E se tirarmos a alma às marcas?
M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer
Lembra-se daquele filme da Optimus com a baleia que chegava a terra, se deixava tocar e era salva por todos nós? Para comercializar a 3G, sim! E das campanhas de Natal da lotaria nacional de Espanha que nos deixam inevitavelmente de lágrima no olho? E que, no final, são para isso, vender a lotaria… Do coelhinho que foi com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao circo e cujos chocolates não se esquecem? Ou as campanhas da Vodafone que nos emocionam com violências domésticas ou divórcios, quando o tema só seria um smartphone… Ou Oliveira da Serra? E a amizade da Super Bock? E o Tou Xim…? Em todas elas há um traço: a emoção, o toque humano, o apelo aos sentidos. E é isso que, sem sabermos às vezes porquê, nos faz escolher. Nos faz recordar, nos faz querer estar, querer ter, querer comprar.
Fala-se do propósito das marcas. Do valor das marcas. Do que diferencia quando tudo se aproxima e se copia. E, depois, vêm as Inteligências Artificiais e os trabalhos sem tempo, que ocupam tempo, mas não enchem a alma.
No dia em que escrevo este Editorial passaram-se 24 horas sobre a mais recente conferência da Marketeer. Abordou- se os limites das marcas ou das marcas que aparentemente sem limites vivem com eles, todos os dias. Analisou- -se o respeito e a honestidade. E, claro, a passagem para um patamar mais virtual e com menos intervenção humana.
Não sou contra a evolução e a informação. Não vivo com amarras do passado, nem sem querer olhar para o futuro. Mas questiono. Questiono e duvido. No dia em que apenas máquinas inteligentes escreverem e projectarem, como se garante a tal emoção e o toque de alma? Aquele brilho que encanta ao ponto de nos levar a escolher, preterir, estar ao lado, recomendar e amar? Que cria verdadeiras lovebrands? Até poderemos ser mais eficazes, mas será que seremos mais felizes e com memórias a guardar para a vida?
Editorial publicado na revista Marketeer n.º 340 de Novembro de 2024