Ano de grandes mudanças
Qual a leitura das movimentações no mercado segurador em Portugal durante o último ano? Estará este caminho a afectar a reputação do sector? Quais os desafios, as oportunidades e ameaças actuais? De onde virá a concorrência? Deve o negócio ser repensado? E que inovações já se configuram?
Texto de TitiAna Amorim Barroso
Fotos de Paulo Alexandrino
O mercado segurador em Portugal tem sido traçado por uma série de movimentações de consolidação, desde o recente acordo de compra da Açoreana pela Apollo; a CGD vendeu 80% da Caixa Seguros à Fosun; o Santander Totta alienou 51% do seu negócio de seguros à Aegon; a Tranquilidade, do antigo grupo Espírito Santo, foi comprada pela Apollo; e a AXA Portugal é agora Ageas Seguros, adquirida pelo grupo belga Ageas. O sector também se configura com menos capital nacional, apresentando assim um novo mapa segurador e, por isso, enfrenta novos desafios, oportunidades acrescidas e ameaças renovadas.
Nos últimos anos, os seguros têm granjeado uma imagem positiva. É um sector respeitado, bem visto e credível. Ao longo do pequeno-almoço no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, a Marketeer reuniu Conceição Tomás (Generali), Cristina Brandão (Tranquilidade), Paulo Cruz (Caravela Seguros), Rita Ferrão (Eurovida e Popular Seguros), Rodrigo Esteves (Liberty Seguros), Sofia Tomás (Ageas Seguros) e Susana Pascoal (Lusitania) e colocou as seguintes questões: poderão todos estes processos de fusões, aquisições, vendas e saídas do mercado afectar a reputação das companhias de seguros perante o cliente?
«Acho que não, até pelo contrário. Nenhuma seguradora foi vendida por estar em vias de fechar a porta, em insolvência», admite logo o responsável da área de Marketing de uma das principais companhias de seguros em Portugal.
«Também há aquelas que são vendidas e estão bem», observa outro responsável.
«Neste contexto, de vendas e processos de concentração, tem havido muitos problemas também associados ao sector bancário. Nos últimos 10 anos desaparecem 18 marcas de bancos. É verdade que os bancos nacionais e estrangeiros que operam em Portugal têm reduzido a exposição ao negócio dos seguros», sublinham. «Há 2 anos, 63% do mercado segurador estava em mãos portuguesas, hoje apenas 10%. Mas para já isto não é perceptível como algo de mau. As pessoas não reagem a isto», acrescentam os especialistas. «Mas há cerca de 10 anos também existiam mais seguradoras estrangeiras em Portugal, que acabaram por desaparecer e isto não foi problema, nem ninguém se sentiu desprotegido por transferir o risco para uma seguradora estrangeira», partilham. «Não nos podemos esquecer que a banca está associada às seguradoras que se deram mal, mas também houve injecção de capital para a banca», contam.
«O foco não é a importância de Portugal para uma empresa estrangeira, mas sim a importância da Europa. Há mercados muito importantes, como Espanha. Há universos de 40 ou 50 milhões de consumidores que dão garantia e alguma estabilidade à Europa. Bem como no mercado da América Latina, o Brasil e o Chile cresciam muito, agora já não», comentam os especialistas. «Há aqui um processo de concentração do mercado que vai ser reforçado com as novas tendências da Solvência 2. Os reforços de capital, impostos com a Solvência 2, vão ser mais exigentes e poderão aumentar a tendência de concentração », apontam.
Papel dos mediadores e da marca
E qual o impacto destas movimentações de concentração do sector nos mediadores? Vão ser obrigados a novos processos e metodologias de trabalho?
«Algo vai mudar e os primeiros a sentir vão ser os mediadores e não tanto os clientes. Isto poderá trazer maiores conflitos no mercado, os impactos vão-se sentir mais na rede de distribuição», respondem.
Mas pode a comunicação social lesar a imagem dos seguros através das movimentações a que se assiste no mercado?
«Se os meios de comunicação começarem a colocar o foco nas companhias de seguros temos de nos defender. As seguradoras passaram pelo processo de uma forma positiva. Mas não podemos sentir que os clientes estão a ser impactados negativamente por estes processos e não comunicar», garantem.
«Aqui voltamos um bocadinho à falta de saber comunicar que o sector tem tido. Há mensagens muito importantes que têm de ser transmitidas. Pedro Seixas Vale [presidente da Associação Portuguesa de Seguradores] disse, várias vezes, que não há um único pensionista da responsabilidade das seguradoras que tenha visto as suas pensões reduzirem. Esta capacidade da indústria tem de ser comunicada. E temos tantas outras coisas para comunicar e refiro-me a simplesmente falarmos do nosso negócio e da nossa forma de trabalhar», chama a atenção um dos especialistas.
Relativamente à marca, qual a sua importância na celebração dos contratos de seguros? Ou seja, excluindo o papel do mediador, qual a importância que o cliente atribui à marca?
«Isso vai depender do mediador, sempre », concluem. «O cliente não pede um seguro x para a casa, diz que quer um seguro para a casa», contam.
«Deve existir um esforço de marca, feito muitas vezes para ganhar “abrigo” mais na cabeça do mediador do que na do cliente final», confidenciam. «Para determinados produtos, nomeadamente financeiros, o cliente procura uma seguradora de credibilidade e aqui a marca é crucial», partilham.
A concorrência e a inovação
Há uns anos o mercado sabia de onde vinha a concorrência, hoje é uma incógnita, pois vem de sítios imprevisíveis. Basta pensar que há um ano era impensável a rede de táxis fazer uma manifestação contra uma empresa americana que não tem táxis, a Uber, hoje a maior rede de distribuição, sem um único activo. A Airbnb é a maior rede de acomodação do mundo e não tem também um único activo. O Alibaba é o maior distribuidor do mundo e não tem um único inventário. Depois há situações, como a Via Verde, que vai entrar no mercado puro de transacções, pois já se utiliza a Via Verde para pagar portagens e parques de estacionamento, mas em breve vai-se começar a utilizar como um cartão de débito, entrando assim no negócio bancário. A Amazon também vai sofrer grandes alterações. A Uber vai começar a distribuir medicamentos. A Asics e a Nike estão a entrar na saúde, como têm vários indicadores desta área, monitorizados nas pessoas, as marcas desenvolveram outra linha de negócio. A concorrência advém agora de vários sítios, no mercado segurador também sentem isso e estão atentos à situação? Qual é o futuro da indústria dos seguros? Onde se sentem ameaçados? Que outros sectores podem ameaçar? E quais as oportunidades? «Por enquanto sintimos a concorrência das marcas que estão no canal de mediação», alegam.
Podem os vossos mediadores serem aliciados para desempenhar outros papéis?
«Já o fazem. Os mediadores são centros de distribuição. Tal como os CTT com o Banco, aqui é o canal Postal a comprar a rede de distribuição. O que atrai os seguros também é a rede de distribuição», sublinham.
«A concorrência é dos que lá estão. Os seguros têm esta vantagem, qualquer ponto de venda pode ser comissionista se tiver ali um negócio. As empresas de crédito podem vender o seguro incluído, o seguro automóvel é vendido nos stands, os seguros para os telemóveis são vendidos no ponto de venda, as viagens idem. Ainda assim parece-me que ainda não ganhou dimensão», dizem.
E onde se pode inovar? Onde está a inovação no sentido de avançar com novos produtos e novos serviços? O que se passa a nível internacional? «Acho que haverá inovações no ponto de venda. Pode-se vender uns Nike e, como se sabe que o comprador reúne condições físicas excepcionais, propor-se um seguro a um preço arrebatador. Quem está bem tem de ter um preço adequado. Aquele conhecido aparelho para medir a nossa performance na condução de automóveis duvido que entre no mercado nacional, somos todos maus condutores. Há coisas que só servem quando determinam bons resultados», ressalvam.
«Mas já somos controlados por outros aparelhos», consideram.
«Ainda assim não sentimos esse controlo e só sentimos que é bom quando a vantagem é superior. Os novos automóveis já vêm com essa tecnologia. Mas já há a adaptação dos seguros a isso? Ainda não. Uma seguradora com peso consegue vincular-se a uma BMW e fazer o compósito de seguros específicos lendo os dados. Nos EUA já há uma seguradora que se associou a uma marca de alarmes de casa com tecnologia sofisticada; através de alguns pontos da casa mede a corrente e vê se está tudo bem. E tem de ser tudo por aqui, numa óptica de produto serviço», contam.
Um estudo publicado recentemente divulgou que o tempo médio de utilização de um automóvel são sete minutos. Para que é que as pessoas compram carro?
«Outros estudos também muito recentes avançam que cada carro partilhado vai substituir 15 carros, isto é um desafio para o nosso negócio», alertam.
Nas gerações mais antigas o automóvel era indicador de status, hoje as novas gerações não querem ter carro, querem apenas usufruir de um. «Passou-se do sentimento de posse, para a utilização pura, que não implica responsabilidade, nem pagamentos de seguros», lembram. «Há já devices de utilização de carro com chave virtual. Por exemplo, vou para o aeroporto, deixo o carro no parque de estacionamento e envio a chave virtual à minha mulher; é possível transferir a chave para quem entendermos», partilham.
«O Car Sharing é uma das inovações e desafios. Não começa por nós mas vai acabar em nós. Os desafios aqui são de subscrição», garantem. «Está previsto que nos países ocidentais o número de circulação de carros vá diminuir. Aí é apostar no serviço», contam.
«Na parte da distribuição vão existir, forçosamente, mudanças, vão entrar novos players. Já se fala do peer to peer. Estamos todos atentos, mas ainda há pouca informação », elencam. Para alguns especialistas há tempo para pensarem em soluções. «Estas mudanças também não são automáticas. Demoram. » Outros já têm respostas. «E se forem estas, não tarifamos pessoas, tarifamos sistemas.» «O que temos de fazer se calhar é vender em pacotes, já tentamos fazê-lo, mas acho que ainda não chegámos lá. Mais numa óptima de serviço acoplado.»
«Outro caminho que podia ser seguido e ainda não o explorámos bem são os seguros para os seniores. Aqui as seguradoras estão muito bem preparadas para fornecer produtos muito abrangentes. No outro dia fizemos um focus group para testar uma ideia. Pessoas da minha idade diziam que pagavam para garantir que os pais estivessem bem na reforma. O mercado segurador já tem toda uma panóplia de fornecedores e prestadores, como as clínicas, e pode alinhar isto de uma forma diferente. A preocupação passa dos pais para os filhos», contam.
«É difícil comunicar para este público, de forma a que não se sinta melindrado. Seniores é mais de 50? Ou mais de 65? E dentro dos seniores há pessoas de óptima saúde, muito activas, que fogem da mensagem “Nós tratamos de si” e há outros até mais novos que se identificam », defendem.
«Há ainda a ligação de seniores a velhinhos e doentes. Há muitas marcas que não se posicionam ainda para este mercado. Vejam a quantidade de marcas que falam para os de 25 e 35. O mercado dos seniores é muito interessante e tem maior capacidade financeira», observam os especialistas.
«Os grandes desafios tocam nas alterações demográficas e na tecnologia, que complementa as primeiras. Hoje a pessoa pode estar longe e saber que a casa está segura, através de devices. Fomos formatados para comprar um carro com o nosso primeiro salário, depois uma casa, depois um carro para os filhos ou uma casa de férias. Os miúdos não, hoje estão cá, amanhã em Amesterdão e daqui a três anos em Montevideo. Para os jovens temos de pensar na inovação, para os seniores é o potencial de utilização, ter um device para ajudar», afirmam.
Base de dados de clientes
Que oportunidades pode gerar o facto de os seguros serem o sector com mais clientes?
«O mercado dos seguros tem uma grande base de clientes, mas não a trabalha directamente, há uma série de intermediários. E nós precisamos de informação para trabalhar o cliente. Estamos centrados nos clientes, mas é difícil chegarmos a eles com esta série de intermediários », ressalvam.
«O facto de colocarmos a carteira de clientes do lado do mediador tem o lado perverso do cross selling», acrescentam. «Conhecemos mal o cliente dos seguros. Temos dados demográficos, mas não temos os hábitos comportamentais», sustentam.
«No campo das bases de dados aquilo que recolhemos de informação dos seguros ainda não é numa lógica de cross selling, de implementar outro tipo de produto… ainda temos um caminho longo a percorrer», continuam.
«Os mediadores sentem de uma forma cada vez mais premente a concorrência da banca. Porque a banca tem esta capacidade de conhecer de forma pró-activa o cliente», chamam a atenção. «Mas a lógica comercial na banca é mais agressiva», disparam. «É detida, a nossa rede comercial não o é. Quando muito pode ser seduzida. Eles instruem, nós pedimos », avançam.
«Acho que as seguradoras estão a virar- -se muito para o big data e para a tecnologia para conhecerem melhor o cliente. Agora o que acontece? Muitas seguradoras não têm sistemas de Tecnologias de Informação preparados e estas coisas demoram. Ou seja, sabe-se para onde se quer ir, mas tem de ser faseado. Há também receio por parte dos mediadores que as seguradoras os ultrapassem. A ideia é trabalharmos em conjunto, complementando o trabalho do mediador. Mais cedo ou mais tarde temos de pensar como qualificar e maximizar o conhecimento da nossa rede de clientes», concluem.
Artigo publicado na edição n.º 238 de Maio de 2016.