Em 1979, Francis Ford Coppola apresentou ao mundo Apocalypse Now, uma das obras mais aclamadas da história do cinema. Mas por detrás da câmara estava um processo de produção tão caótico, arriscado e emocionalmente exaustivo que muitos acreditaram que o filme nunca veria a luz do dia. Anos depois, a história real por trás do épico de guerra viria a ser documentada e agora, em 2025, regressa restaurada aos cinemas, provando que, por vezes, as maiores criações nascem da mais absoluta desordem.
Coppola descreveu o processo de filmagem de forma crua, após uma sessão especial no Festival de Cannes: “Fizemos como os soldados americanos no Vietname. Estávamos na selva. Éramos muitos. Tínhamos muito dinheiro, muito equipamento e, pouco a pouco, fomos enlouquecendo.”
As filmagens decorreram nas Filipinas, começaram em 1976 e estavam planeadas para durar cinco meses. Levaram mais de um ano. A produção enfrentou todo o tipo de adversidades: tufões destruíram cenários, atores foram substituídos, outros adoeceram, o orçamento disparou, o guião foi reescrito múltiplas vezes e Coppola, para garantir a continuidade do projeto, hipotecou bens pessoais e assumiu o financiamento do filme.
Marlon Brando, que interpretava o icónico coronel Kurtz, apareceu nas filmagens muito acima do peso, despreparado e sem ter lido o guião. Martin Sheen, o protagonista, sofreu um ataque cardíaco quase fatal durante uma das cenas mais intensas. E, num cenário que se queria de guerra, muitos membros da equipa começaram a viver como se estivessem, de facto, num campo de batalha: entre lama, calor sufocante, drogas, doenças tropicais e um isolamento psicológico crescente.
Foi a esposa de Coppola, Eleanor, que documentou tudo. As suas filmagens, até então esquecidas, deram origem ao documentário Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse, lançado em 1991, agora restaurado em 4K. Este olhar íntimo sobre a produção é uma verdadeira lição sobre resiliência criativa, mas também sobre os riscos de uma liderança desorganizada e de uma ambição sem rede.
Para os profissionais de marketing e gestão, a história da produção de Apocalypse Now traz várias aprendizagens valiosas.
Em primeiro lugar, a visão é essencial — mas não chega. Coppola tinha uma ideia ousada: recriar o Vietname na selva filipina e envolver todos numa experiência imersiva. O problema é que essa visão não estava sustentada por uma estrutura robusta. A gestão de equipa, logística, saúde e bem-estar foram sendo negligenciadas à medida que o projeto se descontrolava. A visão tornou-se mais uma obsessão do que uma estratégia.
Em segundo lugar, a flexibilidade salvou o filme. Perante de atores indisponíveis, cenas destruídas e adversidades naturais, Coppola adaptou-se. Reescreveu finais, improvisou diálogos, reformulou cenas. Num mundo onde a imprevisibilidade é constante, seja num set de filmagens ou numa campanha global, a agilidade continua a ser uma competência-chave.
Terceira lição: tratar da equipa é proteger do projeto. Muitos membros da produção começaram a colapsar, física e emocionalmente. A falta de apoio, o isolamento, o esgotamento e as condições extremas quase comprometeram o resultado final. Uma equipa em sofrimento não é uma equipa produtiva e o bem-estar deve ser uma prioridade estratégica em qualquer ambiente de trabalho, criativo ou não.
Por fim, a importância de documentar. As filmagens de Eleanor Coppola não só deram origem a um documentário premiado como preservaram a memória de um dos processos criativos mais fascinantes (e caóticos) do século XX. Registar, refletir, contar a história de bastidores: tudo isso faz parte do valor duradouro de uma marca, de uma campanha ou de um projeto criativo.
Hoje, Apocalypse Now é reconhecido como uma obra-prima. Mas a sua produção quase se tornou um desastre irreversível. E isso prova que, por vezes, grandes ideias exigem mais do que paixão exigem método, equilíbrio, colaboração e coragem para ajustar o rumo sem perder o propósito.














