A IA é uma extensão dos nossos poderes
Não vamos ser substituídos por robots. Vamos ser substituídos por pessoas que sabem tirar melhor proveito da IA e que saibam fazer as perguntas certas. É esta a convicção dos profissionais de Comunicação, que se reúnem periodicamente para debater os desafios do sector.
Texto de Maria João Lima
Fotografia de Paulo Alexandrino
A baixa taxa de natalidade e os fenómenos migratórios estão a ter impacto no dia-a-dia das empresas em Portugal. Por um lado, os portugueses que saem do País em busca de melhores condições de vida e novas oportunidades; por outro, os estrangeiros que se instalam em Portugal em busca de melhores condições de vida, no caso dos mais novos, ou de um cli ma ameno para gozar a reforma, no caso dos mais velhos. Esta é a realidade com a qual as empresas se deparam, não ape nas como provedoras de bens e serviços, mas também como empregadoras.
E a Inteligência Artificial (IA) é um dos chavões da actualidade que não se consegue desligar da questão da demo grafia. «Continua a haver o receio de que a IA vá substituir as pessoas, mas a questão é precisamente que, devido à demografia e não se conseguir encontrar braços suficientes no mercado – e não é só em Portugal –, a tecnologia vai permitir que tarefas menos interessantes consigam ser feitas por máquinas e requalificar as pessoas para as áreas que são estratégicas.»
Foi precisamente com o tema da IA que arrancou o mais recente almoço do sector da Comunicação que, periodicamente, reúne profissionais dos mais diversos sectores no sentido de perceber as mudanças de fundo que estão a impactar esta área. Presentes no almoço no Hotel Vila Galé Ópera estiveram Ana Pinho (Prio), Carla Pinto (Rangel), Cris tina Tavares (Fidelidade), Hugo Modes to (Siemens), Inês Simões (Ageas), Isabel Matos (Crédito Agrícola), Isabel Roseiro (Randstad), Justyna Valente (TAP), Pedro Brito (NOVA SBE), Pedro Miguel Ramos (SANA Hotels), Pedro Pinto (SLB), Rosália Amorim (EY), Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati), Tânia Videira (Celfocus) e Verónica Soares Franco (Pestana Hotel Group).
Incontestável é que a IA veio para ficar. «Temos que aproveitá-la e olhar para as nossas pessoas e perceber onde é que as vamos requalificar. As empresas têm de criar as condições para que as pessoas consigam fazer essa requalificação.» E para isso, importa que, periodicamente, sejam feitos levantamentos de quais as skills necessárias para as áreas de comunicação. Porque o que era verdade há dois anos, hoje está bem diferente e daqui dois anos já terá tido, certamente, novas evoluções.
Mas a verdade é que, na grande maioria das empresas, há muita resistência. «As pessoas vêem a IA como um inimigo à sua criatividade, àquelas que são as suas competências, as suas mais-valias.» À mesa reconhece-se que, em alguns universos, as pessoas não a estão a adoptar e a perceber quais é que podem ser os benefícios, para além das traduções ou outras tarefas mais imediatas. No entanto, quando conseguem passar a fase da aversão, depois as pessoas não querem outra coisa.
Aliás, hoje, nos processos de recrutamento já faz parte da conversa natural das entrevistas para se perceber a predisposição e a experiência que têm. Cabe, assim, aos responsáveis pelas equipas tentar levar para dentro delas aquelas que são as reais vantagens e benefícios da IA nas funções de comunicação. Por que, garantem alguns dos responsáveis à mesa, pode ajudar muito do ponto de vista da eficiência e da eficácia, de criatividade, de inspiração. Não quer dizer que substitua o que os colaboradores fazem, mas pode dar ideias, inspirar.
Vamos a exemplos? Na produção de texto a IA poderá ser uma base de trabalho para o que se vai desenvolver a partir daí. Para a produção de discursos para pessoas ou empresas que os têm de fazer frequentemente poderá ser uma mais-valia. Mas atenção: há cuidados a ter porque ao utilizar IA há certas palavras que aparecem recorrentemente. Daí que não seja dispensável o olho humano para fazer as verificações e correcções necessárias. Ou mesmo para perceber que o texto está “de mais” ou “de menos” para o público a que se destina, procedendo o humano aos ajustes que considera serem necessários.
Na área de marketing das instituições, a IA generativa de texto, imagem e vídeo tem sido usada. É também uma ajuda nos briefings passados às agências, conseguindo entregar desafios mais inteligentes, já que não são só verbalizados e podem ser acompanhados de imagens – que, sendo geradas por IA, são extremamente realistas.
E se o exemplo vier de cima, das lideranças, com uma utilização efectiva de IA, as bases vão perceber a importância e o envolvimento da empresa.
Mas importa lembrar que empresas que trabalham com informação técnica e confidencial poderão ter aqui alguns entraves, a não ser que desenvolvam os seus próprios programas de IA. A regulamentação existente em certos sectores é usada como desculpa (umas vezes com razão de ser, outras nem tanto) para a não implementação destas inteligências.
A questão no ensino tem também sido muito debatida, seja pela utilização pelos alunos, seja pelo staff. Mas há faculdades que estão já a formar os seus colaboradores em ferramentas como ChatGPT 4, Copilot, Gamma.app e o Genie. E se ao início houve rejeição, ao perceberem que poupam dias de trabalho o abraço às mesmas foi colectivo.
Claro que implica alterações na forma como a avaliação dos trabalhos é feita. No passado o peso do trabalho escrito de uma tese ou de qualquer outro trabalho era a componente principal da avaliação do mesmo. Hoje, a componente da defesa oral dos mesmos trabalhos ganhou importância. Agora investe-se mais tempo no momento de defesa da tese (ou outros trabalhos) e dá-se maior peso a este mo mento na avaliação. Tudo para garantir que o aluno sabe do que está a falar.
Entre os participantes no almoço acredita-se que a IA é uma extensão dos nossos poderes. «Não vamos ser substituídos por robots. Vamos ser substituí dos por pessoas que sabem tirar melhor proveito da IA.» E é por isso, também, que em cursos de mestrado e de pós–graduações começam a surgir módulos de formação para os formandos aprenderem a fazer perguntas. Porque nesta interacção com as máquinas – em que todos dispõem das mesmas ferramentas – ganha mais quem faz a pergunta certa.
Agora veja-se o exemplo de um processo de internacionalização ou de preparação para a entrada em novos mercados. A IA pode ser um verdadeiro aliado para entender culturas, formas de trabalhar ou para estudar segmentos de mercado nos quais pode fazer sentido entrar. «Facilita começar por aqui e de pois poder evoluir para outras fontes. E aqui estamos a falar de uma utilização em termos de estratégia», explana-se.
Envelhecimento da População
Já não é segredo que a população portuguesa está envelhecida e não se antevêem alterações a esta tendência nas próximas décadas. No entanto, quando se olha para a comunicação das marcas, a realidade espelhada está bem longe disto. A imagem do indivíduo de 60 anos, em geral, não é utilizada, mas sim a imagem dos jovens. «As pessoas dos 60 e 70 anos gostam de se rever na sua juventude e não no seu estado actual», escuta-se à mesa, ainda que se reconheça que há marcas que optam por comunicar com imagens do avozinho (com o neto ao colo). Parecendo que não, usar um adulto, activo, que faz desporto e que tem necessidade do mesmo tipo de produtos, tem uma eficácia de comunicação muito superior, defende uma voz que se sobre põe às demais. «Os resultados mostram que esse é o caminho certo ao apresentar vendas muito superiores e ajudando a liderar o mercado.» O que vários dos intervenientes à mesa constatam é que as pessoas não querem ser mais novas. «Simplesmente não querem envelhecer. É um discurso bem diferente.»
E se é verdade que as empresas se de param com o aumento da percentagem de pessoas acima dos 50 anos entre os seus clientes, como empregadoras interessa-lhes conseguir criar marcas fortes e comunicá-las de maneira a atrair talento. Até porque os mais novos – que muitas das empresas à mesa de almoço precisam de atrair – são aqueles que migram. «Há que conseguir atraí-los para ficarem em Portugal, apesar dos impostos e dos preços das casas.» As condições que os escritórios proporcionam aos seus colabora dores podem ajudar nesta atractividade.
Neste contexto de atracção de talento, uma das possibilidades que as em presas multinacionais estão a dar aos ta lentos é permitir-lhes a mudança entre escritórios, dando-lhes a possibilidade de experimentar outras realidades geográficas. Desta forma, recebem alguns que querem experimentar Portugal, mas deixam ir outros que querem experimentar viver em outras localizações. Como empresa não perdem os talentos para a concorrência. Porque o que estes jovens querem mesmo é ter experiências em determinadas cidades enquanto não constituem família.
Para outros jovens o que funciona em termos de atractividade é o teletrabalho. Sem dias obrigatórios para ir ao escritório. As pessoas vão quando têm necessidade. E isso faz os jovens aderirem nas entrevistas ao propósito da organização.
Mas o que é facto é que os benefícios que as empresas podem oferecer não são vistos pelos potenciais colaboradores sempre da mesma forma, havendo factores como a idade, que podem fazer mu dar perspectivas. Por pessoas mais velhas o seguro de saúde é visto com bons olhos, ao passo que para os mais jovens poderá pesar mais o facto de poder ter uma carreira internacional, as questões da sustentabilidade, ou ter transportes públicos para chegar à empresa.
E para quem quer ir ao escritório, há quem promova convívios, aulas de yoga ou a possibilidade de levar os filhos em alturas festivas. «Fazemos muitas coisas ao longo do ano para as pessoas não sen tirem que vão ao escritório só porque são obrigadas.» Inegável é que se não fosse o caso de Portugal estar a receber migrantes, a falta de pessoas em determinados «As empresas deparam-se com o aumento da população acima dos 50 anos entre os clientes, mas como empregadoras interessa-lhes conseguir criar marcas fortes.» sectores seria um problema muito mais premente do que já é. Até porque estas pessoas estão disponíveis para trabalhar em funções que os portugueses se recusam a abraçar. Por outro lado, importa desenvolver acções que os façam sentir–se integrados, porque muitas vezes têm culturas, religiões e metodologias de trabalho diferentes. A integração destas pessoas todas umas com as outras e com a empresa é um desafio muito grande. As empresas e as suas equipas têm de ser for madas para receber diferentes culturas. Mas dentro destas culturas, muitas vezes, eles não sabem lidar uns com os outros. É preciso que ganhem ferramentas também para se saberem aceitar uns aos outros.
Preparar uma sala para oração é uma das formas que pode ajudar a fazer estes recursos sentirem-se integrados, podendo orar à hora que acharem conveniente ou adequada às suas práticas. E há entre os convivas quem já esteja preparado a esse nível.
Em alguns casos, a questão do aloja mento dos colaboradores é um aspecto a ter em consideração, bem como as suas refeições, a legalização junto do SEF e a orientação das suas famílias (nomeada mente em termos de escola para os filhos menores). «O País ainda não está preparado para lidar com esta complexidade.»
Ainda sob o tema do envelhecimento da população e da formação, tem-se assistido ao aumento da idade média da formação para executivos nas universidades. Os mais jovens fazem-na de maneira a entrarem no mercado de trabalho com as melhores condições possíveis; quando estão a meio do caminho que rem valorização e criar network; e para os mais velhos a carreira já não é o tema mais importante, mas sim a dimensão social, manterem-se intelectualmente activos e contribuírem, fazendo um giving back à sociedade com o conheci mento que adquiriram.
Expectativas para 2024
2024 vai ser, numa perspectiva económica, um ano desafiante para as em presas, que devem esperar um menor crescimento do que as primeiras estimativas apontavam. Daí que não seja de se antever crescimento dos investimentos. «Vamos ter de nos reinventar sem au mentar orçamentos», escuta-se entre os participantes no almoço da Marketeer.
Há que não esquecer que é um ano de eleições em muitos países, nomeadamente nos EUA, e que em Portugal existe um Governo que poderá estar a prazo, já que se desconhece se dura até ao Orçamento do Estado, se dura dois anos… Tudo isto cria um sentimento de esperar para ver. E é precisamente o que os anunciantes estão a fazer: esperar para ver.
Como não se sabe o que vai acontecer, os responsáveis contêm os orçamentos porque o mundo não acaba se não for feita uma campanha. O marketing acaba por sofrer muito com a incerteza.
Por outro lado, cresce o clima promocional entre marcas. «Há muitos anos que não estava tão aguerrido. Estão a fazer descontos, muito grandes, e parcerias com outras áreas, como retalho alimentar e energia», comenta-se. Desta feita, os planos desenhados para este ano estão a ser repensados, nomeadamente para falar mais de preço. Um claro reflexo da quebra de consumo, que é cíclica e que acontece em todas as crises.
Mas em todos estes caminhos as em presas – que amiúde oferecem produtos e serviços semelhantes aos concorrentes – não devem desviar-se do foco e, através da comunicação, credibilizar a marca de forma transparente e relevante. A apos ta tem de ser naquilo que seja estratégico e que aporte valor para o negócio. À margem da tendência decrescente dos budgets estão as tecnológicas, sobretudo que vivem do mercado de exportação de serviços, e as empresas de turismo, visto que Portugal continua a ser um mercado atractivo para quem o visita.