Consegui comprar umas sapatilhas Lidl. Sou uma sortuda ou fui enganada?

Inês Risques, professora assistente do Luxury Stream @Nova SBE e fundadora da Flausinas

“You played yourself if you bought Lidl´s Piece-of-Shit Sneakers”, disse a Highsnobiety, um site de opinião sobre moda e lifestyle, no que considera ser uma tentativa ofensiva, por parte da cadeia de discount alimentar Lidl, de aproveitamento do culto de sneakers, ao qual não pertence nem entende. Ouch.

O que suscitou estes comentários, e muita conversa à volta do assunto, foram as sapatilhas lançadas este ano pelo Lidl. Houve uma corrida dos consumidores às suas lojas nos vários países da Europa e já chegaram a Portugal.

Com um desenho retro e intemporal, exibindo as cores da marca e o seu logótipo, o produto parece mais um objecto de pop culture do que umas sapatilhas de uma cadeia de supermercados de value & discount. E a verdade é que têm vindo a aparecer em sites de revenda por várias vezes o seu PVP de 14,99 euros.

Este episódio fez-me recuar a 2017 quando um outro produto ganhou estatuto de icónico e disruptivo assim que foi lançado. A marca de luxo francesa Balenciaga, sob a direcção criativa de Demna Gvasalia, lançou nada mais nada menos do que uma mala de 2.145 dólares, idêntica ao saco azul FRAKTA do IKEA de 70 cêntimos, gerando uma explosão mediática. Dessa vez, a mesma revista Highsnobiety não foi tão severa na sua apreciação:

«Always pushing the envelope, Gvasalia’s latest talking point is arguably his most daring yet: a $2145 blue tote bag that looks exactly like the type you’d find in IKEA.»

Se as sapatilhas do Lidl tivessem sido lançadas por uma marca de moda de luxo, este seria apenas mais um exemplo das práticas disruptivas de criação e comunicação destas marcas? Afinal, o luxo transpõe as normas convencionais de marketing e é capaz de transformar o objecto mais banal em arte – uma estratégia chamada de Artification, cada vez mais usada pelas marcas de luxo para se diferenciarem.

Mas estas sapatilhas não foram criadas por uma marca de luxo. Foram lançadas pelo Lidl, que brincou de forma irrepreensível com os códigos de luxo. A indústria do luxo tem todas as razões para se preocupar.

No seu mais recente livro “Remarkable Retail: How to win & Keep customers in the age of digital disruption”, Steve Dennis argumenta como as técnicas de marketing tradicionais são cada vez mais ineficientes num mundo pós-consumo onde os consumidores já têm tudo o que precisam. As ideias vencedoras são as que se disseminam e se elevam acima do ruído causado pelas estratégias de marketing convencionais. Foi o que o Lidl fez. Ao fazê-lo, replicou a estratégia da Balenciaga e de muitas outras marcas de luxo, chocou o mercado e aumentou o valor intangível da sua marca e dos seus produtos.

Numa era de pós-consumo, em que o mass e o luxo jogam com as mesmas regras, onde é que fica a fronteira entre ambos do ponto de vista do consumidor?

 

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