Da divergência à convergência com o design como ponte
Por Pedro Pires, CEO/CCO da Solid Dogma
A divergência faz-se na escolha de temas. Talvez até antes, na definição de estilo jornalístico. Jornalismo narrativo, ou a capacidade de juntar aos factos e ao exercício da investigação a vontade de contar histórias, porque se acredita que é na inteligência emocional que a memória perdura.
Os temas são complexos, muitas vezes marginais, no sentido de serem pouco tratados no jornalismo em Portugal. São divergentes porque se intrometem na apatia mediática e se impõem perante nós quase como feridas em aberto.
A convergência acontece em tudo o resto. E, se quisermos, podemos olhar para tudo o que a Divergente faz como um grande exercício de design colectivo.
Existe um desígnio na Divergente que se apresenta com uma forma estruturada e identitária de olhar para o mundo. O jornalismo cidadania aliado ao jornalismo de investigação, no contexto do jornalismo de comunicação. Esta poderosa abordagem possui esta consciência multidisciplinar, que faz da Divergente uma plataforma estranhamente adequada à contemporaneidade.
A Divergente integra a Bagabaga Studios, uma cooperativa multimédia e um dos mais relevantes projectos criativos nos últimos anos em Portugal, responsáveis, por exemplo, pelo premiado documentário “Chelas Nha Kau”.
Numa época de velocidade, parece desadequada a proposta de um jornalismo imersivo, cuidadosamente desenhado, nos factos, na arquitectura de informação, na criação de conteúdo, na forma de contar histórias e na escolha de designers, ilustradores, fotógrafos, cineastas e editores para lhes dar forma. Pois é agora, numa época de excesso informativo, que esta abordagem ao jornalismo faz sentido.
Este é um jornalismo que está na intersecção com o cinema e a narrativa documental e, nessa perspectiva, desenha-se, organiza-se em torno da ideia de envolver. E é tempo que nos exige, porque este trabalho merece esse respeito e as histórias esse espaço para serem lidas/vistas/compreendidas.
Tenho uma afinidade afectiva com o “Chelas Nha Kau” e com um dos mais interessantes e mundialmente premiados projectos da Divergente – o “Por Ti, Portugal, Eu Juro”.
O designer (e meu amigo) José Mendes participa em ambos, sendo responsável pelo trabalho tipográfico e design visual dessas narrativas.
O “Por Ti, Portugal, Eu Juro” é um soco no estômago da nossa identidade e da nossa história recente. E é um dos mais premiados projectos jornalísticos dos últimos anos em Portugal.
O último desses prémios aconteceu nos EUA, nos The Horizon Interactive Awards, onde venceu na categoria de melhor uso da tipografia. E merece. Não tenho aqui espaço para explicar porquê. Mas ler a explicação que o próprio José Mendes faz do seu trabalho e do contexto em que o exercício criativo aconteceu torna-nos pessoas melhores.
Ir a este link permite contribuir para que esta esclarecida reportagem em quatro capítulos se torne num filme.
Ir ao site da Divergente é encontrar também a dura história de Jó Bernardo em “Chá da Meia Noite”, que se assume como mulher ainda nos anos 80, história que ficamos a conhecer com o magnífico trabalho multidisciplinar de Sibila Lind.
É ficar também a conhecer as mulheres que estiveram na linha da frente na preparação e execução do 25 de Abril, com ilustrações de Yuran Rodrigues e o design e desenvolvimento web de Miguel Feraso Cabral.
É encontrar mais histórias e muitos mais nomes. Cada projecto envolve um conjunto muito alargado de profissionais do jornalismo e das indústrias criativas.
São, por certo, realizações que exigem um grande sentido de organização, mobilização, perseverança e, como se nota em tudo o que fazem, uma enorme paixão e prazer pelo que estão a fazer. Cada um deles é uma experiência multimédia que mostra como é o jornalismo de qualidade hoje, e como ele se estabelece como uma plataforma de agregação de muitas outras disciplinas, mas onde o sentido de design é nuclear. É, por isso, fundamental, para quem trabalha em criatividade, tomar contacto com essa verdade, que nos explica que são estes os projectos que valem mesmo a pena.
Artigo publicado na edição n.º 320 de Março de 2023