mês) corre sérios riscos de soar a velho. Quem sabe, até, a mofo. Já para não falar da sua enorme (um eufemismo para total) irrelevância. Pelo que talvez não fosse má ideia virar a página e continuar a ler a revista, sem se alongar muito mais com a sua leitura.
Feito o disclaimer – já que aqui estamos –, e uma vez que se está a aproximar a época dos prémios, festivais e outras cerimónias que tais, falemos então: não de uma dor, mas de uma moinha; não de um problema, mas de um aborrecimento; não de um drama, mas de uma chatice… enfim, imagino que já tenham percebido a ideia. Que é como quem diz, hoje gostaria de falar não de um anúncio (ou campanha, ou marca), mas antes do case. Conceptualmente falando.
O case, para os mais desatentos, é assim uma espécie de powerpoint em esteróides (normalmente apresentado em filme, com direito a narrador em inglês e tudo) que as agências usam para explicar todas as coisas extremamente inteligentes que estiveram por detrás da criação de um anúncio (ou campanha, ou marca), mas que, em bom rigor, não se percebem, especificamente, só de olhar para o dito (anúncio, campanha ou marca). Levemente aparentado com o case-study (de onde, de resto, recebe o nome), o case é, hoje, uma presença assídua – quase omnipresente, na verdade –, em qualquer festival de criatividade ou outro exercício autocongratulatório que se preze.
Fizemos um poster? É melhor apresentar num case. Gravámos um spot de rádio? Faça-se um case. Desenhámos um logótipo? Isto está mesmo a pedir um case. Aliás, o case é hoje tão importante nesta realidade paralela que são os umbigos das agências e dos marketeers, que já há empresas que se especializaram não em fazer anúncios (essas chamam-se agências), mas em cases para… pós-vender esses mesmos… anúncios? A outras empresas que também fazem… anúncios? Enfim, é complicado. Como a minha dieta, no fundo.
Mas, e que mal é que isto faz, perguntarão, por esta altura, os leitores mais atentos (todos os três que chegaram até aqui)? Pois que nenhum, diria eu. Tirando a parte de me aborrecer.
Não pelo case em si – esse é o que é, e faz parte dos dias em que vivemos até deixar de fazer, tal como o threads ou a bitcoin (por acaso esta deve ter vindo para ficar, mas pronto); mas, antes, pelas consequências que, muitas vezes, acaba por ter na exigência de agências e clientes quanto à compreensão das peças de comunicação per se.
Não se percebe? Não faz mal, o case depois explica.
Ora o problema – vá, o aborrecimento – é que um anúncio (ou campanha, ou marca) que não se percebe é mais ou menos, vá, como dizê-lo – ah, já sei: inútil.
E como, só para chatear, os consumidores não têm por hábito andar a ler cases de campanhas e anúncios que vêem na televisão, tenho receio que a coisa não ande famosa em termos de utilidade no que diz respeito à grande maioria das campanhas que a indústria anda para aí a adorar para cima e para baixo…
Mas eu estou velho, gasto e cansado e quase tudo me aborrece, sendo sincero. E a verdade é que o mercado nunca foi parco em anúncios, campanhas e marcas que não se percebem bem. Aliás, nem bem, nem mal. E algumas delas (e bem mais do que gostaria) serão, provavelmente, da minha autoria. Já que estamos a falar sobre o assunto.
Dito isso, quem ganha a vida a ter ideias (seja do lado da agência, seja do lado do cliente) sabe que a incompreensão, a inutilidade e a irrelevância são ossos do ofício – acontece aos melhores. E aos piores. E a todos os outros, no fundo.
A questão que se coloca, chegados então ao fim da página, é o que fazer quando isso acontece.
Se uma crónica (ou artigo, ou coluna, ou lá o que é) sobre o tema.
Ou se um case sobre o assunto.
Aqui entre nós, não tenho a certeza de qual será mais inútil.
Artigo publicado na edição n.º 330 de Janeiro de 2024