Da relevância

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30/07/2025
08:30
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Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel

Talvez seja da silly season, da overdose de festivais, da proliferação de cases ou do mau feitio que, com a idade, parece estar a piorar, mas a verdade é que a falta de relevância do trabalho dos meus pares (e ímpares, sejamos honestos, que alguém tem de pedir, aprovar e pagar as irrelevâncias) começa a ser preocupante.

Notem que falo de barriga cheia – metafórica e literalmente, para desgosto do meu cardiologista: se há coisa que não me falta, neste último quarto de século, são campanhas e ideias, lato sensu, irrelevantes.

Inteligentes, inspiradas, interessantes? Modéstia à parte, certamente. Mas maioritariamente irrelevantes, quer para os problemas que queriam resolver, quer para os consumidores que estavam a tentar convencer.

Já não deverá ser segredo para ninguém que nós, criativos, tendemos naturalmente para a irrelevância. É uma espécie de defeito profissional, próprio de quem ganha a vida a tentar fazer diferente, a arriscar – e, portanto, a falhar. Ou irrelevar, se me permitirem a derivação.

Não sempre, claro, mas no mais das vezes, como seria de esperar.

Porque não percebemos bem, porque nos explicamos mal, porque dizemos coisas a mais, porque dizemos coisas a menos… enfim, ossos do ofício.

O problema, contudo, não será tanto o tender para aí; mas antes não entender que, precisamente porque assim é, importa contrariar, repensar e, se o contexto, o budget e o cliente o permitirem, recomeçar.

E aqui reside o problema: é que quando eu era mais novo, essa irrelevância era notada e apontada – e, com sorte, reformulada; e de há uns anos para cá, ela parece estar a ser, cada vez mais, como dizer… premiada?

O que, passando ao lado do onanismo característico – que, apesar de parolo, não faz mal a ninguém –, comporta um problema maior, que resulta do esforço que esta indústria coloca na premiação de trabalhos mui dignificantes, mas que não servem para vender quase nada; em detrimento de outros, aparentemente menos interessantes, mas que acabam por ter de vender quase tudo.

Como diz um velho amigo, igualmente rabugento, mas claramente mais sábio (mais que não seja, porque não passa as suas crónicas a semear ventos), a diferença é que, antigamente, os trabalhos ganhavam prémios porque eram bons. E hoje são bons porque ganharam prémios.

Haters dirão que este relambório, para além de invejoso, não será tanto um problema, antes uma questão de opinião. Permitam-me, no entanto, discordar. E explicar porquê.

Estou em crer que este trabalho mais inteligente e gratificante para os criadores, mas de relevância tantas vezes questionável para os consumidores, representa a maioria dos custos de uma agência: afinal de contas, é para o fazer que se pagam os melhores salários, se promovem os melhores criativos e, no fim do dia, se contratam as melhores (e mais caras) agências. Com um pequeno problema: raramente é este o trabalho que cria o maior valor para o consumidor e, portanto, para os clientes. Esse, feliz ou infelizmente, é quase sempre garantido pelo trabalho chato (a pá de porco a 2,99 euros e o creme amaciador a 1,99 euros), que ninguém quer fazer (bem) – e acaba, quase sempre, a ser despachado (e mal), ou por estagiários ou, mais recentemente, por ferramentas de inteligência artificial.

Agora reparem: se o trabalho que mais custa a fazer é o que dá menos dinheiro a ganhar; e se o trabalho que mais dinheiro dá a ganhar é o que a inteligência artificial melhor consegue fazer, como é que acham que isto vai acabar?

Pedindo desculpa pelo catastrofismo, parece-me que já estivemos mais longe de acordar e descobrir que o valor, agora, é criado por uma ferramenta de AI, operada directamente pelo cliente (melhor ainda – oh, ironia –, por um cliente estagiário); e que, assim sendo, já ninguém está para pagar o resto, que nós gostamos imenso de criar.

Mas pronto, quando esse dia chegar, eu prometo que não vou dizer nada. Até porque, aqui entre nós, já disse.

Artigo publicado na edição n.º 348 de Julho de 2025




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