A sua saúde já está no século XXI?
Por Sofia Couto da Rocha, chief Transformation officer (CTO) na Lusíadas Saúde
Vivemos um século de desafios, como todos os anteriores. São outros, é verdade, mas não maiores ou menores que os que os nossos antepassados viveram. Temos, sim, mais informação a circular, graças às tecnologias de informação e à acessibilidade. São estas, também, que nos permitem aceder a uma saúde bem melhor do que a dos nossos antepassados, haja literacia e vontade daqueles que são os melhores cuidadores de cada um de nós. Quem? Nós próprios. Quem mais está com cada um de nós 24h por dia, todos os dias?
Os profissionais de saúde ajudam, a literacia em saúde facilita, mas o compromisso, esse, é intransmissível e pertence a cada um de nós. Questiono-me frequentemente se damos a mesma atenção à melhoria da nossa saúde comparativamente ao tempo que investimos a saber as notícias do Mundo, a responder às mensagens ou e-mails ou mesmo a pensar nas férias deste ano. A saúde pensa-se antes da doença. Uma lapalissada óbvia, contudo, pouco seguida pela maioria. Neste século aconteceram, e estão a acontecer, algumas das maiores disrupções de sempre na ciência e na saúde. A maior disrupção? Quanto a mim, a capacidade de cruzar dados e informação, de aceder a conhecimento e de o partilhar, de chegar a quem mais sabe e de aceder a dados reais.
A tecnologia deve sempre ser um facilitador e a nossa literacia digital frequentemente o manual de utilização. Vivemos numa era em que a medicina caminha a passos largos para ser de precisão e personalizada. Cuidados e recomendações dirigidas a mim, neste momento da minha vida com as condições em que vivo actualmente. Parece simples? Foram vinte e um séculos para chegarmos aqui. Podemos chamar-lhe de várias formas, seja medicina funcional, smart aging ou medicina integrativa, ao estilo típico dos Estados Unidos da América, ou nas várias especialidades podemos não lhe chamar nada, mas integrar conhecimento e ciência de precisão e personalizada.
Cada vez mais, as guidelines que servem de orientação às decisões de tratamento e prevenção, vivem menos em clusters standard. Já não tratamos “mulheres maiores de 45 anos, caucasianas, com antecedentes de hipertensão”, tratamos a Maria que tem 30 anos, vive em Lisboa com uma vida stressante, com uma genómica que sugere um risco aumentado para uma má circulação periférica, com uma genética que espelha um aumento de risco de cancro de mama, que tem hábitos de vida saudáveis, faz desporto, bebe água adequadamente, tem um bom sono e alimenta-se bem. Controla as análises regularmente, faz os rastreios devidos e suplementa-se de forma racional e cientificamente validada. Poderia continuar a detalhar este segundo caso clínico. Conseguimos todos ver a diferença.
Se pudesse, ainda, detalhar mais, desafiaria a Maria a usar uma app que lhe dá uma avaliação do sono e que diz quais são os momentos em que tem mais dificuldade em dormir, que pode partilhar estes dados com o médico que os cruza com um exame de sono dirigido. Ainda poderia pedir-lhe a informação da app de controlo menstrual que tão bem ajuda a inferir os picos e vales hormonais e, com isso, um melhor entendimento do mood e da adaptação às suas actividades diárias. A Maria pode, ainda, seguir um plano com realidade virtual e aumentada no conforto da sua casa para dirigir os exercícios, recomendados pelo seu fisiatra e um especialista do desporto e ter a certeza que os cumpre de forma correcta. Se a Maria ficar doente pode ter com ela todos os exames, análises e informação clínica que colheu ao longo da vida à distância de um clique. Esta última ainda não agregada num mesmo local. Contudo, não faltará muito até termos um datalake europeu ou blockchain a dar uma ajuda.
Esta realidade sofre, claro, adaptações e assume diferentes benefícios e riscos de acordo com a pessoa em causa. Isso também é parte da personalização e da precisão.
As capacidades da ciência servir a nossa saúde vivem no entrecruzamento de várias áreas de saber e conhecimento. A inovação mais geradora de impacto nasce do cocktail entre áreas que não partilhavam um espaço ou linguagem comuns: a física quântica, as áreas da saúde, a bioquímica, a sociologia, a engenharia, o design… e todas quantas possam alargar a visão da pessoa e da sociedade como um todo.
Já pensou sobre isto? Esta é a saúde do seculo XXI.