Constelações de Consumo
Por Gustavo Marques Mendes, director do Programa Building Meaningful Brands da Porto Business School
É fácil imaginar os nossos antepassados a olhar durante horas seguidas para o céu noturno, a constatarem a presença de centenas de milhares de estrelas e a perguntarem-se o que seriam e porque é que estariam lá. Não terá demorado muito tempo até começarem a relacionar essas estrelas entre si e a identificar a presença de constelações (astronómicas). De pontos de luz “aleatórios” até histórias carregadas de significado foi um pequeno passo. E isto acontece(u) por uma razão particularmente importante: porque é assim que os nossos cérebros funcionam! Estamos programados para criar padrões, para dar sentido à aleatoriedade e atribuir um significado a tudo o que somos e nos rodeia (literalmente).
Se não, vejamos: o que é que umas sapatilhas da marca “A”, uns calções da marca “B”, uns óculos de sol da marca “C”, um leitor de mp3 da marca “D” e uma smartband da marca “E” têm em comum? Tomados isoladamente é seguro dizer que nada, não têm nada em comum! Aliás, representam categorias e marcas bem distintas. Mas imediatamente na nossa cabeça somos capazes de construir uma “imagem” que une os pontos e dá sentido a tudo isto: Jogging. Uma actividade que ganhou milhares de adeptos e que evoluiu muito recentemente para o Running. E de repente a “constelação” (de produtos) está lá, define e dá significado à actividade e – consoante as marcas – pode até definir o status quo da pessoa e da própria actividade.
Chamamos-lhe, por isso, uma constelação de consumo, isto é, um grupo de produtos e/ou actividades de consumo que – quando em conjunto – ganham significado. Um consumidor não compra um produto isolado e no “vazio”, mas sim em relação com outros que, juntos, vão permitir realizar uma tarefa ou cumprir um objectivo (funcional ou emocional). Os produtos específicos dentro de uma constelação podem evoluir ao longo do tempo, acompanhando as mudanças nos estilos de vida e a evolução tecnológica. E a “constelação” mantém-se, enquanto o significado existir.
Uma das grandes vantagens das constelações de consumo é a forma como vão ao encontro da natureza do processo de compra e do comportamento do consumidor, recentrando a atenção dos marketeers para um aspecto particularmente importante, que é compreender o papel e a relevância dos produtos (marcas) na vida do consumidor. Michael Solomon – um dos principais autores responsáveis pelo trabalho que se tem vindo a desenvolver nesta área – sintetiza este desafio de forma simples e directa: “While marketers sell vertically, consumers buy horizontally.”
Cada vez mais – no dia a dia do marketeer – o foco e o tempo são dedicados ao estudo em profundidade da categoria de produtos, a responder avidamente a cada alteração de milésimo na quota de mercado dessa mesma categoria e a desenvolver todas as iniciativas de gestão da marca em relação aos concorrentes directos nessa mesma categoria. Isto é o que Michael Solomon chama de “pensamento vertical” ou – de forma mais mundana – o que eu chamo da “ditadura da categoria”. Consequentemente, é fácil nesta operação esquecermo-nos do consumidor, assim como da forma como ele/ela hoje escolhe, compra e consome.
Sabemos perfeitamente que o consumidor avalia e compara cada produto com outros produtos substitutos directos, isso é indiscutível. Mas também sabemos que o consumidor considera e escolhe cada produto em termos de como este se relaciona com os outros produtos, com o qual vai ser “consumido” ou “utilizado”. Isto é o que Michael Solomon chama de “pensamento horizontal”. É fácil perceber a diferença quando olhamos para a distribuição moderna e a vemos milimetricamente dividida por categorias, mas quando visitamos uma grande superfície no sector do mobiliário já podemos encontrar salas e até “apartamentos” onde os produtos são enquadrados, contextualizados e relacionados num todo (constelação).
E as vantagens e potencialidades estratégicas das constelações de consumo e deste tipo de pensamento horizontal são, sem dúvida, ilimitadas: no desenvolvimento de produto, no desenvolvimento de acções de marketing, de comunicação e parcerias. Ao momento, sabemos ainda muito pouco sobre como as constelações de consumo nascem e se formam pelas lentes dos próprios consumidores (“consumer-based consumption constellations”). Para mim, esta é uma via para o crescimento das marcas do futuro. Vamos a isso?